Fumaça & Cinzas
May 14, 2022

BÔNUS: ESPECIAL DE ANO NOVO

Lexa

– Isso é uma ideia ridícula.

Amora comentou irritada.

– Por Deus Amora, cale a boca e ande longo.

Retruquei, não era hora de ser covarde.

– Deveríamos estar na academia tentando descobrir o que aconteceu.

Acrescentou.

– Cinco dias já se passaram e não fazemos à menor ideia do que ou quem era a garota que nos salvou, por isso estamos aqui.

– Para comprar roupas novas para o ano novo?

– Também.

Respondi sorrindo, o que irritou Amora ainda mais.

Após nosso incidente no baile tudo ficou completamente maluco. Tivemos que manter as aparências durante todo o restante da noite, e também no dia seguinte já que passamos a manhã de natal com nossos parentes em um brunch.

Math tentou ler a mente de Tate para saber se ele se lembrava ou não do que tinha acontecido. Porém, ele não sabia de nada. E isso explicava as coisas estranhas que Tate tinha sido pego fazendo ou falando. Mas aparentemente agora ele não fazia à menor ideia da existência dessas lembranças.

Passamos os últimos dias nos perguntando quem era a garota misteriosa, se ela era uma projeção astral ou outro espírito. Mas nenhuma das duas opções parecia viável, pois o que ela tinha feito requeria magia demais. Principalmente fazendo tudo aquilo sem que nenhum dos professores mestres em bruxaria tenha percebido absolutamente nada.

– Agora faça. Por favor.

Pedi.

– Por que...

– Caso tenha esquecido eu não faço magia sozinha. Não desse tipo.

Amora me encarou e depois levou seu olhar até a tranca da pequena lojinha intitulada Voodoo L'Amour. As trancas se abriram em um estalo – quinze pelos sons que consegui contar – então levei meu olhar de interrogação a Amora.

– Não sabia que podia lançar feitiços mentalmente.

Comentei.

– Tenho múltiplos talentos garota, não só ser o radar paranormal de vocês.

Retrucou.

– Certo, mas para essa amizade funcionar você precisa deixar um pouco dessa atitude de lado, mocinha.

– Cala boca.

Acrescentou entrando na loja antes que alguém nos percebesse do lado de fora.

Amora tinha ficado bastante sentida em relação a sua herança feérica ter voltado a lhe causar problemas, porém quando Joshua a disse que ela precisava pedir ajuda a professora Santiago antes que isso a matasse de vez ela resolveu aceitar.

"– ...como eu fui capaz de ouvir eles também?

Amora perguntou assim que despistamos todos no baile, dessa vez de forma discreta.

– Tate é um necropata. Seu dom é se comunicar com o plano astral, mas banshees são as fadas dos mortos – Joshua completou – Provavelmente existe uma linha bastante tênue entre o que você pode ou não ser capaz de fazer nesse quesito Amora, e eu avisei. Você precisa saber quem é, para poder controlar o que pode fazer.

– Okay, vou procurar alguma ajuda...

Respondeu ela por fim."

– Mas por que uma loja dessas?

Perguntou olhando ao redor.

A loja por dentro era do jeito que eu sempre imaginei ser uma loja de voodoo. O que a fazia ser incrivelmente assustadora à noite. Mas não tínhamos escolha, vovó e vovô tinham ficado na cidade até essa tarde, querendo passar mais tempo conosco, e agora só nos restava algumas horas.

– Não tínhamos como vir antes, e preciso de alguns ingredientes.

Esclareci.

– Para o que? Não deveríamos estar em uma loja, deveríamos estar em uma biblioteca.

Respondeu olhando ao redor sem entender nada.

– Amora, por favor, fique quieta. O ano novo é daqui a algumas horas, é uma época poderosa para magia que canalize a força de um desejo, certo? Aprendemos isso com o senhor Garrett em algum momento desses últimos cinco meses...

Comentei a relembrando.

– Sei disso, presto mais atenção nas aulas do que você. Meu livro das sombras é quase o dobro do seu.

Comentou propositalmente em tom baixo para intensificar o deboche nada escondido.

– Continuando... Achei um feitiço que pode nos dar uma ajuda. Na verdade, Joshua achou sem querer, mas você entendeu. Enfim, preciso de um ingrediente e ele deve ter aqui.

Expliquei olhando entre os fracos espalhados pelo balcão.

– Mesmo que seja verdade em relação a esse feitiço, esse lugar não tinha nenhuma proteção mística, nem deve ser de verdade. Não é só por que estamos em Nova Salém que tudo que é diferente tem relação com magia real.

– Sei disso também, mas tratei de saber se ele lugar era para valer.

– Com quem, um dos seus cobertores?

Perguntou desdenhosa.

– Não, com um dos motoristas gárgulas.

