GAVIÃO DO MAR
O sol ainda não distendera suas asas brilhantes sobre o horizonte - e a madrugada preguiçosa dormia cheia de paz.
Enquanto isso, o Gavião do Mar preparava-se cuidadosamente para alçar voo, buscando orientar-se pelas luzes fugidias das estrelas para lançar-se, enfim, na imensidão das águas do Atlântico.
A um sinal de mestre Pinguim, os dois pescadores, que compunham sua tripulação, amigos inseparáveis de uma vida inteira, juntaram-se a ele para fazerem uma breve prece, pedindo uma vez mais a proteção dos céus para que tudo corresse bem no decorrer daquele dia.
Após rezarem, empurraram a pesada canoa para o seu ambiente natural, colocando sob a quilha toras de carnaúba para que ela deslizasse com mais facilidade, ultimando, com isso, o ritual daqueles homens simples, forjados no sal, e nas vicissitudes terrenas, que se repetia há trinta natais.
Nenhum deles, porém, poderia imaginar que aquele seria o último que presenciariam!
Com a vela branca triangular toda enfunada, pegando com destreza a brisa matinal, com as garras gigantescas, o Gavião do Mar dobrou velozmente a Ponta do Farol do Trapiá, eterna lembrança da terra camocinense, dirigindo-se, silencioso, para locais piscosos, milhas distantes, no grande Leviatã, cujo caminho conheciam bem.
E tudo transcorria sem maiores sobressaltos, até que mestre Pinguim decidiu que era hora de voltar. No fundo da embarcação, como resultado da boa pescaria, amontoavam-se, sem nada reclamarem, de olhos vítreos, cansados, desmesuradamente abertos, serras, cavalas, pargos e ciobas, cuja venda já estava previamente acertada com o sr. João do Peba.
Organizados finalmente os apetrechos de pesca, o Gavião do Mar começou a planar, majestoso, com o vento de través a soprar forte, eriçando, ao seu toque, as crinas das ondas, como arrepios de alcova de amantes, rumando ligeiro para o trapiche.
Perto da entrada da barra, felizes por verem terra novamente, cada um antevendo a alegria de poder estar reunido logo mais, em família, os ajudantes estranharam o silêncio de mestre Pinguim, que estava ao leme, sem ação alguma para se desviar dos perigosos arrecifes, que se aproximavam rapidamente do seu campo de visão, parecendo inerte, de cabeça baixa sobre o peito, com o chapelão a encobrir-lhe o rosto.
Quando um deles se aproximou um pouco mais para chamá-lo, pensando que ele estava tirando um cochilo, pelo avanço da idade, uma onda mais forte se abateu sobre a canoa, chocoalhando o corpo de mestre Pinguim, que desabou ao lado do velame.
Naquela noite a cidade festeira emudeceu de vez! As ruas de repente ficaram desertas. Nos becos e vielas uma calmaria fantasmagórica imperava. Sem freguesia alguma, bares e cabarés fecharam cedo suas portas ao saberem do triste acontecimento.
E o manto da comoção cobriu a praia inteira pela chegada, nunca convenientemente esperada, muito embora certa, da irmã morte.
E os sinos da Igreja de São Pedro, lúgubres, repicaram sem parar!
AVELAR SANTOS
A/S CAMOCIM-CE
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