March 24, 2022

O Uso Indevido da Mediunidade

Atualmente, observa-se que existe uma excessiva preocupação com o desenvolvimento das faculdades psíquicas. Mas, por falta de cuidados de alguns grupos, esta prática vem sendo prejudicial a quem a elas se entrega. Entre nós, existe uma idéia errônea, herdada dos primeiros tempos do Espiritismo no Brasil, de que a perturbação mental é proveniente de mediunidade que precisa ser desenvolvida.

Este tipo de concepção é socialmente fortalecida pela prática do umbandismo popular que, sem possuir doutrina orientadora, vê espíritos presentes em todo tipo de anormalidade.

Conhecido é o chavão espírita que diz: quem não vem ao Espiritismo por amor, vem pela dor. A isso costumam acrescentar que para se livrar da dor, deve-se desenvolver a mediunidade. Assim, é frequente observarmos pessoas em completo desequilíbrio, sentadas à mesa de desenvolvimento mediúnico. Em alguns casos, elas portam anomalias cerebrais, psicológicas e obsessivas. Vez por outra, estão sob a dependência de neurolépticos, antidepressivos e medicação sedativa.

A princípio, precisam de cuidados médicos e espirituais, mas não de desenvolvimento mediúnico. Por que motivo se encaminham as pessoas com tanta frequência ao desenvolvimento da mediunidade?

Como veremos adiante, existem diversas razões que levam a essa conduta, mas a principal delas ainda é o limitado conhecer a respeito do que é mediunidade.

Examinando certos aspectos da obra "O Livro dos Espíritos", tem-se uma visão um pouco diferente dessa definição habitual que se dá a esta sensibilidade comum aos seres vivos. Vemos ali que, em verdade, a mediunidade possui uma função evolutiva na experiência do encarnado, e que pode, em certos casos, ser usada como ponte entre os dois planos da existência, constituindo-se aí, na mediunidade segundo Kardec.

Mediunidade e evolução

Na obra "O Livro dos Espíritos", encontramos duas questões que nos dão uma visão modificada a respeito da finalidade da mediunidade. Apreciemo-las:

Questão 122 – Como podem os Espíritos, em sua origem quando ainda não têm a consciência de si mesmos, ter a liberdade de escolher entre o bem e o mal? Há neles um princípio, uma tendência qualquer que os leve mais para um lado que para o outro?

Resposta: O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire consciência de si mesmo.

Não haveria liberdade se a escolha fosse provocada por uma causa estranha à vontade do Espírito. A causa não está nele, mas no exterior, nas influências a que ele cede em virtude de sua espontânea vontade. Esta é a grande figura da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação e outros a resistiram.

Questionando os Espíritos Superiores a respeito da evolução das almas, Allan Kardec pergunta de forma inteligente se no princípio, quando o Espírito ainda não tem consciência de si mesmo, haveria nele uma causa qualquer que o levasse para o lado do bem ou do mal. A pergunta foi muito boa e a resposta melhor.

Se os Espíritos Superiores respondessem que estava dentro do Espírito esta causa, o Codificador certamente colocaria outra questão: Por que Deus encaminha alguns no bem e outros no mal? Se assim procedesse, o Criador estaria tirando do Espírito o seu livre-arbítrio. Induzindo uns ao bem e outros ao mal. A resposta da entidade comunicante foi bem racional:

“Não haveria liberdade, se a escolha fosse provocada por uma causa contrária à vontade do Espírito”. E completa: ”A causa não está nele, mas no exterior, nas influências a que ele cede em virtude de sua espontânea vontade”.

Deduzimos, pois, que na fase em que o Espírito não tem consciência de si mesmo, mesmo quando é animal ou vegetal, sofre uma influência do exterior espiritual. E perguntamos: por qual caminho a influência chegaria ao sensorium comune da entidade encarnada? Pela mediunidade generalizada, eis a resposta. É ela o canal natural que todos possuem e que liga o Espírito encarnado ao mundo invisível. Por ele, recebe as influências a que o Espírito resiste ou cede, em face da sua vontade.

Associe-se a isso a Lei de Causa e Efeito e temos o móvel da evolução. A questão seguinte de O Livro dos Espíritos completa o raciocínio.

Questão 122-B – Esta influência só se exerce sobre o Espírito na sua origem?

Resposta: Segue-o na vida de Espírito, até que ele tenha de tal maneira adquirido o domínio de si mesmo, que os maus desistam de obsediá-lo.

Até quando nos seguem as más influências, pergunta Kardec. Até o período em que o ser adquirir domínio sobre si mesmo, estando de posse da verdade e tendo adquirido a liberdade espiritual. Foi esta a resposta inteligente dos Espíritos!

