Psicologia
December 7, 2021

Primeiros Princípios da Lógica & Saúde Mental

Você conhece o que é o "princípio da causalidade"?

Você sabe o que é o "princípio da não-contradição"?

Você já ouviu falar do "princípio da identidade?"

Pois é. Supõe-se que quando se vai estudar Psicologia também se estude as regras pelas quais o pensamento funciona, as leis pelas quais ele opera. E o pensamento inclui uma série de outras coisas como percepção, propriocepção, emoção, imaginação, vontade, memória, instintos, entre outros componentes, se bem que estes são os principais, o grosso do que constitui a nossa consciência. Por isso diferenciamos o pensamento humano do pensamento animal (é bom deixar registrado: se o organismo tem sistema nervoso, percepção, reage ao ambiente e consegue planejar, ainda que num curto espaço de tempo, então a consciência/pensamento nele existe).

Muita gente fala, por exemplo, que animais não pensam. Mentira! Eles têm sistema nervoso, reagem ao ambiente, têm percepção e propriocepção, e conseguem planejar ações. Mas, como já disse o filósofo americano Whitehead: "Nossos pensamentos morrem para que não morramos no lugar deles". No caso dos animais, como eles pensam basicamente em termos de "qual movimento fazer pra alcançar meu objetivo" (seja ele comer, se divertir, reproduzir, descansar, etc.) é um pouco mais arriscado: Eles não criam múltiplos cenários mentais, apenas calculam o que vão fazer. Você consegue observar isso com muita facilidade assistindo ao Animal Planet: um animal se esgueira aguardando o momento certo para poder atacar a presa. O processo é sempre parecido, seja um animal da terra, do ar ou da água, não faz muita diferença: ficam de tocaia, observando, selecionam o que vão fazer, quem irão atacar, até o momento em que se decidem e partem em direção ao alvo.

Pra quem mora na cidade grande, talvez, o exemplo mais legal para dar seja o dos gatos. Ao observar um gato logo antes dele tentar pular um muro alto vemos os bichanos olhando pra cima durante um bom tempo, calculando, até que, num piscar de olhos, dão um pulo maravilhoso e conseguem chegar num local de difícil acesso!

Mas, voltemos a falar do ser humano. Nosso pensamento se diferencia por ser ora consciente ora inconsciente. Enquanto que o inconsciente para a Psicanálise é praticamente uma "entidade espiritual" que te habita e, de dentro, domina tudo aquilo que você fará com base em experiências passadas, na Psicologia Comportamental Cognitiva o inconsciente é uma série de "aplicativos" que estão na sua cabeça, ora "na tela", ora "minimizados". De todo modo, alguma coisa inicia o processo. Pode ser um "esquema" de alguma ideia, de algum de plano de ação pra alguma coisa, obsessões, compulsões, etc.

Às vezes você vai ouvir a palavra "inconsciente" da boca de um psicólogo e vai ter um significado diferente do que vai ouvir da boca de outro psicólogo. Cuidado com isso.

Uma das poucas áreas que realmente se esforça para tornar a linguagem mais clara para as pessoas entenderem o que se está dizendo é a Filosofia, partindo do princípio de que você precisa conhecer a linguagem do autor pra saber o que ele quer dizer. Quando um autor na Psicologia escolhe um termo, da mesma forma, ele terá suas peculiaridades mas, no grosso, as pessoas não sabem que existem essas diferenças. Na Filosofia a gente sabe disso por obrigação: quando um autor escolhe um termo ele está definindo o significado daquele termo até torná-lo adequado àquela construção de ideias que ele vai apresentar de maneira a evitar que as pessoas subvertam e transformem o que ele está dizendo em uma bobagem, num espantalho ou numa coisa completamente diferente do que ele quis dizer. Isso é de praxe na Filosofia e também na Literatura, embora seja algo ignorado por boa parte das outras áreas do saber.

O mais engraçado de tudo é que existem regras de pensamento que não são estudadas na Psicologia mas sim na Filosofia. São essas que citei logo a princípio: os primeiros princípios, princípios lógicos sem os quais o pensamento se tornaria impossível.

