June 8, 2021

Qualidade e eficácia da prece

PRECE – A prece é uma invocação e, em certos casos uma evocação, pela qual chamamos este ou aquele Espírito. Quando dirigida a Deus, ele nos envia seus mensageiros, os Bons Espíritos. A prece não pode alterar os desígnios da Providência; mas por ela os Bons Espíritos podem vir em nosso auxílio, seja para nos dar a força moral que nos falta, seja para nos sugerir os pensamentos necessários. Daí vem o alívio que se experimenta quando se ora com fervor. Daí vem, também, o alívio que experimentam os Espíritos sofredores, quando se ora por eles. Eles mesmos pedem essas preces sob a forma que lhes é mais familiar e que está mais em relação com as idéias que conservaram de sua existência corpórea. Diz-nos, porém, a razão, aliás de acordo com os Espíritos, que a prece dos lábios é uma fórmula vã, quando nela não participa o coração.

Qualidade da prece

Quando orardes, não vos assemelheis aos hipócritas, que fingem orar conservando-se em pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Mas, quando quiserdes orar, entrai no vosso quarto e, fechando a porta, orai a vosso Pai em segredo; e o vosso Pai, que vê tudo o que se passa em segredo, vos dará a recompensa.

Não afeteis orar muito em vossas preces, como fazem os pagãos, julgando que pela quantidade de palavras serão atendidos. Não vos torneis semelhantes a eles, porque vosso Pai sabe do que necessitais antes de lho pedirdes. (Mateus, cap. VI, 5 a 8.)

Quando vos aprestardes para orar, se tiverdes alguma queixa contra alguém, perdoai-lhe a fim de que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe também os pecados. Se não lhe perdoardes, vosso Pai, que está nos céus, também não perdoará os vossos pecados. (Marcos, cap. XI, 25 e 26.)

Propôs também esta parábola aos que confiavam em si, como se fossem justos, e desprezavam os outros:

Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu, publicano o outro. O fariseu, de pé, orava intimamente desta forma: Meu Deus, graças vos dou por não ser como o resto dos homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem mesmo como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo o que possuo.

O publicano, pelo contrário, conservando-se afastado, nem mesmo ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: Meu Deus, tende piedade de mim, que sou pecador.

Eu vos declaro que este voltou para sua casa, justificado, e o outro não; porque aquele que se exalta será humilhado e aquele que se humilha será exaltado. (Lucas, cap. XVIII, 9 a 14.)

As qualidades da prece foram, assim, distintamente definidas por Jesus. Quando quiserdes orar, disse ele, evitai que vos vejam; orai secretamente; evitai orar muito, pois não é pela multiplicidade das palavras que sereis atendidos, mas pela sinceridade da prece. Se, antes de orar, tiverdes algum ressentimento contra alguém, perdoai-lhe, porque a prece deixa de ser agradável a Deus, quando não parte de um coração puro de todo sentimento contrário à caridade. Orai, enfim, com humildade, como o publicano, e não com orgulho, como o fariseu; examinai as vossas faltas e não as vossas qualidades, e, quando vos comparardes aos outros, procurai o que de mau existe em vós.

Eficácia da prece

Tudo quanto pedirdes pela prece, crede que obtereis e que vos será concedido. (Marcos, cap. XI, 24.)

Há pessoas que contestam a eficácia da prece, fundadas em que, conhecendo Deus as nossas necessidades, é supérfluo que lhas exponhamos. Acrescentam que, encadeando-se todo o Universo por meio de leis eternas, não podem os nossos votos alterar os decretos de Deus.

