October 31, 2020

PINGA

A manhã sorria, radiante de beleza, pela serra inteira, naquele abençoado domingo do Senhor, em Tianguá, onde fora abraçar velhos e diletos amigos dos tempos idos do Seminário de Santo Antônio, em Lagoa Seca-PB, nossa amada - e inesquecível - Ipuarana.

Era um dia de céu claro, na Ibiapaba, sem quaisquer nuvens perambulando, no firmamento, facilitando, assim, a vigilância constante do sol sobre os caminhos dos homens.

Acordara cedo, como de costume, com o vibrante canto dos bem-te-vis, escondidos por entre as ramagens mais altas das mangueiras, solfejando, em uníssono, a alegria da vida, hóspedes perenes da chácara do Dr. João Crisóstomo, irmão maior que de sangue, um lugar cheio de paz, próprio para o repouso do cansaço do cotidiano - e para a contemplação da mãe-natureza.

Após o café matinal, com direito a ovos de galinha caipira, pães recém saídos do forno, queijo e manteiga da terra, delícias da culinária cabeça chata, Dr. Albery Nunes, renomado poeta tianguaense, Procurador Municipal aposentado, a quem conhecera dias atrás, firmando amizade, veio buscar-me, juntamente com minha família, para irmos ao Pinga, local idílico encravado no cume da Chapada Ibiapabana, distante algumas léguas da cidade.

E lá fomos nós, serpenteando estrada afora, tomando um atalho, alguns quilômetros à frente, a fim de chegarmos ao paraíso, subindo uma ladeira íngreme que não tinha fim, que metia um medo danado, atapetada de pedras grandes, escorregadias, até descortinarmos, uma hora depois desse escarpado "rally", um platô, cercado por densa vegetação nativa, que abrigava uma casa rústica, bem cuidada, cheia de livros, poesias, peças de artesanato, além de uma cascata de vivas lembranças.

O dia transcorreu sob conversas amenas, conduzidas com elegância pelo nosso anfitrião, que não se cansava de externar a todos nós, que o ouvíamos, empolgados, o seu imenso amor à terra natal, àquele local, com especialidade, discorrendo, também, na sua voz tranquila, franca, sobre assuntos outros que ratificavam sua vasta cultura, entronando o Arquiteto do Universo, sempre, como o cerne de tudo, instigando-nos a procurar, cada vez mais, buscar meios para que o trem do conhecimento pudesse correr sem peias, livre, levando às estações da existência a paixão incontida pelo saber.

Almoçamos feijão tropeiro acompanhado de carne de sol, debaixo da sombra de plantas seculares, cujos galhos pareciam se vergar somente para nos proporcionar maior comodidade, ouvindo, ao longe, o trinado dos sabiás laranjeiras e galos de campina, que falavam de amores perdidos - e da complexidade insuperável da Criação.

Chegada a hora de partir, deixei que os olhos filmassem sem pressa tudo aquilo, novamente, guardando na mente - e no coração - momentos paradoxalmente fugazes, mas sublimes.

Poucos meses se passaram para o Dr. Albery fazer sua viagem definitiva, voltando à Casa do Pai, onde certamente dispõe de um bosque, com um riacho ligeiro correndo por entre os lajedos, quedando-se, para deleite seu, numa bela cachoeira, tal como aquela do seu recanto serrano do Pinga.

Que a terra lhe seja leve, nobre amigo. Descanse em paz!

AVELAR SANTOS

A/S CAMOCIM- CE

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