Quem é médium? – Basta analisarmos abaixo a citação de Allan Kardec, para entendermos que todos possuem mediunidade, mas que nem todos são médiuns para servirem regularmente de ponte entre os dois planos.

“A mediunidade é uma faculdade multiforme: apresenta uma infinidade de nuanças em seus meios e em seus efeitos. Quem quer que seja apto a receber ou transmitir as comunicações dos Espíritos é, por isso mesmo, um médium, seja qual for o meio empregado ou o grau de desenvolvimento da faculdade – desde simples influência oculta até a produção dos mais insólitos fenômenos. Contudo, no uso corrente, o vocábulo tem uma acepção mais restrita e geralmente se diz médium as pessoas dotadas de um poder mediatriz muito grande tanto para produzir efeitos físicos como para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou pela palavra. Embora não seja a faculdade um privilégio exclusivo, é certo que encontra refratários, pelo menos no sentido que se lhe dá. Também é certo que não deixa de apresentar escolhos aos que a possuem: pode ser alterada e até perder-se e, muitas vezes, ser uma fonte de graves desilusões” (Revista Espírita - Fevereiro/1859 – Artigo Escolhos dos Médiuns).

O Codificador considerava médiuns só as criaturas dotadas de faculdades capazes de produzirem efeitos intensos. Não há nenhum motivo justo que possa levar o dirigente a adotar a política de se desenvolver mediunicamente todas as pessoas.

Desenvolvimento empírico

A prática geral da mediunidade no Brasil é caracterizada pelo uso do empirismo. E, o que é o empirismo? O dicionário define o empirismo como uma doutrina ou atitude que admite que o conhecimento provém unicamente da experiência, desprezando a necessidade dos princípios racionais e científicos.

É quando, por nos julgarmos experientes, deixamos de lado o exame lógico das questões que nos cercam, dando opiniões sobre tudo, sem maiores raciocínios.

Não são raros os casos em que, na primeira visita do perturbado à instituição espírita, o mesmo é logo colocado à mesa de desenvolvimento. Já observamos situações em que os neófitos, mesmo não tendo nenhuma idéia do que era a relação com os Espíritos, foram submetidas à experiência da mediunidade.

Resultado: ficaram apavorados e com idéias erradas a respeito do contato dos homens com o Além.

Por que esta mentalidade é cultivada entre nós? Por diversas razões, dissemos anteriormente.

a) Falta de entendimento claro a respeito do que é a mediunidade.

b) Um alívio emocional passageiro que o paciente experimenta, quando é submetido ao transe mediúnico. Fato explicado da seguinte forma: em qualquer caso de pressão espiritual, quando se permite a manifestação da inteligência atuante, há uma descarga emocional, gerando uma depressão interna na estrutura mental. Nos casos em que as alterações emocionais são provenientes de situações psíquicas doentias, oriundas desta ou de outras encarnações, ocorre também um alívio, proveniente do fenômeno psicodramático, chamado catarse. Técnica que é a base do Psicodrama e da TVP.

Observação: em nenhum dos dois casos haverá curas definitivas, se não houver mudanças morais no mundo psíquico. Naqueles casos em que não aconteça a cura, poderá aparecer a dependência quanto à manifestação do transe, passando a ser necessária a manutenção da estabilidade emocional do paciente. É o caso do médium que se não for à reunião, fica passando mal.

c) Há uma outra situação: aquela em que a mediunidade acaba por ser colocada como uma espécie de status que dá posição e destaca o médium em relação aos outros do seu grupo. Nestas comunidades, vemos a faculdade mediúnica manter o círculo de trabalhadores. Sem as práticas, o centro esvazia. A mediunidade é o motivo de maior atenção na casa.

Sabe-se que o fenômeno é uma boa atração para os que ainda não conhecem o Espiritismo, mas temos de ter o cuidado para que a Doutrina, constituída de ensinamentos filosóficos e morais, fundamentais para a vida futura da criatura, não seja colocada num segundo plano.

Ao nos posicionarmos contra a prática empírica não queremos desvalorizar a experiência. No entanto, precisamos levar em alta conta, que ela deve ser orientada por tudo quanto de lógico e racional conquistou a humanidade, mormente o Espiritismo. São conhecimentos que ninguém, em sã consciência, pode dispensar.

Uma destas conquistas é o método, uma forma lógica e racional de se fazer as coisas. Criar métodos para a administração do centro espírita é a nossa proposta para o combate do empirismo no movimento.

