June 14, 2021

Os Dogmas do Espiritismo

A palavra dogma suscita desconfiança no meio espírita, em virtude da campanha provocada pelos dogmas da Igreja. Devemos lembrar que a ciência também se baseia em dogmas, pontos firmados da sua doutrina de interpretação do mundo fenomênico. Dogma é todo princípio fundamental de um sistema filosófico, científico ou religioso. A diferença entre os dogmas da Igreja e os do Espiritismo se funda na própria natureza de uns e de outros. Os dogmas da Igreja são fundados em suposições e impostos autoritariamente à razão. Os dogmas do Espiritismo são, como os da ciência, fundados na observação e na experiência, e oferecidos à razão como as conclusões lógicas a que se pode chegar, para a interpretação dos fatos. Como disse Kardec, os dogmas ou princípios do Espiritismo não são rígidos, podendo ser alterados pela demonstração evidente de princípios contrários. Até hoje, porém, os dogmas fundamentais da doutrina, de que demos acima uma interpretação, não sofreram nenhuma contestação científica positiva, mas apenas contradições filosóficas. Ora, como contra fatos não há argumentos e os fatos continuam a sustentar esses princípios, eles prevalecem.

Poderiam dizer-nos que, se os dogmas são susceptíveis de revisão, a doutrina não está firmada. Responderíamos que o Espiritismo não pretende transformar-se num sistema ossificado, sem plasticidade, e por isso mesmo incapaz de interpretar a infinita fluidez e plasticidade da vida. Assim como não se pode interpretar, mas apenas figurar, de maneira precária, o movimento, no quadro fixo, também não se pode interpretar a vida e o mundo numa doutrina estratificada.

Diriam, talvez, os adversários que o Espiritismo é precário, uma vez que a negação científica de um dos seus dogmas fundamentais, como a da independência do espírito, poria abaixo toda a estrutura doutrinária. Não tenhamos dúvidas a respeito. De fato, se nos provarem, cientificamente, que o espírito não passa de efeito e não causa, o Espiritismo estará falido e o abandonaremos imediatamente.

Até lá, porém, continuaremos com ele. Mesmo porque consideramos ocorrido justamente o contrário, ou seja, o Espiritismo já demonstrou experimentalmente a independência do espírito, e com isso derrogou um dos dogmas fundamentais da ciência materialista, que subsiste apenas, graças à capacidade de teimosia do espírito humano.

Positivada, assim, a natureza tríplice do Espiritismo, como ciência, filosofia e religião, devemos apreciar os princípios fundamentais da doutrina, que se resumem nos seguintes dogmas:

a) Deus é a inteligência suprema do Universo, causa primária de todas as coisas;

b) O homem, criado por Deus, deve amá-lo sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo;

c) Tríplice é a natureza do homem, que se constitui de espírito, perispírito e corpo material;

d) O espírito preexiste e sobrevive ao corpo, que lhe serve apenas para a realização de experiências de natureza evolutiva, no mundo material;

e) O perispírito é um corpo espiritual, duplo do corpo físico, e meio de ligação entre o espírito e o corpo;

f) A morte é o processo de desencarnação do espírito, ou seja, do seu desprendimento do corpo material, tornado imprestável pela doença, pela velhice ou por um acidente;

g) As encarnações do espírito são sucessivas e progressivas, provindo dos reinos inferiores da natureza e prosseguindo através da evolução moral e espiritual do ser, até os mais elevados estágios da perfeição;

h) A lei da reencarnação implica o efeito das consequências ou causas da vida anterior, na seguinte, de maneira que o homem é hoje o resultado do que foi no passado, e assim por diante;

i) Tríplice é também a natureza do Universo, que se constitui de: • Deus – causa primária, • Espírito – princípio inteligente, e • Matéria – elemento passivo;

j) O elemento espiritual preexiste e sobrevive ao material, é a sua causa imediata e o seu imediato fim, e tudo o que existe no mundo material provém do mundo espiritual e a ele retorna, no incessante processo da evolução de todas as coisas;

k) Os espíritos povoam o elemento espiritual, que circunda e interpenetra o material, vivendo, portanto, ao nosso redor, de maneira invisível para o sentido visual comum, mas perceptível pelo aprimoramento das qualidades próprias de que o homem é dotado, e participam da vida humana, influenciando-a para o mal ou para o bem;

l) O mundo espiritual apresenta uma gradação infinita de seres, consequência natural da lei de evolução, que vai desde o espírito que ainda se prende à matéria e se julga encarnado, até os mais elevados seres, dos quais Jesus, o Cristo, é o supremo exemplo de que o homem tem notícia;

m) Os espíritos não só influenciam os homens, como podem comunicar-se com eles, através das várias modalidades de mediunidade: a intuitiva, a de incorporação, a de efeitos físicos, a de materialização, a de voz-direta, a audiente, a vidente, e diversas outras;

n) Os homens exercem influência sobre os espíritos que vivem nas proximidades da terra, podendo atraí-los consciente ou inconscientemente e orientá-los, esclarecê-los, doutriná-los durante as sessões práticas de Espiritismo;

o) A prece e a concentração mental com objetivos elevados são meios de vibração que o homem dispõe para atrair ou afastar as influências espirituais e orientar o seu próprio pensamento;

p) Cada homem está sob a influência benéfica de um espírito protetor, ou guia espiritual, que é o anjo guardião das religiões, e sob o amparo dos espíritos familiares e amigos, que procuram auxiliá-lo, assim como sob a influência malfazeja de espíritos inferiores e de adversários e inimigos da presente ou de passadas existências;

q) Pela sua conduta e sua firmeza no bem, o homem se liberta das más influências e ajuda os seus inimigos a se melhorarem;

r) As relações entre os espíritos e os homens se baseiam nas leis de vibração mental e emocional, sendo inútil e prejudicial o uso de símbolos, gestos, vestimentas próprias, queima de ingredientes como incenso e arruda e outros aparatos exteriores, para a prática de sessões e de outros meios de afastamento dos maus espíritos;

s) O amor de Deus é extensivo a todas as criaturas, sem qualquer distinção, não havendo razão de ser para a existência de sacramentos como o batismo, o casamento religioso, a extrema-unção e outros;

t) A lei de causa e efeito preside a todos os processos da vida, tanto no terreno material quanto no moral e espiritual, e a salvação dos homens está nas suas próprias mãos;

u) A caridade é a lei principal da evolução do espírito e se traduz, não na simples distribuição de esmolas, mas no amor do homem pelo seu semelhante e por tudo quanto existe, pelo que o Espiritismo adota como lema a seguinte frase: Fora da caridade não há salvação;

v) O Universo é infinitamente habitado, e os mundos que rolam no espaço carregam humanidades que não conhecemos, mas que se ligam a nós pela lei da solidariedade universal;

w) Todo o Universo conhecido é um processo único de evolução, que o homem tem a possibilidade de integrar de maneira consciente, desde que se decida a acelerar a própria evolução.

(do livro "O Sentido da Vida" de José Herculano Pires)

José Herculano Pires (1914-1979) foi um jornalista, filósofo, educador, escritor e tradutor brasileiro. Destacou-se como um dos mais ativos divulgadores do espiritismo no país. Traduziu os escritos de Allan Kardec e escreveu tanto estudos filosóficos, quanto obras literárias inspiradas na Doutrina Espírita.

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