Respondi calmamente.

– Como conseguiu fazê-los falar?

Perguntou confusa.

– Não fiz. Só apontei um nome na lista telefônica e ele assentiu com a cabeça. Me pareceu uma informação quente.

– OH MEU... Isso pode ter significado qualquer coisa.

– Por favor, só confie em mim.

Essa briga sem sentindo com Amora era uma boa distração, principalmente quando eu me lembrava que a última vez que tinha saído da academia uma garota tinha morrido por minha causa, não muito longe daqui em uma boate.

– Me ajude a encontrar a raiz de Aveleira.

Completei afastando aquele pensamento.

– Mas isso não é hoodoo?

Perguntou confusa, a inteligência dela me irritava quase sempre. Como agora, por exemplo.

– Não faz diferença Amora, a aveleira é o que precisamos e é a aveleira que você vai procurar. Agora vai logo, vamos nos separar.

– Certo – disse ela se virando – Idiota...

Acrescentou sussurrando.

– Ouvi isso.

Retruquei.

Começamos a vasculhar os milhares de potes e gavetas do lugar. Aquilo parecia como um labirinto mal organizado e fedido.

– Não consigo achar nada, fora alcaçuz.

Disse Amora perdida.

– Fico com isso.

Disse pegando o alcaçuz de sua mão e guardando na minha bolsa. Seria útil logo.

– Para que vai querer o alcaçuz?

Perguntou fazendo uma careta engraçada.

– É um afrodisíaco místico. O que você acha?

– Argh! – entoou virando os olhos – Você e Roman não precisam disso, muito menos seu irmão e o pseudo-namorado dele.

Acrescentou ela como se tudo que ocorreu fosse nada demais. E bem, não era. Não deveria ser pelo menos.

– Todos sabem?

Perguntei agora mudando meu tom.

– Sobre Killian e Math? Porque o que eles fizeram foi em escala nacional.

Comentou confusa.

– Não. Roman e eu. Todos sabem da gente? Que estamos ficando...

Esclareci.

– Acho que sim, vocês não se esforçam nada para esconder, não achei que fosse segredo nenhum.

– Não é isso, é só que eu não tinha parado para pensar quantas pessoas realmente tinham ciência.

– De qualquer maneira qual vai ser a diferença? Vocês estão nessa há semanas, vão acabar oficializando tudo.

Disse ela otimista.

– Você acha?

Perguntei realmente interessada em sua opinião.

– Não acho nada – disse ela rispidamente – É a sua vida, não minha. Você faz dela o que quiser, e ninguém tem nada a ver com isso. Simples assim.

Comentou por fim.

– Se você está dizendo...

Respondi.

– Bom, porque não vamos começar a falar de rapazes agora – comentou com aquele tom de voz que ela adorava usar – Como você mesmo disse, poucas horas até o ano novo e ainda temos que voltar para academia para encontrar os outros. E eu não preciso de alguém com problemas com rapazes agora. Não depois daquilo ter ocorrido no natal.

– Querida, eu não sou a única.

Comentei me virando, a deixando claramente sem entender.

Ela realmente não via o que fazia ao Joshua. E principalmente o modo a qual ele a via. Tão estranhamente perfeita aos olhos dele, que chegava a dar inveja. Será que Roman me via assim? Nessas horas eu daria tudo para poder ver através dos olhos dele como Math se viu pelos olhos de Killian. Não seria nada mal entender os sentimentos em vez de só sentir eles.

Mas era claro que ele via. Eu sabia disso. Porém, mesmo assim por que eu ainda estava divagando tanto com isso?

//

Quando finalmente voltamos para academia tínhamos menos de duas horas e meia e muita coisa para fazer. E claro, uma pequena poção também.

– Você não pode estar falando sério em relação a isso.

– Claro que estou.

Respondi para Amora enquanto fechava a porta do nosso guarda-roupa.

– Temos que começar a preparar a poção.

Comentou.

– É, eu sei queridinha. Mas ela só vai funcionar quando canalizarmos a energia do ano novo, até lá temos que manter as aparências. A tal garota misteriosa disse para não contarmos a ninguém, então ninguém pode suspeitar. É só lógica Amora, nada mais, agora faça o que eu disse. Se arrume e fique bonita.

– Precisamos descobrir quem ela é. Você parece ignorar a importância de tudo isso às vezes.

– Sei disso. Estou focada, e sou perfeita. E principalmente, sou multitarefa, e teoricamente você também é.

Acrescentei dando uma piscadela ao sair do quarto para o corredor.

Conseguiram?

Math perguntou telepaticamente.

Sim, tudo. Só precisamos esperar. Como você está?

Perguntei curiosa.

