DAS LUZES DO ARREBOL

Do curral, enquanto cuidava dos animais, ao lado do avô, o menino gostava de ver o sol nascer, por entre os serrotes, tingindo o céu de finíssima púrpura cardinalícia.

Diante de tanta beleza, uma paz infinita recobria tudo, ouvindo-se, ainda, pela mata que subia em procissão até à serra, o alegre crepitar do canto do passaredo.

De volta para casa, pelo caminho do açude velho, que não desgrudava os olhos um só instante do Rio Contendas, que corria majestoso, lá embaixo, observavam a cidade finalmente acordar.

Perto da Igreja de São Francisco, último baluarte a ser transposto, no retorno ao lar, causava sempre admiração ao guri as lojas dependuradas, equilibrando-se, perigosamente, pela trilha íngreme.

Nisso, D. Marieta, avó do garoto, após terminar os preparativos do café matinal, já esperava, por eles, ansiosa, à porta do oitão, rezando o terço, para se acalmar, como era seu costume àquela hora do dia.

Quando ela divisava, ao longe, o cavalo alazão trotando ligeiro, acenava para nós, com as duas mãos estendidas, como leques de carnaúba ao vento, contente por nossa chegada.

E aquełe ritual, de amor em doação, muito embora se repetisse, há séculos, jamais deixava de apreciá-lo, porquanto começava a entender a essência dos segredos da dona felicidade.

Depois do banho, com a água fria da cacimba, sentávamos à mesa para degustar generosos pedaços de cuscuz, que boiavam, serenos, em pratos de ágate, cheios de leite.

Com a fome saciada, deitávamo-nos nos tucuns, espalhados pela sala grande, permitindo-nos ficar olhando, pelos janelões da ala leste, a amplidão do horizonte.

Nesse ínterim, vovô Anastácio falava das viagens de comboio, pelo sertão, enquanto vovó desfiava um rosário de novidades que parecia não ter fim.

Aquilo durava uma eternidade!

Por ter acordado muito cedo, acabava dormindo, embalado pelo som melodioso das vozes de ambos.

No alvorecer seguinte, com o coração em festa, lá estava eu, novamente, a postos, no curral, à espera do milagre.

AVELAR SANTOS

A/S CAMOCIM-CE