July 14

Out of the red, he sang.

13.7.24

A viagem não exauriu o guitarrista tanto quanto se esperaria, pelo menos fisicamente, a mente ainda fervendo, mas o corpo estava numa exaustão gostosa para si. Como havia brincado com os colegas na noite anterior, o caranguejo precisa de sua concha e a casa de dois cômodos que Jiho chama de sua é o mais próximo que tem de uma. Assim que passou pela porta, a primeira coisa que fez foi jogar a bolsa no chão, tirando os coturnos de uma vez.

Apesar de pequena, é cuidadosamente arrumada e decorada com peças que remontam ao inquilino, quadros pequenos, tapetes escuros e cortinas grossas que ficaram fechadas pelos últimos meses. Jiho é um excelente dono de casa em seu próprio mérito, fato reconhecido até pela Nefarious, e por fim voltar ao seu canto lhe dá gosto de ver que estava tudo como havia deixado.

A sensação de conforto e felicidade por finalmente poder estar com os pés na casa morreu rapidamente quando abriu a geladeira e se deparou com gelo, água e duas latas de cerveja. Uma risada sem humor escapou os lábios, agradecendo mentalmente que os meninos não vieram consigo para não verem aquela cena trágica.

Suspirou, por fim. Poderia muito bem tomar um banho para relaxar o corpo da viagem, ou ir ao mercado comprar mantimentos para os dias que teria de folga, mas a saída seria mais demorada. Estava, assumidamente, sentindo saudade das ruas de sua cidade natal, talvez até tiraria uma tarde para visitar a família, mas por agora só quer caminhar pelas ruas como sempre gostou de fazer, até mesmo em lugares que não conhece.

Certificando-se que o celular, a carteira e as chaves estão no bolso, além do maço de cigarros, assim Jiho faz, numa sensação confusa de liberdade e solidão. Sai de casa pela noite chuvosa de verão, suspirando para si mesmo ao que sente o ar úmido. Não se importa com um guarda-chuva por agora, apenas desce as escadas de sua rua e se põe a caminhar na calçada, procurando a conveniência que por tantas vezes visitou desde que se mudou.

Num lapso inesperado de consciência, a voz no fundo de sua cabeça lhe fala: Você não vai jantar ramyeon hoje. Surpreendentemente, Jiho a obedece, pulando a 7/11 e continuando a caminhar pela calçada pelo que parece uma eternidade, guiado apenas pelo fone ligado ao celular e a familiaridade gostosa que sente andando por ali. Quanto mais anda, mas vê as luzes se intensificarem, a maior vantagem de seu endereço. A casa, apesar de humilde, se localiza no oeste de Seoul, o permitindo chegar a pé até Hongdae.

Num restaurante discreto, de iluminação precária e fachada pouco convidativa, Jiho entra com um sorriso no rosto e cumprimento ao chef. O preço acessível das refeições e o sabor caseiro delas o transformou num cliente assíduo, sendo conhecido por nome pelos funcionários da casa. Pediu um prato de samgyeopsal com acompanhamentos e uma porçao de tteokbokki, nem tendo reparado que estava com tanta fome até sentir o cheiro dos temperos permear o lugar.

Enquanto a comida é preparada, volta à calçada para acender mais um cigarro após os três que fumou no caminho, logo retornando e comentando animadamente com o cozinheiro sobre como havia sido a viagem e a experiência num geral do festival, até que, por fim, é servido.

Com um suspiro satisfeito, Jiho começa a comer, sentindo a carne de porco cozida ao ponto e logo depois o tteokbokki lhe tomar a boca com a doçura e picância equilibradas, uma intensidade de sabor que sentiu saudade depois dos dias em terras nipônicas. Logo, a refeição é completa e a conta paga, se despedindo do restaurante afim de ir buscar uma sobremesa digna da vizinhança que tanto ama.

Felizmente, Hongdae jamais perderia o ritmo em pleno sábado de noite, então não tardou até tropeçar em outra conveniência, ainda maior do que a que costuma ir, para comprar um picolé, a sobremesa perfeita para o começo do verão. E é óbvio que isso seria samanco. Parece até cômico, o homem de voz grossa e postura confiante no palco andar sozinho por uma avenida colorida com um sorvete de peixe na boca, olhando admirado para cima, vendo os outdoors neon que já conhece do lugar que tanto estima.