Mediunidade nos terreiros

Nós espíritas, não podemos subestimar a ação dos terreiros de Umbanda, de Candomblé e variantes. Se no movimento, que possui livros orientadores, convivemos com problemas oriundos das práticas mediúnicas, imaginemos o que se passa nos terreiros onde não há qualquer orientação teórica.

Não há como deixar de conviver com médiuns vindos dos terreiros para os centros espíritas. Em todos os casos, mesmo com médiuns já desenvolvidos naqueles locais, convém que eles sejam submetidos a um tratamento espiritual antes de serem introduzidos nas práticas da casa, para que possíveis Espíritos atrasados ligados àquele tipo de culto possam ser afastados. Além disso, dar-lhes uma orientação teórica acerca da mediunidade segundo Kardec. Procedimento idêntico pode ser tomado em relação aos que saem de outros grupos para adentrarem à sociedade sob nossa responsabilidade.

Um período de observação é essencial.

Desenvolvimento mediúnico de obsedados

A Obsessão, segundo definia Kardec, consiste num constrangimento exercido por um Espírito sobre outro. Possui causas diversas, que não cabe citarmos agora.

Aprendemos nos livros básicos que alguém só cai sob o domínio dos Espíritos inferiores, quando possui fraquezas morais. Estas falhas de caráter se constituem, fundamentalmente, nas portas pelas quais os Espíritos perturbadores entram no obsedado. Uma vez corrigidas as imperfeições mais grosseiras, o processo de obsessão ou desequilíbrio tende a desaparecer.

A solução, pois, não reside no exercício da faculdade mediúnica e sim na moralização do obsedado e do Espírito obsessor.

É frequente a mediunidade natural estar perturbada por processos obsessivos, ou por uma influência momentânea qualquer. Ao submetermos o paciente ao tratamento desobsessivo, incluindo aí a fluidoterapia, observamos uma rápida regressão dos sintomas e a normalização do nível de sensibilidade.

Tudo pode ser feito instruindo aqueles que estão enfermos, ofertando-lhes a Doutrina Espírita, mas sem necessariamente, ser preciso transformá-los em médiuns ou mesmo espíritas.

As pessoas que têm mediunato – compromisso de trabalho – possuem uma natural aptidão para a vivência espírita. Não é necessário forçarmos ou termos pressa com a mediunidade.

Quando ela é para o bem, espera. Nos casos obsessivos mais graves, incorre-se em alto risco quando se põe o paciente no exercício da mediunidade. A relação mediúnica com o obsessor aumenta seu campo de ação psíquica, alargando canais e facilitando o agravamento da obsessão e das fixações impostas pela entidade maléfica, podendo levar o enfermo à loucura.

Allan Kardec disse que a mediunidade obsedada não merece nenhuma confiança e que, ao lidarmos com obsessores, devemos fazê-lo por meio de médiuns desenvolvidos e seguros. Ora, o obsessor conhece as falhas do obsedado e por ele terá toda facilidade de enganar quem o procura doutrinar.

Vejamos abaixo:

“A obsessão, como já dissemos, é um dos maiores escolhos da mediunidade. É também um dos mais frequentes. Assim, nunca serão demais as providências para combatê-la. Mesmo porque, além dos prejuízos pessoais que dela resultam, constitui-se um obstáculo absoluto à pureza das comunicações. A obsessão, em qualquer dos seus graus, sendo sempre o resultado de um constrangimento, não podendo jamais este constrangimento ser exercido por um Espírito bom, segue-se que toda comunicação dada por um médium obsedado é de origem suspeita e não merece nenhuma confiança” (Allan Kardec – O Livro dos Médiuns – item 242).

Se Kardec diz que não podemos confiar em nada que venha de uma mediunidade obsedada, como poderemos solucionar os casos de perturbação espiritual, usando de intérprete o próprio perturbado?!

Considerações finais

Nestes anos em que trabalhamos no centro espírita, temos controlado tudo o que fazemos. São mais de 5.000 entrevistas, onde observamos e tratamos estados de desordem pessoal, desequilíbrios psíquicos, orgânicos e obsessivos. O índice de cura dos processos tratados variam entre 60% e 70%. Dentre estes, pouquíssimos pacientes tiveram, obrigatoriamente, que serem submetidos ao desenvolvimento da mediunidade.

A maioria conseguiu ser ajudada pelo Espiritismo, sem se envolver com seu aspecto prático. Uns tornaram-se espíritas, outros não. Todos foram aconselhados a praticarem o bem segundo o Evangelho do Cristo e hoje encontraram seus caminhos.

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