September 18, 2023

VII • Liso, Sensual

Passei a manhã toda indignada com Bruce por ele ter me acordado num dos melhores sonhos que havia tido com o cara dos meus sonhos. Não disse nada, porém não estava nem um pouco feliz por ter que deixar um lugar onde queria tanto estar.

As aulas correram naquela manhã, com o sabor daquele desconhecido ainda vivendo dentro de mim. Por mais que tentasse encontrar muitas formas de me concentrar nas aulas volta e meia eu voltava para aquele peito coberto de tatuagens. Um rebelde que apanhava tudo de inocente que havia em mim e escondia no fim do mundo.

Quando o sinal soou para o horário do almoço me adiantei em encontrar Suan e Bruce nos seus armários. Queria qualquer tipo de distração que me fizesse ficar longe daqueles pensamentos.

Não que tais lembranças me fizessem mal, mas não era saudável ficar pensando em coisas que nunca haviam acontecido.

Precisava esquecer aquele garoto. Mas se continuasse com os sonhos tinha a impressão de que nunca conseguiria.

Virei o corredor quase chegando aos armários, quando vi Suan e Bruce agarrados um no outro, como se fizessem parte de uma coisa única, me senti desanimada. Não tinha como atrapalhar aquilo. Minha única chance de distração estava ocupada de mais para me dar atenção.

Então, como boa amiga que se preze, tirei meu time de campo.

Resolvi que se não podia esquecer, então ia encontrar um lugar apropriado para continuar pensando sem ser atrapalhada.

Na parte externa da escola havia uma arvore bastante especial para mim. Um lugar que adotei como meu desde o ensino fundamental.

A árvore não era como nenhuma outra que eu houvesse visto. Ela era composta por duas árvores, com troncos de cores adversas, que se uniam a ponto de se formar apenas uma. Tinham galhos e folhas da mesma cor, mas o destaque era dos trocos, um na cor bege e o outro marrom. Juntos eles pareciam tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão iguais.

Existia uma lenda na escola que dizia que as árvores não nasceram juntas. Que uma mulher apaixonada via a forma do marido falecido nos galhos da enorme árvore e que quando morreu a árvore de tom bege simplesmente apareceu entrelaçada à outra. Era o significado do amor eterno e do quanto os mundos poderiam estar sempre unidos. E que se duas pessoas se amassem verdadeiramente estariam para sempre juntos.

Tinha uma placa bem em frente a tal árvore, que explicava detalhadamente a lenda da Napean. Não que eu não acreditasse na lenda. Na verdade, eu achava incrível uma história de amor imortal. Porém, aquela árvore tinha sido o meu lugar de acolhimento. Muito dos momentos difíceis compartilhei com aqueles galhos. Então, não conseguia ver ela de outra forma que não fosse meu lugar de sossego. Porque apesar de ser um lugar marcado por uma lenda tão fabulosa às pessoas tinham medo de chegar perto do lugar, pois, como toda boa lenda tinha seus lados ruins. Os alunos mais veteranos da escola diziam que à noite podia-se ouvir as vozes de lamento da mulher da lenda. E esse fato já era suficiente para as pessoas não chegassem perto do local, o deixando exclusivamente para mim.

Sorte minha que as pessoas acreditavam em tudo que ouviam.

Os alunos já haviam se espalhado por todos os cantos quando sai do prédio. Ouvia gritos e risadas escandalosas enquanto eu estava presa em meus próprios pensamentos.

Nunca gostei muito de estar no meio de um público gigante. Gostava do silêncio.

É meio complicado de entender. Não é que eu fosse uma reclusa, eu me dava com praticamente todas as pessoas que eu conhecia. Tinha poucas inimizades e era vista como uma boa pessoa aos olhos de todos ao redor. Só que prezava por meus momentos sozinha. Até porque quem guarda segredos gosta de ter seu próprio tempo para pensar neles.

Andei pelo estacionamento em silencio a fim de cruzá-lo para chegar do outro lado do gramado. Onde ficava a minha árvore.

Estava colocando os fones de ouvido prestes a me perder nas minhas lembranças, quando percebi que meu lugar sagrado já estava ocupado.

O garoto do dia anterior estava sentado de olhos fechados, concentrado na música que vinha dos seus fones de ouvido discreto. Ele não vestia nada estranho daquela vez. Na verdade, estava bastante intimidante naquela camisa xadrez e aquele jeans surrado.

Minhas lembranças sumiram no momento que comecei a observar seus detalhes. A franja loira que caia sobre as sobrancelhas, as linhas do seu rosto e a serenidade do seu semblante. Ele era loiro de uma maneira de quem havia pego muito sol na beira do mar.

Ele era terrivelmente charmoso, isso era inegável.

Zac provavelmente sentiu que alguém o observava, porque não demorou muito para que abrisse os olhos e se assustasse com a minha presença.

– O que você está fazendo ai?

Sorri para tranquilizá-lo.