Princípio da causalidade significa que "tudo aquilo que passa a existir necessita obrigatoriamente de uma causa". As coisas não acontecem do nada, as coisas remetem a uma origem, algo provoca a ação nas coisas. Outra forma de descrever este mesmo princípio é dizer que "inexistência não é existência". Lembra Parmênides: "O ser é, o não ser não é. Verdade é o que existe e mentira é aquilo que não existe, por isso chamamos um dado mentiroso de "falso". O "princípio da causalidade" determina que aquilo que passa a existir tem uma causa. E aquilo que passa a existir, existe. Este é o primeiro ponto.

O segundo ponto é o "princípio da não-contradição" que basicamente diz que "duas informações mutuamente contrárias, opostas e excludentes (ou seja, contraditórias) não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Isso também é chamado de "lei do terceiro excluído". A água não pode pegar fogo naturalmente. O fogo não pode ficar aceso se eu jogar um balde d'água em cima dele. Existem coisas que não podem existir no mesmo lugar ao mesmo tempo. Isto também vale pra ideias: eu não posso, por exemplo, ser de direita e de esquerda ao mesmo tempo porque os princípios adotados tanto na questão política quanto na questão moral são mutuamente opostos: não dá pra ser as duas coisas ao mesmo tempo. Não dá pra misturar algumas ideias com outras pelo simples fato delas serem contraditórias. Quer exemplos? Eu não posso ser contra, por exemplo, a venda de drogas e ser a favor do tráfico; não posso amar bebês e ser a favor do aborto; não posso amar os negros e ser a favor da escravidão.

De onde vem a "revelação", vamos dizer, assim, de que essas coisas não podem coexistir ao mesmo tempo, lugar e no mesmo sentido? Do "princípio da não-contradição". Inclusive, Luiz Felipe Pondé, bate muito nessa tecla de que não dá pra todos os grupos sociais viverem em paz e harmonia um ao lado do outro quando suas ideias são diametralmente opostas. E se você tentar fazer com que pessoas com ideias diametralmente opostas convivam entre si esse contraditório nunca vai se resolver e essas pessoas nunca vão viver em paz. Existe sim uma necessidade de a gente ter uma distância de segurança de alguns grupo e pessoas que não nos fazem bem, que são tóxicas para nós; todavia, talvez não sejam tóxicas para outros... Mas de onde veio esse insight? Do "princípio da não-contradição"! Da "lei do terceiro excluído"!

Outra regra lógica que permite ao pensamento funcionar é o chamado "princípio da identidade": uma coisa só é igual a ela mesma e nada mais. Como na Física: dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Nós pensamos através de comparações e comparações só são possíveis a partir do princípio da identidade. Isso é justo. Não é justo você comparar uma pessoa com outra porque uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Você só pode comparar uma pessoa a como ela mesma era no passado. Que que é isso? Princípio da identidade.

Tem outros primeiros princípios, mas estes são os três princípios lógicos essenciais sem os quais não é possível pensar. Entendo que algumas pessoas loucas e algumas filosofias (igualmente loucas e pouco saudáveis) operam suprimindo ou distorcendo os primeiros princípios. Isto é um fato. Não dá pra viver lúcido e mentalmente são seguindo Kafka, Nietzsche, Cioran, Schopenhauer nem mesmo Sartre (pra citar alguns exemplos). E não é que estes pensadores não tenham produzido coisas boas, mas são "peixes espinhosos" se você parar para pensar. As pessoas ficam embasbacadas com a retórica e com a boa fala desses pensadores e esquecem que existem princípios lógicos que regem não apenas a estruturação do pensamento mas a nossa capacidade de ter ou não saúde mental. A negação do princípio da existência presente, por exemplo, na obra de Emil Cioran, acaba por torná-lo um niilista antinatalista ignorando completamente o fato lógico que não existe vantagem nenhuma na inexistência; portanto, qualquer vida é melhor que nenhuma! A vida não é feita só de pura dor e desespero constantes, do contrário nenhum de nós estaria aqui.

Meu objetivo é informar a você que é psicólogo, paciente de psicólogo ou apreciador (acadêmico ou não) de Literatura e Filosofia do tamanho do problema de não enxergar a lógica como um instrumento de saúde mental para tentar corrigir linhas patológicas de pensamento.

