Amor, Sexo, Linguagem & A Origem dos Mal-Entendidos
Qual o significado do amor?
(Como defini-lo?)
Tenho 3 respostas distintas para essa pergunta e as apresentarei ao longo deste artigo.
1 - Concordo com a divisão dos "quatro amores" que C.S. Lewis estabelece em seu livro homônimo: "Amor" é uma caixa onde colocamos conceitos distintos como companheirismo, amizade, desejo erótico e doação sacrificial. A comparação com uma caixa é minha mas os amores descritos por Lewis no livro de fato correspondem aos citados (embora Lewis os caracterize por seus nomes gregos).
Eu poderia complementar o argumento usando novamente C.S. Lewis em "Os Quatro Amores" pois ele percebe que em toda parte há algum tipo de humor envolvendo o ato sexual e tamanha universalidade não poderia existir se não houvesse também algo de ridículo envolvendo o ato. Não é possível redimir o "Eros sexual" sem que haja algo transcendente ao mero coito.
Uma breve, porém justa, reflexão sobre o tema do "Amor" pode ser feita partindo da música "Love Hurts" da banda Incubus. A letra é maravilhosa e pode te ajudar a ter uma visão interessante a respeito desse tema:
"Esta noite nós brindamos à juventude e nos agarramos firmemente à verdade.
Não quero perder o que tinha quando era garoto.
Meu coração continua a bater, mas o amor é agora uma proeza tão comum quanto um dia frio em Los Angeles.
Às vezes quando estou sozinho, eu imagino:
Será que estou sob um feitiço que me impede de ver a realidade?
O amor machuca, mas às vezes é uma dor boa e me faz sentir vivo.
O amor canta quando transcende as coisas ruins.
Tenha coração e me teste,
Pois sem amor eu não sobreviverei.
Eu estou acorrentado e abusado, nu e acusado.
Será que eu deveria emergir esse submarino pessoal?
Eu só quero a verdade, então, essa noite nós bebemos pela juventude.
Eu nunca irei perder o que eu tinha quando era garoto.
Às vezes quando estou sozinho, eu imagino:
Será que estou sob um feitiço que me impede de ver a realidade?
Amar dói, mas às vezes é uma boa dor e me faz sentir vivo
O amor canta quando transcende as coisas ruins
Tenha piedade e me teste,
Pois sem amor eu não sobreviverei".
Mas basta definir o "Amor" apenas como um sentimento? Toda a definição é um jogo de linguagem, todo jogo de linguagem é uma construção abstrata. A construção abstrata é uma representação da realidade e não a realidade em si.
Seria o "Amor" um sentimento em que sentido? Sentimentos também são ideias, mas nem toda ideia é um sentimento. Sentimentos também são lembranças de como você deve se sentir em relação a algo ou alguém. Embora a lembrança sozinha não possa ser caracterizada como sentimento (a priori) lembranças também costumam vir carregadas de algum tipo de sentimento, especialmente quando nenhum referente externo está invocando as emoções na forma fisiológica.
2 - É necessário investigar com consciência a distinção existente entre "Amor" no sentido transcendental (Ágape = Cáritas = Caridade) e "desejo". Esta é uma das confusões da "modernidade líquida": "amor transcendental" e "desejo sexual" sendo usados como sinônimos quando, na verdade, são duas coisas completamente diferentes.
Hoje as pessoas estão literalmente confundindo "sensação/paixão" com "amor". Amor é, ao mesmo tempo, uma ideia, um comportamento e uma abstração de linguagem.
Animais também tem toda a sintomatologia hormonal descrita por cientificistas ao tentar responder à pergunta do "quê é o amor?" e, no entanto, tecnicamente, não amam (em sentido pleno)... Eu diria que animais sentem companheirismo, desejo, afeição uns pelos outros, mas admitir que eles sintam "amor" no mesmo sentido que os seres humanos me parece um erro de interpretação tal qual o de atribuir "sexualidade/identidade sexual" aos animais, sendo que estes são fenômenos unicamente humanos.
A experiência do todo não é redutível a seus níveis inferiores. O todo é maior que a soma das partes e qualitativamente distinto delas da mesma forma que apenas a fonte do seu computador não é o seu computador, o computador é a soma de suas partes e não é redutível a nenhuma delas, e ainda continuará sendo o seu computador independente de quantas peças você troque dele.