Em particular, um novo lhe chama atenção. Não sabe porque havia demorado tanto para abrir um coin noraebang por ali, mas finalmente tinha um perto de si. Jiho sempre foi fã desses pequenos oásis urbanos e é óbvio que não resistiria a ir ali, ainda que esse fosse um tanto suspeito e discreto, com a entrada sendo uma escada pequena ao lado de um fliperama antigo da área.

Deixando não só a liberdade e a solidão, mas agora a curiosidade ganhar de si também, Jiho subiu as escadas mal-iluminadas, apenas para se deparar com o salão sem nenhum tipo de supervisão, apenas as cabines minúsculas para as máquinas de karaokê. Com metade delas ocupadas e os sons abafados quase balançando a estrutura da loja, além de uma máquina para trocar notas em moedas. O guitarrista foi até essa, depositando o suficiente para receber três moedas em troca, se direcionando à última cabine do corredor.

Já tinha na cabeça algumas ideias do que gostaria de cantar com as três fichas, animado com o momento para si mesmo após tanto tempo existindo em sociedade. A primeira sendo Mary on a Cross, uma de suas preferidas do álbum de covers que a banda lançou. Em seguida, quase que numa piada, a escolha foi quase instintiva quando apareceu nas mais cantadas da máquina: Into The New World.

É até cômico, Kang Jiho cantando Girls' Generation em alto e bom som no karaokê, só se permitindo isso pelo isolamento acústico do karaokê, rindo de si mesmo enquanto faz o belting da ponte da música com a técnica refinada... Para o metal. Nada perto da afinação melodiosa das vocalistas do grupo, mas ainda agradável à sua maneira com o instrumental jocoso de karaokê ao fundo. Como as próprias diriam: "I want to tell you all my tremors". A música, apesar de romântica, lhe inspira frases que lhe fazem pensar em seus meninos e, de certa maneira, até mesmo nas amizades que pôde fazer nas semanas de Soundwave que passou e que com certeza irão vir.

E por último, para fechar o momento, afim de terminar logo ali e voltar para casa e fumar o último cigarro da noite, Jiho escolheu a música que lhe colocou na Nefarious, Everlong dos Foo Fighters, ainda que por razões diferentes. Conheceu os rapazes pois estava na guitarra a convite de seus tios, mas nunca teve a oportunidade de cantar essa em palco desde então, uma das suas músicas preferidas de todos os tempos. E, por mais bobo que pareça, realmente botou sua alma cantando ali, no lugar que ninguém vai o ver ou ouvir, na concha do caranguejo.

"The only thing I'll ever ask of you

You gotta promise not to stop me when I say when"

O amante do eu lírico é completamente imaginário para Jiho, que ainda se caracteriza e identifica fortemente com as emoções que a música transpira. Aproveita de sua voz rouca para acompanhar os vocais de Dave Grohl de maneira magistral, ouvindo-o perfeitamente na sua cabeça apesar de não ter o back-tracking do karaokê, apenas o instrumental. A música termina ambiguamente e com o homem ofegante encarando a tela.

Com um suspiro, vendo a máquina lhe intimar a botar mais uma moeda em um convite para que se retire, Jiho sorri e coloca o microfone de volta no lugar onde encontrou, virando-se para ver a porta da cabine entreaberta, para sua surpresa, e duas garotas adolescentes lhe assistindo, uma delas com o celular apontado para a sala. Arregala os olhos em reação, mas logo que pensa em falar algo, ambas correm, descendo as escadas e sumindo da visão de Jiho tão rápido quanto ele as encontrou.

Era óbvio o que tinha acontecido ali, apesar de não saber o porquê delas terem feito aquilo e nem conseguir imaginar se haverá alguma repercussão. Só sente que não é algo com o qual deve se preocupar agora, então, segue o passo das meninas e sai da loja, com as mãos no bolso e um cigarro aceso entre os lábios assim que caminha pelas calçadas. Vai de volta para seu covil, calmo e com o coração aquecido por estar de volta em casa após esse tempo.