Paternidade, Formação da Personalidade & Legado
Trecho da palestra "ACOMPANHAMENTO DA VIDA ESCOLAR", de 22/05/2024.
-Alto índice de práticas parentais negativas manifestadas na forma de negligência parental e violência familiar.
-Melhoria no repertório de habilidades sociais educativas parentais.
"Todos os problemas da humanidade derivam da incapacidade do homem de se sentar em silêncio numa sala sozinho".
A matéria que você acessou trata do texto-base da palestra "Paternidade, Formação da Personalidade & Legado", realizada pelo psicólogo Jean Paolo Martins de Oliveira, CRP-03/9178, na Escola Municipal Castro Alves, de Ibipitanga-BA, em 22/05/2024.
Permitam-me uma breve apresentação: Me chamo "Jean de Oliveira", trabalho como psicólogo desde 2012, atualmente atuando com saúde pública, atendimentos particulares (presenciais e online) e presto suporte ao Conselho Tutelar de meu atual município na parte de avaliação psicológica. Também tenho experiência com Psicologia Escolar, Social e Clínica.
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De 2022 pra cá, tenho percebido em meu município uma redução de ocorrências criminosas atingindo crianças e adolescentes, o que é bom, mas, ao mesmo tempo, vem havendo um aumento alarmante de queixas, tanto nas UBS quanto no Conselho Tutelar, a respeito de "negligências" com o desenvolvimento das crianças e adolescentes em diversos níveis, crianças e adolescentes absolutamente desequilibrados emocionalmente e um crescente número de traições, divórcios e irresponsabilidade parental a uma proporção muito fora do aceitável.
A impressão que tenho é que, da parte dos pais, crescem a falta de noção de perigo bem como o "senso de sacrifício" na criação de filhos, além da evasão de responsabilidade dos filhos, não mais vistos pelos pais como "legado de si" e continuidade de sua própria história.
Trabalhando no ramo em que estou e, eventualmente, fazendo visitas domiciliares, a situação comum com a qual me deparo é muitas vezes de alvoroço, mágoa, gritaria e mútuas acusações tentado definir o que a outra pessoa é (mas nunca a si mesmo). Entendo que adultos discutem pela diferença de espécie dos problemas que enfrentamos, mas crianças e adolescentes frequentemente não tem ainda estrutura mental pra separar a mentira da verdade, principalmente quando dita por alguém de forte influência emocional sobre elas. Mentimos, acusamos, sentenciamos crianças ainda antes que elas tenham a mínima condição de defender a si mesmas. Na escola, não é muito diferente. Na verdade, às vezes, a escola, massificadora de identidades, acaba tendo um efeito tão ruim quanto ter uma família desestruturada. Quem diabos achou que seria uma boa ideia juntar, num mesmo espaço, toda a juventude com sua tolice, violência e falta de domínio próprio esperando que meras palavras seriam o bastante para torná-los "humanos" no sentido pleno do termo?
Eu tenho lido muito sobre Pascal e Wittgenstein e me pergunto se existem "problemas reais" ou se todos os problemas derivam da linguagem (especialmente seu mau uso para marcar e definir o que na verdade é vazio: o ego de cada um) e é por isso que, inicialmente, escolhi trabalhar não ainda o diálogo na forma de comunicação "não-violenta", mas a capacidade de "cultivar o silêncio".
Era comum entre os monges, tanto cristãos quanto budistas, em situações específicas, fazerem "voto de silêncio" seja como uma forma de guardar um segredo, pagar penitência por pecados ou, simplesmente exercitar a percepção do vazio de si mesmo em busca de auto-controle. O motivo desse tipo de voto ser comum em religiões com práticas meditativas silenciosas (sejam elas a oração cristã ou a meditação zazen) era a cultivar o silêncio daquilo que não é necessário dizer ou daquilo que é impossível de ser dito em palavras. Algo do tipo "se não tem nada de bom pra dizer, ao menos fique em silêncio até aprender a falar com sabedoria".
