José Alcides Pinto
February 15, 2021

José Alcides Pinto: Um escritor de obra caleidoscópica

Por Ana Oliveira


José Alcides Pinto (1923* – 2008†) foi um dos escritores mais prolíficos e importantes da literatura cearense, tendo estreado em 1950 na poesia com a Antologia dos poetas da nova geração. Sua inventividade literária também produziu romances, ensaios, crítica literária, novela, teatro, romance/manifesto e miscelâneas. Figura entre os poucos que se dedicaram integralmente ao oficio da escritura, como bem ressalta Nelly Novaes Coelho, JAP é o “escritor que está entre os raros que tiveram a ousadia (ou a loucura) de assumirem a literatura como destino, como vocação no seu sentido mais profundo [...]” (2001, p.7). O próprio autor afirma em entrevistas que não se tornou um escritor, pois já nasceu um. Nascido na aldeia de São Francisco do Estreito (atualmente chamado de Parapuí), distrito de Santana do Acaraú no Ceará, passou a infância naquelas terras vivendo e guardando as memórias que se transformariam em literatura. Toda a obra de José Alcides Pinto constrói as imagens de um Ceará experimentado pela criança imaginativa e encantada pela sua terra. Em entrevista concedida a Carlos Augusto Viana, José Alcides declara: “A ribeira do Acaraú, eu considero uma região mágica. Como eu tive muita vivência ali, e a infância é tudo para um homem, principalmente para um escritor, de lá trouxe todos esses elementos.” (MARTINS, 1996, p. 338, grifo nosso). O escritor transforma as suas primeiras experiências no mundo em material criativo para sua escrita, representa o “tudo” do homem e do escritor que se refugia em suas memórias.

É necessário dizer, no entanto, que todos esses elementos não fazem do texto alcidiano algo infantilizado, mas: Uma recriação do ficcionista adulto sobre os fragmentos do real distante, que sobrevivem na memória enriquecidos pela imaginação literária e organizados em um enredo, mediante a palavra que lhes dá corpo, organicidade, vida. Não a vida real vivida, mas uma nova vida, pensada, interpretada, rearranjada e graças a essa organicidade ficcional, plena de significados. (JACOBY, 1999, p. 71). A intensa valorização que Alcides Pinto faz de sua região permite que alguns críticos enquadrem o escritor como pertencente à estética regionalista, mas não podemos considerar como característica única da sua literatura, porque a escrita alcidiana extrapola o dito “regional”. O próprio autor não aponta essa característica em suas obras, e chega a afirmar em entrevista ao jornal O Povo (1982) que suas obras da Trilogia da Maldição são de tipo regional, mas um regional “transfigurado”. Márcio Catunda no artigo “José Alcides Pinto: Demônio iluminado”, componente do primeiro volume do livro Na Trilha dos Eleitos, comenta o regionalismo alcidiano da seguinte forma: Quanto à influência da cultura regional em sua literatura, Alcides declara que a fidelidade às raízes e à paisagem cearense é a referência pela qual exprime a universalidade em sua obra. A fauna, a flora e a paisagem cearense estão presentes de forma marcante em sua poesia e em sua ficção. A infância é o fator preponderante na formação do individuo. Em qualquer país, época ou regime social, a infância é a matéria prima de qualquer escritor. (CATUNDA, 1999, p. 62-63). A transfiguração do regionalismo alcidiano acontece porque o autor transforma os limites dessa característica territorial em algo plural e amplo, ou seja, ele parte do particular para aspirar ao universal. Dessa forma, o microcosmo alcidiano funciona como um espelho que reflete a imagem de qualquer outra comunidade, buscando ir além da problemática do espaço. José Alcides Pinto não pretende realizar uma obra literária que esgote seu arsenal interpretativo, analisada unicamente dentro do tema do regionalismo. A sua obra é múltipla, aponta para várias direções, a sua escrita traz marcas de muitas estéticas (regionalista, naturalista, realista, simbolista, surrealista, etc) sem se fixar em nenhuma, sua obra é sempre vanguardista e experimentalista. O autor cearense procurou construir uma obra de diversas camadas, todas elas importantes para a discussão literária e para a sociedade em que se inseriu. Por esse motivo, afirmamos que sua obra é caleidoscópica, uma vez que as combinações de sua escrita fornecem um número diverso de imagens e temáticas em cada obra que produziu. A obra de José Alcides Pinto traz “a palavra pensada e medida, o sopro novo da inventividade, a autenticidade que acompanha as nascentes da sua escritura, entre outros atributos [...]” (MACEDO, 2001, p. 48). Em outras palavras, Alcides Pinto tem aquilo que Edgar Allan Poe chamou de “singular”, para ele ser singular é a mesma coisa que ser original “[...] e não existe virtude literária superior à originalidade.” (1987, p. 173). Os mais de 60 títulos produzidos da mais pura originalidade literária, durante 58 anos de intensa produção, reúnem diversos temas, habitantes do mesmo universo ficcional. Para José Lemos Monteiro (1979) a obra de JAP contém as mesmas matizes temáticas, pois resulta “[...] do jogo de três motivos implicantes: o sexo, a loucura e a morte” (p.8). Essa insistência temática lhe rendeu a alcunha de “o poeta maldito” e cada um desses temas atrelados à ideia de sagrado e profano compõem a face da literatura alcidiana. De 1950 a 2008: as cinco décadas de literatura alcidiana.

Em 1950, década em que estreia como escritor profissional, José Alcides publica seis livros. O primeiro, como organizador, foi a Antologia dos poetas da nova geração (1950). Participou ainda de mais uma antologia: A moderna poesia brasileira em 1951, como organizador e colaborador, apresentando alguns de seus poemas. Somente com o livro Noções de poesia e arte, estreia sozinho à frente de seu projeto literário em 1952, e já registra a força da sua inventividade nesse primeiro livro, trazendo alguns temas que permaneceriam até seus últimos escritos: a alucinação, o amor pela arte e o sentimento de morte. Sobre essa estreia diz Sergio Milliet, ensaísta e crítico literário: “O sr. Alcides Pinto, que publica uma pequena coletânea de poemas sob o título de Noções de Poesia e Arte, é certamente um poeta autêntico.” (Apud., BRASIL, 1996, p. 138).

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http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/MacREN/article/view/2208