E quanto ao Amor? Seria ele redutível a uma emoção? Não. Emoções são reações químicas instintivas. Já sentimentos são comportamentos com significado emocional baseado em experiências aprendidas. É através desta diferenciação que se define o que é o conceito de "trauma" na Psicologia, inclusive: sem lembrança de como se sentir diante de um gatilho emocional não seria possível que existissem traumas, inclusive o que torna os traumas emocionais num problema é o fato de eles também evocarem emoções fisiológicas além de ideias/sentimentos ruins a respeito de algo que já passou.
Uma resposta cientificista para a pergunta do "que é o amor?" se caracterizaria por definir todas as reações orgânicas envolvidas no processo de funcionamento fisiológico das sensações emocionais. Uma das coisas que caracteriza o cientificismo é justamente responder à pergunta "o que é isso?" com um "como isso funciona".
O cientificismo termina por reduzir o Amor ao "coito". E aqui estamos nós de novo na "modernidade líquida" de Bauman.
Identificar na relação sexual um "sinônimo de amor" só faz sentido após uma série de passos anteriores para tornar o ato sexual algo mais do que uma mera "conjunção carnal". O "tornar-se um" de duas almas em um ato de profunda entrega no ato sexual difere do mero coito na mesma medida em que a emoção fisiológica difere do sentimento (que é algo relacionado a aprendizagem de como lidar com algo ou alguém e a lembrança de como se sentir em relação a isso), portanto, as pessoas literalmente aprendem a amar! Isto é anterior ao ato sexual e é justamente o que o PODE tornar belo enquanto ato.
3 - Não tenho certeza se a Filosofia é a melhor arma ou melhor instrumento para definir "o quê é Amor". No entanto vou concordar com Chitãozinho e Xororó e Zé Ramalho de quê "sinônimo de amor é amar".
E também concordarei com Paulinho Moska em "Não deveria se chamar amor..." de que a "caixa" chamada "amor" é passível de múltiplas definições no espectro da experiência humana.
O AMOR que eu te tenho é um afeto tão novo
Que não deveria se chamar AMOR
De tão irreconhecível, tão desconhecido
Que não deveria se chamar AMOR
Poderia se chamar NUVEM
Pois muda de formato a cada instante
Poderia se chamar TEMPO
Porque parece um filme a que nunca assisti antes
Poderia se chamar LABIRINTO
Pois sinto que não conseguirei escapulir
Poderia se chamar AURORA
Porque vejo um novo dia que está por vir
Poderia se chamar ABISMO
Pois é certo que ele não tem fim
Poderia se chamar HORIZONTE
Que parece linha reta mas sei que não é assim
Poderia se chamar PRIMEIRO BEIJO
Porque não lembro mais do meu passado
Poderia se chamar ÚLTIMO ADEUS
Que meu antigo futuro foi abandonado
Poderia se chamar UNIVERSO
Porque sei que não o conhecerei por inteiro
Poderia se chamar PALAVRA LOUCA
Que na verdade quer dizer: aventureiro
Poderia se chamar SILÊNCIO
Porque minha dor é calada e meu desejo é mudo
E poderia simplesmente não se chamar
Para não significar nada e dar sentido a tudo...
Cada filósofo define as coisas conforme sua capacidade de compreensão, sua experiência e suas limitações de linguagem. O que de fato acontece é que precisamos eleger algum tipo de cosmovisão para podermos conversar sobre esse (ou qualquer outro) tema de maneira que cada palavra tenha o mesmo significado para nós todos.
Tomemos emprestado um exemplo da filosofia de Wittgenstein: Assim como a palavra "jogo" consegue definir (sem definir) ao mesmo tempo um "jogo de cartas", um "jogo de futebol" e um "jogo de videogame", embora nenhum deles tenha quase nada de semelhante entre si, me parece que "amor" é também uma "caixa" para serem depositados outros conceitos dentro.
A confusão de definições no uso de palavras, inclusive dentro dos relacionamentos, é personificada numa "tautologia" na música "Enjoy The Silence", de Depeche Mode, nos dizeres:
"Palavras são como violência, quebram o silêncio...
Chegam colidindo em meu pequeno mundo (...)
Palavras são inúteis e esquecíveis (...)
Aproveite o silêncio."
Reconheço que tem certos dias em que não consigo contra-argumentar com Depeche Mode... E a única resposta que consigo dar é a mesma de Alex Band:
"Você não pode receber aquilo que entrega se não entregar aquilo que recebe...
O que é amor? Sabe como é...
Acho que estamos começando a esquecer..."
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REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001.
LEWIS, Clive Staples. Os Quatro Amores. Tradução de Estevan Kirschner. - 1.ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.
SEGATTO, AI. Wittgenstein e o problema da harmonia entre pensamento e realidade [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2015. ISBN 978-85-68334-62-1. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.