what still grows in the dark.
Você entra e a primeira coisa que percebe é que o ar está errado.
Não é frio como o corredor. É morno, pesado, com cheiro de terra úmida misturado a metal aquecido. O som já está ali antes de qualquer imagem um zumbido contínuo, irregular, como algo que ficou ligado tempo demais. Não dá pra saber se vem das caixas de som ou do próprio espaço.
A projeção ocupa a parede inteira. Não há introdução. Não há aviso. A imagem simplesmente existe. Um close extremo de uma folha. Tão perto que você vê falhas, manchas, pequenos rasgos. O foco não se mantém. Trepida. Escapa. Volta. Cada erro de foco, cada tremor na imagem é um lembrete: essa não é uma filmagem digital. Não foi editada para ser perfeita. O filme está ali, com sua textura e suas falhas. A câmera analógica, com sua imperfeição incontrolável, não tenta capturar o que é claro. Ela só registra o que existe. Não é bonito, mas é real.
O tempo não ajuda. A imagem fica tempo demais. Nada acontece. Você começa a se perguntar se isso é tudo. Então o som muda: um atrito seco, quase imperceptível. Folha contra pele. Terra sendo pressionada. Um sopro curto, humano. Mas tudo ainda soa como se estivesse vindo de algum lugar distante, como se o som fosse capturado de forma imprecisa e borrada pela limitação da mídia analógica.
Você dá um passo à frente e percebe mais plantas no chão. Não estão bem cuidadas. Algumas parecem esquecidas. Outras, forçadas a continuar. Não são cenário. Estão ali ocupando espaço, invadindo. O chão está sujo. Não há tentativa de esconder isso. São plantas reais, gravadas com a mesma imprecisão da câmera, com todas as suas imperfeições expostas sem retoques.
Na tela, a imagem corta para a cidade. Concreto. Um poste piscando. Um corredor vazio. Tudo filmado de perto demais. O glitch atravessa a imagem como um erro. A cor estoura. O som falha. Por um segundo, parece que tudo vai quebrar, mas a falha permanece, assim como o filme permanece, com suas fissuras, distorções e falhas visíveis.
Volta para a planta. Um broto pequeno surgindo de uma rachadura. Não é bonito. É frágil. A câmera insiste nele como quem insiste em algo que não devia estar ali. O foco falha de novo. A imagem não se resolve. Não oferece clareza. Não há como escapar. O filme analógico, com sua limitação, traz a sensação de algo que nunca poderá ser capturado com perfeição.
Mais pessoas entram. O som se sobrepõe. Fica mais alto. Mais sujo. Respirações diferentes se misturam. A obra reage. Não de forma óbvia, apenas o suficiente para deixar claro que você está sendo percebido. O espaço fica apertado. Vivo.
Por um instante rápido demais para ter certeza, aparece um reflexo humano na tela. Não um rosto. Um pedaço de pele. Um movimento errado. Some antes que você consiga reconhecer. Talvez nunca tenha estado ali.
Não existe final. O vídeo reinicia sem aviso. A folha reaparece. O som volta ao começo. A obra não conclui nada. Não pede entendimento. Não pede aprovação.
Quando você sai, não leva resposta nenhuma. Só a sensação incômoda de que aquilo ainda está lá dentro existindo sem precisar de permissão.
Nem tudo sobrevive porque é forte.
Algumas coisas sobrevivem porque ninguém conseguiu matar.
E é aí que a obra começa de verdade.
O que você está vendo não é sobre plantas. Nunca foi. As folhas, o broto, a terra suja, tudo isso é linguagem. São corpos abjetos. A câmera insiste neles porque insistir é o único gesto possível quando não há garantia de cuidado.
O foco falha porque a obra se recusa a transformar aquilo em um algo bonito. Nada ali quer ser contemplado com distância segura. A câmera cansa porque quem filma também cansou. De manter postura. De explicar. De performar clareza.
A cidade aparece como fundo não porque seja importante, mas porque é inevitável. Concreto, luz artificial, corredores vazios: um ambiente que não foi feito para sustentar vida, mas exige produtividade mesmo assim. O glitch atravessa a imagem como atravessa o corpo: interrupção, falha, erro que não pode ser editado sem mentir.
As plantas no chão não são metáfora delicada. Elas estão ali para ocupar um espaço que lhes foi negado. Não há cuidado excessivo porque a obra não promete salvação. Sobreviver não é ser protegido. É continuar apesar do abandono.
Quando o som muda com a presença do público, a obra deixa de ser passiva. Ela reage porque existir já é reação. A respiração que se mistura ao ruído não é trilha sonora, mas corpo denunciando que ainda está aqui, mesmo quando incomoda.
O reflexo humano que aparece e some não é acaso. É identidade fragmentada. É alguém que não cabe inteiro na imagem. Alguém que só pode existir em pedaços. O rosto nunca aparece porque o rosto exige reconhecimento e nem todo mundo é reconhecido antes de ser apagado.
O loop é uma declaração. Não existe final porque não existe resolução. Crescer no escuro não leva a um clímax. Leva à repetição. Ao esforço constante de continuar ocupando um espaço que tenta te destruir.
Eunjoo não pede empatia. Não pede leitura correta. Não oferece esperança. Ela coloca o espectador dentro de um sistema que continua funcionando mesmo quando você sai da sala. A obra não precisa ser vista para continuar viva.
Ela existe para afirmar uma coisa simples e brutal:
Algumas existências não são celebradas.
Alguns corpos não são cuidados.
Não são entendidos.