Ele tirou um dos fones e sorriu de volta.

– Ouvindo música. E você?

"Será que ela estava me procurando?"

A voz dele berrou na minha cabeça me fazendo responder quase que no susto.

– Eu juro que não estou te seguindo. – levantei as mãos como se estivesse me rendendo. – É que eu costumo me sentar sempre aqui nesse lugar. As pessoas não veem muito aqui.

– E por que não?

Ele olhou para a arvore à procura de algo suspeito.

Apontei para a placa antes de pensar em dizer alguma coisa. Ele pareceu entender pois imediatamente deu de ombros.

– Não entendo. É uma lenda tão legal. Na verdade, foi por causa da placa que acabei vindo parar aqui. Vim ler o que significava e acabei ficando. Olha toda a sombra que esses galhos fazem.

Disse ele apontando para os galhos mais altos.

A árvore se encontrava em uma pequena saliência sobre a terra. A sombra que os galhos faziam cobria praticamente todo o pequeno assento que a grama verde proporcionava. E quando nevava e tudo ficava coberto por gelo o local parecia ainda mais encantador, porque ao invés do tronco bege ser o contraste, o escuro é que se tornava. Porém, não tinha como ficar mais do que cinco minutos ali quando nevava sem virar picolé.

– É que toda lenda tem seu lado ruim. E as pessoas dizem ouvir vozes ao redor da árvore. – Fiz cara de desdém. – Eu estou sempre por aqui e nunca ouvi nada.

– As pessoas têm a tendência a exageros às vezes.

Ele fez um sinal com a mão me convidando a juntar-se a ele e eu não pensei duas vezes antes de aceitar. Estar do lado de Zac me fazia bem e era bastante agradável sua companhia.

Sentei ao seu lado mantendo certa distância. Não conseguia controlar seus pensamentos muito bem e se o tocasse sabia que as coisas poderiam ficar ainda piores. Mas ele não via daquela forma, porque assim que viu nossa pequena distância, ele a diminuiu ainda mais.

Me sentia mal, como se estivesse fazendo alguma coisa errada. E lá no fundo eu sabia que era culpa do meu último sonho. Eu precisava parar com aquilo e tentei puxar conversa para esquecer de vez do assunto.

Conversamos por um bom tempo, sobre diversos assuntos. Ele era muito agradável e sempre me fazia rir sem nenhuma preocupação.

Passei a admira-lo com as terríveis ideias românticas. Porém, cada vez que fazia isso ele falava alguma coisa boba me desviava do assunto.

Ele era agradável e bonito e se não fosse pelo pequeno detalhe da sua cabeça berrante eu poderia passar muito tempo ao seu lado. Ele conhecia muitos lugares e falava bem outros idiomas.

O tipo de garoto que toda menina sonhava em conhecer.

– O que você está ouvindo?

Perguntei curiosa olhando para o celular na mão dele.

– Ah não, você vai rir do meu gosto antiquado.

Ele afastou o pequeno aparelho do meu alcance.

Eu sorri mediante a atitude dele e depois mostrei o meu.

– Se você visse o que eu gosto de ouvir ia focar apavorado.

Comentei o incentivando.

Ele pareceu pensar sobre o que eu havia dito. Depois, colocou um fone no meu ouvido.

Pude ouvir a canção e quase que automaticamente à imagem do meu pai cantando para mim veio a minha memória, juntamente com todos aqueles sentimentos reprimidos.

Depois do acidente eu nunca mais ouvi What's Up do 4 Non Blodes. E toda vez que tocava em algum lugar eu me retirava, porque apesar de se passar anos e anos eu jamais poderia esquecer o sorriso de despedida do meu pai na melodia daquela música.

Tirei o fone correndo, como se aquilo fosse arrancar a dor de dentro de mim, mas nada aconteceu além de assustar Zac. Sempre que as lembranças voltavam, eu tinha vontade de correr milhas e milhas, como se de alguma forma fosse me afastar do sofrimento que teimava em não me deixar.

Levantei prontamente preparada para ir embora quando a voz de Zac me fez perceber que eu o assustava com a atitude que estava tendo.

Tudo que queria era ser normal, mas enquanto não pudesse lidar com aquela situação jamais seria um brinquedo em bom funcionamento outra vez.

– Eu disse que era ruim.

Ele guardou o celular rapidamente e levantou junto a mim.

– Não é isso...É que essa música me lembra meu pai. Ele gostava muito dela.

"Gostava?"

– O que aconteceu com ele? – Disse ele se arrependendo da pergunta assim que viu minha expressão mudar de um instante a outro. – Não precisa responder se não quiser.

Pensei em não falar nada, mas no que isso mudaria? Um dia ele ia saber já que a Napean toda sabia do ocorrido. Apesar de não gostar de tocar no assunto fiz um esforço para explicar sem ter que dar muitos detalhes.

– Ele morreu há nove anos.