Words like violence, break the silence
Come crashing in into my little world
Painful to me, pierce right through me
Can't you understand, oh, my little girl
All I ever wanted
All I ever needed
Is here, in my arms
Words are very, unnecessary
They can only do harm
Vows are spoken to be broken
Feelings are intense, words are trivial
Pleasures remain, so does the pain
Words are meaningless and forgettable
All I ever wanted
All I ever needed
Is here, in my arms
Words are very, unnecessary
They can only do harm
Enjoy the silence
Existem muitas causas possíveis para as negligências familiares; não pretendo falar de todas, apenas destacar um breve recorte:
1) Uma das causas mais comum das negligências familiares com os filhos é resultado direto de PAIS QUE NÃO SE MOLDARAM ENQUANTO PESSOAS e receberam a responsabilidade de guiar novas vidas pela estrada da existência, através de seus filhos. A falta de preparo não escolhe idade ou situação financeira, mas a insistência na falta de preparo é irresponsabilidade da mais grosseira.
Minha mãe, enquanto professora, não achou ter todas as respostas para a criação de filhos, mas foi buscar bons exemplos em muita leitura para saber conduzir seus filhos e, apesar de não sermos uma "família de comercial de margarina" criou a mim e a meus irmãos para agir diante do mundo com responsabilidade, cada qual conforme sua vocação. Mesmo os nossos nomes, meu e de meus irmãos, foram escolhidos com base em seus significados. E, embora minha mãe até hoje não faça ideia do que são "as 7 artes liberais", eu digo sem sombra de dúvida, que muito de educação que eu recebi na minha formação como pessoa veio dali: gramática, retórica e lógica (trivium) + aritmética, geometria, música e astronomia (quadrivium).
Geralmente, com poucas exceções, se você quiser saber que tipo de pessoa alguém é, basta olhar para como estão seus filhos.
Hans Rookmaaker dizia que "o que nós chamamos de arte era a beleza natural que era esperada de coisas feitas pelo homem"; e mesmo sabendo que ele estava falando sobre arte me parece que o mesmo princípio vale para a criação de filhos. A impressão que tenho é que está havendo um abandono do trabalho e da missão de ser "Pai" e "Mãe".
...A gente se esquece que vai morrer e que a maioria de nós vai ser esquecido em pouco tempo (como se nunca tivesse pisado sobre a Terra) e nem se dá ao trabalho de criar boas lembranças de nós em nossos filhos.
"Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma."
Eu não havia percebido seriamente como minha vida era essencialmente diferente da de outras pessoas até eu mesmo me tornar pai; e não é porque sou psicólogo e nem porque me abstive a vida toda de festas, bebida e de estar todo o tempo cercado de pessoas: hoje, com tempo curto para fazer mesmo o texto de uma palestra como esta, trabalhando muitas vezes em horários aleatórios para sustentar minha família e cuidando de uma bebê de um ano e meio, percebo o quanto as pessoas vêem no trabalho e no dinheiro o centro de suas vidas. A decorrência natural disto é o torpor, a falta de autocontrole, a língua venenosa, o descaso com os relacionamentos mais básicos e a poluição da mente ao invés de seu desenvolvimento. E isso não é apenas "alienação pelo trabalho", mas também é uma forma de negação de que "a vida não se resume ao conceito de propriedade" (mesmo porque sua única propriedade real é sua própria morte). A falta de cuidado e a falsa alegação de "falta de tempo" (porque ela é sempre falsa) revela que o deus da maioria, independente da religião, ainda é Mamom.
"Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom."
O TRABALHO para o sustento não pode e NÃO DEVE SER O CENTRO nem da vida familiar, nem das relações nem da vida humana; MAS UM MEIO de cooperação e enriquecimento das relações entre as pessoas e o ambiente, dentro e fora de casa (dentro e fora das instituições).
"Frequentemente, nos satisfazemos muito cedo, muito facilmente. Nós pegamos o que o mundo faz, mudamos algumas coisas óbvias, e então pensamos que conseguimos."
Rookmaaker em "A Arte Não Precisa de Justificativas".
"E, se não faltasse tempo; não faltaria espaço, não acabava o amor".
