November 24, 2020

DE VOLTA PARA PASÁRGADA

Com os caminhos todos atapetados de sonhos, que ainda teimavam em desabrochar, em vistosos buquês, que respingavam luz e cor, estilizados por magníficas colunatas gregas de ideais, aos doze anos de idade, sem jamais ter visto o rei, sequer por fotografia, sem conhecê-lo, portanto, nem tampouco, evidentemente, ser seu amigo, eu fui embora de vez para Pasárgada.

E antes que algum de vocês pergunte a mim, por curiosidade apenas, como se deu este estranho fato, eu me apresso a remar os anos, cada vez mais rápido, retroagindo o calendário até o princípio de tudo.

Eis que se iniciava o ano da graça de 1970! Após fazer o antigo Curso de Admissão, no seminário de Tianguá, em 1969, onde se destacava a figura exemplar de frei Aquino, brilhante professor de Português, fui informado, por ele, antes de viajar para casa, nas férias de dezembro, que eu estava apto a ir para Ipuarana, centro religioso franciscano, em Lagoa Seca-PB, para dar continuidade aos meus estudos.

Ao ouvir notícia tão auspiciosa, fiquei muito contente, por que ouvira tanto ele falar tão bem desse lugar, encravado nas alturas remotas da Borborema, mostrando-nos, aqui e ali, slides que retratavam sua beleza, bem como apresentava fotos de ex-alunos do convento tianguaense, em momentos de lazer, sorridentes, estampando um brilho diferente no olhar, que por lá agora se encontravam, isto foi o bastante para me despertar de pronto a atenção, ansiando eu também ser um dos estudantes admitidos na leva anual das diversas escolas apostólicas que davam suporte logístico àquele conceituado Colégio Seráfico.

E assim aconteceu!

Ao chegar finalmente ao meu torrão natal, tendo decorado letra por letra o meu improviso para anunciar a boa nova aos meus genitores, meu pai já havia recebido uma comunicação oficial do diretor geral daquela Casa, detalhando os procedimentos que deveriam ser ultimados para o meu ingresso naquele abençoado reino.

Passei somente dois anos em Ipuarana, mas que se eternizaram na lembrança, e no coração, tornando-me, nesse pouco tempo, admirador inconteste de seus sábios mestres, principalmente de seu mandatário-mor, frei Honorato, homem culto, inteligente, com quem aprendi os primeiros segredos da língua inglesa, e do canto, ingressando no coral, do qual ele era exímio maestro, cujas vozes harmonizadas incensavam louvores a Deus nas missas solenes - e dominicais.

Ali verdadeiramente respirava-se paz e cultura! O saber era fonte perene de aprendizado - e a religiosidade ombreva com o civismo. Nesse diapasão, as amizades, imorredouras, porquanto cimentadas com o nióbio da verdade, era o laço perfeito que abotoava, dia após dia, nosso presente real.

De manhãzinha, com o sol preguiçosamente não despontando de todo, no horizonte, acordávamos debaixo de um frio intenso, ouvindo, pelas amplas janelas abertas, que recendiam ao cheiro gostoso de eucalipto, a passarada revoando em grande algazarra, pelo bosque contíguo ao dormitório, vindos do Buzum, onde haviam ido muito cedo tomar água, enchendo de perfumada alegria nossa almazinha imberbe de menino, com seus trinados maviosos, que teciam um mundo de paz absoluta pelos ares.

O amanhecer ipuaranense era um momento sublime!

Depois do reforçado café matinal, que nos dava energia de sobra para as lides estudantis, ao rumarmos, pressurosos, para as salas de aula, sob as vistas da torre, emoldurada por uma névoa fina, éramos saudados euforicamente pelo velho Tambor, cujos ramos mais altos, agitados, com vigor, pelo irmão vento, vistos permanentemente dos claustros, pareciam sorrir, desejando-nos boa sorte na jornada de lições que se avizinhava, instigando-nos, com o seu vai-e-vem constante, a superar a nós mesmos, a tentar fazer o melhor, sempre.

De tarde, depois de revisarmos as matérias, e de uma rápida incursão bonapartiana ao sítio, a fim de surrupiar alguma jaca, rezando para não sermos pegos por frei José, seu guardião vitalício, dividíamos a prenda fraternalmente entre tantos, era hora das partidas de futebol, disputadas com elegância, animadas, onde muitos colegas desfilavam como verdadeiros craques.

Após banho tomado, íamos à capela agradecer ao Criador pelo dom da vida, pela família, pelos amigos, rendendo-LHE infinitas graças, na certeza de que ELE ouvia atentamente as preces de cada um de nós.

Depois do jantar, havia o recreio animado, com jogos e brincadeiras. E logo o sono chegava, reclamando, ranzinza, obediência extrema aos seus ditames severos.

No outro alvorecer, tudo alegremente recomeçava!

Meu Deus! E pensar que isto foi ontem! Éramos felizes no paraíso - e não sabíamos!

Hoje, de quando em vez, nas noites em que a insônia é fiel companheira, o pensamento, voando certeiro como flecha robinhoodiana, leva-me de volta ao lar, à minha amada Ipuarana, inesquecível Pasárgada da mocidade fagueira, que, ingrata, não volta jamais - e percorro, sozinho, os seus claustros, com uma saudade aperreada, dessas que não têm fim, invadindo o peito, com os ecos do passado ribombando por todos os recantos.

AVELAR SANTOS

A/S CAMOCIM-CE

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