Respondi por fim, sentindo o gosto das lágrimas presas na garganta.

– Eu sinto muito, mesmo...

"Meu Deus, que mancada."

– Tudo bem. É que às vezes é ruim lembrar e eu não escutava essa música desde que ele... – A frase parecia presa em minha garganta. – Que ele me deixou.

– Eu não deveria ter tocado no assunto.

Cada vez mais Zac fazia cara de culpa e seus pensamentos não eram nenhum pouco diferente. Não parava com as ideias de piedade e aquele caos todo parecia a ponto de me enlouquecer. Tanto que eu praticamente deixei de lado minhas lembranças ruins para poder me concentrar em amenizar os pensamentos dele na minha cabeça.

"Se existisse um prêmio para o cara mais babaca, eu ganharia agora".

– Isso não é verdade, você não teve culpa.

– O que?

Perguntou ele perdido.

Fiquei muda por um momento. Pensei que talvez tivesse feito de novo, respondido aos seus pensamentos. Mas ele parecia apenas não ter ouvido. Odiava como ele parecia um megafone na minha cabeça sempre, não conseguia me concentrar com aquilo.

– Eu quis dizer que você não poderia adivinhar.

– Ah, sim.

Pensei por um momento, e percebi que ele era a única pessoa que me provocava aquilo. Assim como Josh ele tinha seu jeito único, só que no caso era terrivelmente ruim. Não saber é desconfortável, mas saber o tempo todo é desconcertante.

Tinha que me adaptar aquilo e naquele momento decidi que ia fazer o que fosse possível para conseguir ficar na presença dele sem me perder. Programei mentalmente uns novos treinos e depois esqueci o assunto.

– O que posso fazer para compensar a minha mancada?

Disse ele com um ar inconfundível de flerte.

Demonstrei estar pensando, tentando tornar o momento agradável mais uma vez.

– Você pode me fazer companhia por uma semana nos almoços e quem sabe eu comece a perdoá-lo.

Ele estendeu a mão com um sorriso de menino tímido estampado no rosto.

– Combinado.

Respondeu ele radiante.

Temi por aquele toque e, se pudesse voltar atrás, quem sabe nem teria proposto um acordo se soubesse que resultaria naquilo. Então concentrei toda a minha força em não ouvi-lo e apertei sua mão com rapidez em me afastar.

Ele não percebeu minha urgência. E com muita sorte consegui deixar a mente dele calada dentro da minha cabeça. Já era uma vitória.

O sinal soou para o final do almoço e nós dois olhamos para o pátio que já estava ficando vazio.

– Melhor a gente voltar.

Comentei.

-É verdade.

Andamos pelo caminho de volta enquanto eu analisava cada parte da mente dele, tentando encontrar o problema de não conseguir bloqueá-la. Continuamos a falar de diversos temas e sempre que o assunto morria ele trazia outro à tona.

Quando chegamos aos armários, ainda não havia encontrado nada que me disse o porquê de não conseguir controlar os pensamentos dele. Mas eu não ia desistir assim tão fácil e com o tempo estava disposta a aprender a lidar com sua mente ruidosa.

Pegamos os nossos matériais para a próxima aula e ele me levou até a porta da minha sala como se fossemos velhos amigos. Ao ponto que viu que meu irmão e minha amiga também esperavam por mim se apressou em se despedir.

– Espere.

Disse o segurando quando ele estava prestes a me dar as costas.

Ele parou e olhou para mim confuso.

– Esse é meu irmão Bruce e minha amiga Suan.

Comentei os apresentando.

– Oi.

Disseram os dois juntos e depois riram da coincidência.

Conexão irritante de casal recém formado. Coisa que já estava acostumada uma vez sendo melhor amiga de Suan.

– Prazer.

Disse Zac olhando de um para o outro.

– E esse é o Zacary.

Disse com uma olhar duro para o meu irmão, que já estava com aquela postura ciumenta de sempre.

– Podem me chamar de Zac.

Ficamos ali por um momento conversando. E em menos de um minuto Bruce considerou a companhia de Zac adequada para mim. Na verdade, foi no segundo que ele disse que jogava futebol também.

Zac era bom em fazer as pessoas gostarem dele. Sempre tinha bons assuntos e era bastante engraçado. Logo Bruce já tinha se identificado e Suan já estava me olhando com aqueles olhos maliciosos.

Ela sempre via os possíveis relacionamentos antes de mim e toda vez que me via pensando no garoto dos meus sonhos me advertia. "Vida real" ela dizia para mim.

Logo depois que Zac foi para a sua aula e nós ficamos sozinhos os comentários sarcásticos e provocativos começaram.

– Onde você esteve?

Bruce foi o primeiro.

– Na árvore

Respondi com desdém.

-Não te vi.

Disse ele olhando para Suan em conspiração.

– Nem teria como.

Revirei os olhos e segui rumo a minha sala os deixando sozinhos para mais alguns beijos e amassos nos corredores.