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August 2, 2020

Amamentação e sexualidade Breastfeeding and sexuality - Parte 1

Autora:

Gilza Sandre-Pereira

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Introdução

Uma mulher chega com seu bebê para a consulta de puericultura na maternidade. Um detalhe chama a atenção do pediatra: a diferença importante de tamanho entre suas mamas. Uma conversa cuidadosa revelará a origem dessa diferença. Mãe lactante, essa mulher faz uma divisão 'verticalizada' de seu próprio corpo, entre o seio materno, fonte de alimento, e o seio erótico, fonte de prazer sexual. Um seio para o bebê e um seio para o marido.

Essa história, verdadeira, nos coloca diante de uma questão instigante: a relação entre a amamentação e a sexualidade. O aleitamento materno tem sido tema de muitos estudos no Brasil nas duas últimas décadas, a partir de abordagens das mais diversas disciplinas. Assim, é possível facilmente encontrar trabalhos sobre as características bioquímicas do leite humano, sua relação com a saúde da mãe e do bebê, alguns aspectos psicológicos dessa prática, e poderíamos ainda citar outras temáticas que têm sido, cada vez mais, alvo de um intenso investimento intelectual de inúmeros pesquisadores. Menos numerosos são os estudos do aleitamento materno na área das ciências humanas, em particular da Antropologia Social, e é dentro dessa abordagem que este artigo pretende tratar a questão da amamentação e sua relação com a sexualidade.

Os dados aqui apresentados são parte de um estudo comparativo sobre a amamentação no Brasil e na França, iniciado em 2000 e em vias de finalização. Durante o século XIX e início do século XX, na Europa e em especial na França, o aleitamento materno e a mortalidade infantil foram alvo de muitos debates que, aliados às descobertas de Pasteur,2 estão na base do que se convencionou chamar de 'puericultura científica'. Os intelectuais e os médicos brasileiros foram influenciados por esses debates, de tal forma que se observa um percurso similar da história do aleitamento materno no Brasil e na França durante esse período. Entretanto, hoje esses países diferem grandemente no que concerne às práticas e aos discursos sobre o aleitamento materno, o que torna interessante a comparação entre eles. Para estudar esses dois contextos distintos, foi privilegiado o meio social urbano de classe média que apresenta características semelhantes nos dois países, em termos de grau de instrução, de acesso a conhecimentos e de permeabilidade a um discurso medicalizado e 'psicologizado'. Foram realizadas um total de 60 entrevistas não diretivas nos dois países. Foram também utilizados como fonte de informação alguns sites da Internet que possuem fóruns ou listas de discussão sobre temas que envolvem a maternidade ou mais particularmente o aleitamento materno, nos quais é possível acompanhar as 'conversas' dos participantes. Fenômeno recente, esses espaços virtuais de discussão permitem uma observação continuada da circulação de diferentes idéias em torno de um tema e tornam-se assim uma fonte de informação complementar de grande riqueza. Com a intenção de preservar as pessoas cujo discurso me serviu de material de pesquisa, seus nomes e os sites onde elas descreveram suas experiências ou deram suas opiniões não são identificados. Da mesma forma, todos os nomes de informantes são fictícios.

Primeiramente é apresentada uma breve reflexão sobre aspectos simbólicos do leite humano; são apresentados a seguir alguns trabalhos antropológicos sobre interdições sexuais durante o período de aleitamento materno; em seguida, tratar-se-á do seio feminino e suas duas funções - alimentar e erótica; e finalmente serão analisados os discursos de mulheres e homens sobre o tema em pauta, a partir de entrevistas realizadas no Brasil e na França

Link para o artigo original:

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2003000200007


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