February 20, 2021

Manisfesto Traído: romance ou memória de José Alcides Pinto?

Por Ana Tamires Oliveira

Detalhe: Recorte da edição lançada em 1998, pela Editora Forgrel. Capa de Maurício Silva.
"Manisfesto Traído é um desses livros que o leitor guardará por longo tempo na memória, dele extraindo lições sóbrias e experiências longamente vividas para os instantes amargos da existência" (Dimas Macedo no prefácio de O Manifesto Traído, pag. 10).

"Militante" é apresentando ao leitor como o personagem principal do romance e o narrador se empenha em mostrar os infortúnios ocorridos em certo momento da vida do personagem. A primeira parte do romance intitulada "Prisão" é ambientada no contexto de censura da ditadura militar sobre os integrantes de partidos de esquerda, escritores e jornalistas. O "Militante" além de companheiro de luta no partido é, também, jornalista. A "Prisão" narra os maus momentos e angústias da detenção do personagem.

"Memórias" é o título da segunda parte do romance e o leitor acompanha um fluxo mental do "Militante" imerso em suas lembranças. Neste momento as amarguras existenciais se acentuam dentro do texto, de forma a impacientar e angustiar o leitor, transferindo a mesma confusão mental do texto para o leitor. Aos poucos o texto caminha para a inquietação total e o narrador se cala para dar voz apenas ao "Militante" e o texto passa a ter interferências em primeira pessoa. O clima de inquietação perdura e se multiplica na parte "Noite de Quarto" que acentua o tom trágico ao ilustrar a morte e o sentimento de luto e "Minhas Misérias" que retrata essencialmente o curso da vida do "Militante" com suas mazelas diárias.

Trecho retirado da terceira parte do romance. (PINTO, José Alcides. Manifesto Traído, 2° edição, Forgrel - Fortaleza, 1998, p. 64)

Manifesto Traído é um livro construído sobre o terreno da dúvida, pois José Alcides Pinto se confunde com a figura do narrador durante todo o livro. Há quem afirme que se trata de um livro de memórias, uma espécie de autobiografia, outros defendem a ideia de ser apenas ficção, um verdadeiro romance.

Os leitores que são familiarizados com a escrita de José Alcides Pinto não se assustam em notar a presença de alguns personagens que são constantes em toda a obra do autor: Antônio José Nunes, Chico das Chagas Frota, João Pinto de Maria. Mas desta vez, os personagens fazem parte da memória familiar do "Militante", personagem principal de Manifesto Traído. Outros fatos, reconhecidamente pertencentes à biografia pessoal do autor são postos como sendo do "Militante".

No entanto, a escritura de José Alcides Pinto envolve os fios da memória na tecitura do texto. À partir de então, a matéria das memórias do autor se transmutam em artefatos literários e descartam a única interpretação pelo viés da realidade biográfica.

Autora: Ana Tamires Oliveira (Pesquisadora da obra de José Alcides Pinto e Mestra em Literatura da UFC).
Trecho do romance. (PINTO, José Alcides. Manifesto Traído, 2° edição, Forgrel - Fortaleza, 1998, p. 10)