Existem formas de se corrigir o pensamento de uma pessoa ensinando-a monitorar e discutir seus pensamentos com lógica pois mesmo os pensamentos emocionais obedecem a princípios lógicos e a patologia surge quando algo suprime algum desses princípios (temporariamente) fazendo com que um "bug" se realize e a pessoa funcione mal não conseguindo interpretar as coisas como convém.

Antes de ser um mal na Psicologia, o Emotivismo já era um mal na Filosofia e na Literatura. Basear o curso de suas ações apenas nas reações emocionais e na percepção do indivíduo equivale a fazer a pessoa interpretar o mundo olhando apenas para o próprio umbigo. É por isso que tanta gente que vai ao psicólogo muitas vezes tem pouca evolução ou desiste e não volta mais. Como é que você se propõe a corrigir os pensamentos da pessoa sem corrigir seus "bugs de sistema" e "atualizar o aplicativo" que ela tem na cabeça? Sendo empático e fazendo acolhimento sem apontar as incoerências e a escrotidão da própria pessoa? Se for assim, lamento informar mas não vai dar certo.

O que vai funcionar realmente com o paciente não é apenas o acolhimento, mas a atualização desses esquemas dissociativos, correção das ideias mal formuladas e dos "bugs" de pensamentos que não obedecem aos princípios mais básicos da lógica. Se algumas pessoas são mais tentadas ou propensas para um tipo de "bug" do que outros isso pode ser explicado por diferenças biológicas, assim como alguns kernels/sistemas operacionais funcionam melhor ou pior a depender da máquina onde estão instalados.

Talvez algo que ajude você a entender o que eu estou explicando é ler, por exemplo, uma ficção muito adequada para entender esta realidade por analogia: O livro "Eu, Robô", de Isaac Azimov. Físico e escritor de ficção científica lá do início do século vinte, Azimov escreveu livros clássicos da ficção científica. Falando particularmente de "Eu, Robô", o enredo te permitirá imergir num universo onde robôs funcionam num grau tão grande de sofisticação que se parecem com as pessoas tanto em pensamento quanto até fisicamente (alguns). O principal ponto que eu gostaria de destacar são as três leis da robótica sobre as quais se desenha a mente dessas inteligências artificiais pois, de certo modo, as "3 leis da robótica" de Azimov são análogas aos 3 primeiros princípios aqui destacados e, de igual modo, sem eles não poderíamos formular nossos pensamentos:

*Princípio da causalidade = Tudo aquilo que passa a existir demanda uma causa;
*Princípio da não-contradição ou "lei do terceiro excluído" = Informações contraditórias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e no mesmo sentido;
*Princípio da identidade = Cada coisa só é igual a si mesma, única e exclusivamente.
1 – Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal (Princípio da Identidade) .
2 – Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei (Princípio da Não-contradição/Lei do Terceiro Excluído).
3 – Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Leis (Princípio da Existência).

Olhando para a música popular, também seria possível uma analogia similar entre o cérebro e um sistema operacional partindo da letra de "Admirável Chip Novo", da Pitty:

"Admirável Chip Novo", de 2003.

Ideias têm consequências porque geram sentimentos e ações. Se forem ruins ou falsas não te levarão para uma boa direção, independentemente do quão prestigiado seja o autor. Espero ter esclarecido algumas coisas e trazido alguns insights interessantes por aqui.

Estudem lógica!

Texto original: https://t.me/+hA3KiMbX_oQ0OWEx

REFERÊNCIAS:

AZIMOV, Isaac. Eu, Robô. Tradução Jorge Luiz Calife. Pocket Ouro, 2004.

CIORAN, E. M. O Livro das Ilusões. Tradução José Thomaz Brum - 1. ed - Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2014.

PONDÉ, Luiz Felipe. Guia Politicamente Incorreto da Filosofia. São Paulo: Leya, 2012.

PRIMEIROS PRINCÍPIOS. In: GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética: respostas aos críticos da fé cristã. Tradução: Lailah de Noronha - São Paulo: Editora Vida, 2002. Editora Vida.