December 14, 2020

O FILHO DO CARPINTEIRO

Avelar Santos

Antes de sair de seu casebre, perdido num bairro miserável, distante do centro da cidade, naquela cinzenta manhã, para ir ao trabalho, o homem fora até o cômodo onde seu filhinho repousava, e viu que sua esposa ainda se encontrava sentada, na mesma posição, ao lado do pequenino, que há dias estava doente, velando amorosamente o seu sono.

Deitado numa velha rede de algodão, gasta pelo tempo, postada perto da tosca janela, um garoto de quatro anos, de corpo mirrado, devorado impiedosamente pela doença que o acometera, respirava com dificuldade, com pontadas frequentes de tosse, que deixavam-no engasgado, sendo socorrido prontamente por sua mãe.

E assim a mulher passara a noite inteira, desvelando-se em cuidados redobrados com o filho, sem ter nenhum descanso.

O marido aproximou-se dela, e, com a emoção boiando ligeira nos seus olhos súplices, nada pôde dizer, limitando-se em afagar rapidamente seus cabelos. Ela tentou esboçar um sorriso, em retribuição ao carinho recebido, mas isto não foi possível.

Depois de olhar novamente para a criança, até um dia desses um menino alegre, brincalhão, que não desgrudava um só instante de um carrinho de madeira, que ele lhe dera, no ano passado, como presente de aniversário, causando tanto rebuliço, por onde passava, e que, agora, encontrava-se largado, solitário, num canto qualquer, finalmente saiu!

Na rua, seus pensamentos em desalinho teimavam em mostrar-lhe apenas o lado sombrio das coisas, fazendo-o ver repetidas vezes a imagem do filhinho agonizante, vítima inocente de um sistema social perverso que alija os pobres ao acesso à educação e saúde de qualidade.

De boa índole, porém inculto, porquanto nunca tivera oportunidade de se dedicar aos estudos, ajudando, desde tenra idade, ao seu pai, na roça, junto com os irmãos, cedo casou, provendo o sustento da família com o seu humilde ofício de carpinteiro.

Andando apressado, para não perder a hora, posto que marcara nessa data a entrega de uma mesa, ao comprador, cujo ganho seria revertido inteiramente na compra da medicação do filho, prescrita pelo médico, ao passar, contudo, pela capela, construída nos primórdios da urbe em homenagem a São José, muito embora não se recordasse mais da última vez que ali estivera, vendo que a porta estava aberta, atendendo a um apelo de sua alma angustiada, entrou no recinto.

Àquela hora, como não havia ninguém no seu interior, resolveu postar-se no banco defronte ao sacrário, na parte central da nave, e, sem mais delongas, extravasando sua dor, começou a chorar copiosamente.

Por longos minutos, seu pranto sentido desaguou como chuva benfazeja, na época da invernia, no sertão, pensando as múltiplas cicatrizes de seu espírito alquebrado, fluindo, rápido, na ordem inversa, até o céu.

No seu sofrimento atroz, não pronunciara palavra alguma, nem tampouco balbuciara qualquer prece, quedando-se somente em profunda adoração ao Santíssimo.

E assim o fez!

Na verdade, nada precisava ser dito, pois o clamor de seu coração fora ouvido por Deus, que, na Sua bondade infinita, enchera-se de compaixão por aquele pobre pai, que reencontrara, naquele momento mais amargo de sua vida, o caminho estreito, pontilhado de luz, começando a tecer, ali mesmo, o milagre que ele tanto buscava, assim como o fizera, séculos atrás, com o servo do centurião romano, que demonstrara, ao procurá-LO, uma fé jamais vista em Israel.

Ao ousar levantar os olhos para o Crucificado, o homem percebeu, assustado, que Jesus havia se desapregado da cruz, caminhando em sua direção, de braços abertos, num gesto de amorosa acolhida, sentando-se ao seu lado.

Foi nesse instante, mudo de espanto, em êxtase, que ele ouviu um coro magnífico de anjos cantando "Gloria in Excelsis Deo", enquanto Cristo, serenamente, deixava-se ser pregado de novo no madeiro.

Ao sair da igreja, repleto de indizível felicidade por tudo que testemunhara, sentindo-se aliviado do peso do fardo que carregava, com a flor da esperança a desabrochar, nas profundezas do seu eu, o homem teve o impulso de voltar imediatamente para casa.

E assim aconteceu!

À medida que se aproximava do seu barraco, com passadas firmes, ao ver sua mulher correr ao seu encontro, ansiando por um abraço afetuoso, desmanchando-se em lágrimas, teve a certeza de que algo bom sucedera.

E ela contou-lhe como de repente, logo depois de sua saída, a febre do garoto passara, a tosse cessara, com o rosto do garoto ganhando cor, o que lhe trouxe grande contentamento.

E ele falou-lhe da súplica silenciosa que fizera ao Senhor, pela cura da enfermidade do filho, e de como se sentira acolhido, na sua pequenez, pela grandiosidade da misericórdia divina.

E, amparados na simplicidade do amor conjugal, que tanto pode, espera, e suporta, renderam graças ao Divino Mestre por tanto bem a eles semeado.

AVELAR SANTOS

A/S CAMOCIM-CE

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