2) A segunda parte do problema da negligência familiar, no entanto, não tem a ver diretamente com os pais, mas com a cultura numa literal substituição da família pela escola agindo de modo análogo a como as relações de mercado têm se sobreposto à qualidade na produção da arte a que somos expostos em nosso entorno (e mesmo a informação que consumimos). A "criação artesanal de filhos" foi substituída pela "linha de montagem escolar" sob a porca tutela de quaisquer governos e o lazer da comunhão humana foi substituído por altar onde estão as telas...
Assim como no problema da arte, não creio nunca solução fácil, nem muito menos que haja alguma solução rápida... Ainda assim, creio que o conselho do autor é válido também aqui: Chore, Ore, Pense e Trabalhe.
Por incrível que pareça, a conclusão de outro livro sobre arte, mais especificamente "Música, Inteligência e Personalidade", do médico franco-vietnamita Minh Dung Nghiem, tem uma lista de fortes argumentos de onde estariam esses "elos fracos" no cotidiano da educação infanto-juvenil. Seguem algumas citações do livro:
"Não é pela cultura do show-biz (esportes-espetáculo, músicas e danças afro, grafite etc.) que se integra um homem na sociedade, mas pela instrução (que o torna útil) e sobretudo pela educação (que torna sua sensibilidade igual a de seus semelhantes e evita a agressividade...)". p 173
"(...) a mentalidade selvagem ressurge malgrado a escolarização obrigatória e a proliferação de educadores. É verdade que se aprende cada vez menos na escola, a qual se tornou uma creche: sob a influência das ciências humanas, tenta-se aprender a se divertir, a "despertar a curiosidade". Isso nos dá a impressão de que a juventude se tornou um longo período de descarga emocional, culminando no desemprego por analfabetismo e outras enfermidades mentais forjadas pela escola e pela televisão. Não se busca mais instruir nem educar a juventude, mas tão-somente ocupá-la para "evitar que ela faça besteiras" (sic), como roubar nos supermercados, se drogar ou incendiar carros! p 176
"Ela se caracteriza pela preguiça, a irresponsabilidade parental ("vagabundagem sexual", abandono de mulheres e crianças), o tam-tam e as drogas. É o perfeito inverso da moral das velhas civilizações (...)." p 177 "(...) os financistas buscaram estender o mercado musical, sacrificando deliberadamente a cultura nacional e rebaixando os gostos". p 181
"De esquerda ou de direita, liberal, marxista consciente ou marxista por imersão, doravante todos terão uma só religião, a da rentabilidade econômica, dos números. Como a cultura foi desvalorizada pela escola gratuita e obrigatória, a opção por uma civilização de consumo de massa, à moda americana, não apresenta mais nenhum problema às consciências." p 183
"O domínio do lobo direito, que é o que nos interessa, cobre a sensibilidade, o sonho e a imaginação. Portanto, ele é particularmente importante. Mas ele foi completamente negligenciado há pelo menos duas gerações, desde que os intelectuais franceses se tornaram materialistas pelo marxismo, logo, obcecados por economia, dinheiro e contabilidade, aliando-se assim aos Estados Unidos da América, bizarramente pelo caminho do anticapitalismo e do comunismo. É o caso de dizer que os extremos se unem e se confundem. É sem dúvida por essa questão que existem muitos mais americanômanos na esquerda materialista do que na direita mais apegada à cultura." p 187
"Mesmo em nossas civilizações ditas avançadas, o problema segue sendo civilizar cada indivíduo: damo-nos conta (...) que a civilização é frágil. Basta não fazer o esforço de transmiti-la, de educar as crianças, para que a selvageria se instaure, em cada esquina e diante de nossas portas, quando não atrás delas. A civilização tem um preço. É preciso pagá-lo a cada geração. O esforço de educar deve ser permanente e contínuo." p 194
3) A terceira, e mais GRAVE parte do problema me parece se resumir em uma só palavra: ANGÚSTIA.