Sem dúvida alguma, existem leis naturais e imutáveis, que Deus não derrogaria conforme o capricho de cada um; mas daí a se crer que todas as circunstâncias da vida são submetidas à fatalidade vai grande distância. Se assim fora, o homem não seria mais que um instrumento passivo, sem livre-arbítrio e sem iniciativa, hipótese em que só lhe restaria curvar a cabeça sob o peso de todos os acontecimentos, sem buscar evitá-los, sem procurar desviar-lhes os golpes. Se Deus lhe concedeu raciocínio e inteligência, foi para que deles se servisse, assim como lhe deu a vontade para querer, a atividade para ser posta em ação. O homem, pela liberdade que tem de agir em outro sentido, é que faz com que seus atos lhe tragam para si e para outrem consequências derivadas do que ele praticou ou deixou de praticar. Da sua iniciativa se originam acontecimentos que escapam forçosamente à fatalidade e que nem por isso destroem a harmonia das leis universais, do mesmo modo que o adiantamento ou o atraso do ponteiro de um relógio não derroga a lei do movimento a que está sujeito o mecanismo.

Assim, Deus pode aceder a certos pedidos sem infirmar a imutabilidade das leis que regem o conjunto, dependendo sempre isso do assentimento de sua vontade.

Seria ilógico concluir desta máxima: «Tudo quanto pedirdes pela prece vos será concedido», que baste pedir para obter; como injusto fora acusar a Providência por não anuir a todos os pedidos que lhe são feitos, porquanto, melhor que nós, ela sabe o de que necessitamos. Dessa maneira é que procede o pai prudente: recusa ao filho o que seja contrário ao interesse deste. Em geral, o homem só vê o presente. Ora, se o sofrimento é útil à sua felicidade futura, claro está que Deus o deixará sofrer, como o cirurgião deixa que o doente sofra numa operação que lhe trará a cura.

O que Deus poderá conceder, se confiante o homem lha suplicar, é a coragem. Na paciência e na resignação, igualmente encontra ele meios de escapar aos embaraços, pelo auxílio das idéias que os bons Espíritos lhe sugerem, deixando-lhe, porém, o mérito da ação. Deus assiste os que se ajudam a si mesmos, confirmando esta máxima: «Ajuda-te e o céu te ajudará». Não auxilia os que tudo esperam do socorro estranho, sem usar das próprias faculdades, sem nada fazer, preferindo a maior parte das vezes ser socorrido por milagre.

Exemplifiquemos: Um homem se extraviou no deserto. Sofreu horrível sede, sente-se desfalecer, deixa-se cair no chão, e pede a Deus assistência. Espera, mas nenhum anjo lhe vem trazer água. Todavia, um bom Espírito lhe sugere a idéia de se levantar e seguir um dos atalhos que vê diante de si. Por movimento maquinal, reunindo todas as forças, levanta-se e caminha ao acaso. Chegando a uma proeminência, descobre ao longe um regato, e, ao vê-lo, recobra a coragem. Ora, se ele tiver fé, exclamará: «Obrigado, meu Deus, pela idéia que me inspiraste e pela força que me deste». Se não tiver fé, exclamará: «Que boa idéia tive eu! Que fortuna em preferir o atalho da direita ao da esquerda; realmente o acaso nos auxilia muitas vezes! Como me felicito pela minha coragem e por me não haver deixado desanimar!» Mas, perguntarão, por que não lhe disse claramente o bom Espírito: Segue este atalho e ao fim encontrarás o que precisas? Por que não se mostrou para guiá-lo e erguê-lo do abatimento? Por esse modo o convenceria da intervenção providencial.

Tal não se deu, primeiro, para que ele aprendesse ser preciso ao homem auxiliar-se a si mesmo, fazer uso das próprias forças; segundo, para, deixando-o na incerteza, despertar-lhe a fé. Deus põe em prova a confiança nele depositada e a submissão à sua vontade.

Aquele homem se achava na situação de uma criança que cai e, se percebe alguém, grita e espera que esse alguém venha levantá-la. Se, porém, não vê ninguém, faz esforços e ergue-se sozinha.

Se o anjo que acompanhou Tobias lhe houvera dito: «Sou enviado de Deus para te guiar na tua viagem e preservar-te dos perigos», Tobias não teria tido mérito algum. Confiando no companheiro, nem precisaria pensar; por isso, o anjo só se deu a conhecer quando ele regressou.

(do livro "A prece segundo o Evangelho" de Allan Kardec)

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