No livro "O Conceito de Angústia", o filósofo dinamarquês Kierkegaard nos fala de 2 tipos distintos de angústia:
- A angústia existencial, hoje, erroneamente diagnosticada como "ansiedade", que é a angústia natural perante a dúvida, o futuro, e até mesmo, diante do mal.
- A angústia enquanto "mal estar perante do bem", que Kierkegaard corresponde ao que as religiões frequemente chamam de "demoníaco".
Recentemente, comentei num grupo de Filosofia que faço parte no Telegram uma foto escolar em que temos, numa mesma turma, de um lado, o maior filósofo da linguagem do século XX e, do outro lado, o flagelo homicida causador da segunda guerra mundial: Adolf Hitler.
O demoníaco pode ser uma explicação psicológica válida se o entendermos nos termos de um tipo maligno e peculiar de angústia como proposto por Kierkegaard.
"Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que põem as trevas por luz, e a luz por trevas, e o amargo por doce, e o doce por amargo!"
Confundir as categorias de angústia com "diagnósticos psicológicos" (narcisismo, psicopatia, ansiedade generalizada, etc) inclusive me parece um erro grosseiro da Psicologia do século XX.
O que acredito que pais e mães, juntos ou separados, têm feito ao abandonar nas mãos de agentes externos a criação de seus filhos é "flertar com o demoníaco": afinal, de onde tiraram tamanha angústia e perturbação diante da simples tarefa de "amar os próprios filhos"?
CONCLUSÃO - UMA SOLUÇÃO PARCIAL...
Parafraseando Chesterton, "não sou eu quem vai resolver todas as contradições da realidade", mas se o leitor me permitir sugerir algumas ideias de como mudar gradativamente a direção que estamos tomando... É necessário:
* Voltar ao cultivo do silêncio como ferramenta de contemplação e auto-conhecimento (inclusive pela oração e meditação, cf. "Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará." Mateus 6:6);
* Retornar às artes liberais também me parece necessário como método de voltar a atenção de pais e professores para um vocábulo hoje esquecido no processo de formar nossos filhos: a "vocação" - o chamado divino que nos trouxe à realidade para nela encontrarmos nosso lugar no esquema total das coisas.
Como este trabalho foi construído a partir de uma gradação, me parece fundamental que nós, adultos, aprendamos a pacificar a mente (cultivo do silêncio), alimentá-la de bom conteúdo (as 7 artes liberais) para, assim como Pascal, tendo ciência de que o ego é vazio, preencher nossos pensamentos com o aprendizado de coisas de real valor:
"Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai."
Filipenses 4:8
Não poderemos entender nosso papel dentro do todo da realidade por dinheiro ou por mérito, (talvez nem mesmo por felicidade), mas apenas porque "é dever de todo ser humano se tornar aquilo que ele é". Apenas peço a Deus que nossa descoberta não seja a mesma de Walter White¹, de que somos os vilões de nossa própria história...
REFERÊNCIAS:
¹GILLIGAN, Vince. Breaking Bad. [S.l.]: Sony Pictures Television, 2008-2013. Série de televisão.
Vídeo extra para quem não entendeu a referência no final do texto:
KIERKEGAARD, Søren. O conceito de angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário / Søren Aabye Kierkegaard; tradução de Álvaro Luiz Montenegro Valls. – Petrópolis, RJ: Vozes ; 2017 . (Vozes de Bolso).
NGHIEM, Minh Dung. Música, Inteligência e Personalidade. 1. ed. São Paulo: Vide Editorial, 2009.
PASCAL, Blaise. Pensamentos ( 1669 ). Tradução Maria Ermantina Galvão. Editora Martin Claret, 2000 .
ROOKMAAKER, Hans R. A Arte NÃO precisa de justificativas. Tradução Livre. São Paulo: Mundo Cristão, 2016 .
SEGATTO, AI. Wittgenstein e o problema da harmonia entre pensamento e realidade [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2015 . ISBN 978-85-68334-62-1 . Disponível em:<http://books.scielo.org/id/cmwvx>. Acesso em: 21 mai. 2024.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico. Tradução de Luís Valentim. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.