Bem, acho. Já descobrimos quem estava tentando entrar em nossas mentes, só não sabemos por que e para que. E vejamos sempre pelo lado positivo, como eu sempre digo – ironizou – Eu o beijei. E-U-O-B-E-I-J-E-I MANINHA!

Sei disso também, você diz a cada cinco segundos. Já conversaram sobre?

Pois isso era o que todos queríamos saber.

Não, vamos conversar sobre isso amanhã de manhã cedo antes da aula.

Perfeito para vocês. Agora me deixe ir tomar banho.

Comentei irritada por causa da Amora.

Tem certeza disso Lexa?

O feitiço ou a festa?

Todas essas perguntas estavam começando a me confundir.

Ambos.

Tenho, a poção vai dar certo. E temos que comparecer a festa que vão dar lá fora. Seriamos os únicos adolescentes a não ir para curtir o ano novo. De qualquer maneira temos que pegar a energia da noite, então temos que estar ao ar livre. Okay?

Okay irmã.

Amo você.

Amo você também!

Math respondeu desligando a conexão.

Atravessei o corredor até o banheiro e esbarrei em Hazel, ela me levou um olhar fulminante de ódio. Não tinha superado bem ter sido chutada na frente de dezenas de pessoas, sendo assim trocada por um rapaz. Mas ela não ficou muito por fora assim, pelo boato que tinha se espalhado logo depois do baile de natal, ela e Rex tinha feito diversas loucuras em uma das muitas moitas do terreno da academia. Se era verdade ou não eu não sabia, mas não ficaria surpresa ao descobrir que foram eles mesmo que começaram o boato.

Entrei na cabine tirando o roupão de algodão do corpo, deixei a água cair e por fim pude respirar. E principalmente me preocupar.

Eu estava assustada como todos eles, mas o problema era que eu sabia como eles estavam, e eles não sabiam de mim. Era loucura demais para nós. Mas com absoluta certeza eu não era uma garota de deixar rapazes controlarem a situação por mim, então era minha vez de fazer o certo. E acalmar a todos, o máximo possível. Mesmo que eu tivesse aterrorizada.

Quando dei por mim estava agachando no chão, segurando as pernas com os braços e com o rosto atolado sobre os meus joelhos, com o cabelo grudado na testa.

– Já acabou?

Amora perguntou dando duas batidas leves no vidro escuro do lavabo.

– Só mais um segundo.

Respondi com um sorriso no rosto, mesmo sabendo que ela não via o meu rosto.

//

Amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo qualquer tomando cuidado para não parecer descuidada demais. Vesti uma blusa branca nova, e um short jeans curto e passei o delineador nos olhos criando um traço longo.

– Pronta.

Comentei, já eram quase onze da noite.

– Também.

Respondeu Amora me fazendo virar para olhá-la.

– Não vou reclamar por você está usando cinza para virada de ano.

Acrescentei por fim com meu sorriso de plástico.

Podem ir.

Disse a meu irmão pelo elo.

Atravessamos a porta até o lago, havia dezenas de lâmpadas espalhadas por uma fiação intencionalmente mal arrumada entre as árvores, uma fogueira e algo que me pareceu uma caixa de fogos de artifício. Presumo que estejam enfeitiçados, pois não acho que nenhum de nós tenha capacidade de manipular essas coisas sem causar uma reação nuclear.

– Você está linda.

Roman comentou surgindo atrás de mim.

– Você também.

Comentei para sua regata de malha fina, que deixava seus músculos saltarem para fora com facilidade.

Matheus, Joshua e Killian estavam com ele.

– Conseguiram?

Amora perguntou.

Roman mostrou uma pequena garrafa térmica e sorriu.

– É fácil fazer uma poção quando ela é só um chá fortificado. Principalmente se seu colega de quarto pode ferver a água com a mente.

– Mil e uma utilidades.

Killian completou tentando fazer uma piada. Ele não fazia piadas antes.

Um beijo e ele parecia ter renascido, era engraçado até.

– Temos que esperar, não é?

Math perguntou.

– É. Até lá...

Respondi puxando Roman pelos pulsos e nos juntando a multidão de adolescentes que dançava e bebia em copos coloridos. Não me atrevi a pegar uma bebida, já que não poderíamos arriscar que alguém as tivesse batizado. Mas eu ainda poderia, e deveria, dançar.

Birdy e Onika apareceram a nosso redor logo depois, e Roman não pareceu ter objeção a dançar com nós três. Mas teve o bom senso de não parecer insinuante para as garotas na minha frente.

Consegui sentir o olhar de Amora sobre mim mesmo de costas. Ela estava um poço de nervos a semana toda. Quem não estaria? Aparentemente, não eu, é claro.

– Você é meio louca.

Roman comentou no pé do meu ouvido.

– Sou inteligente.

Respondi ameaçando beijá-lo, e ele levou o rosto para frente, mas retrai o meu virando meu corpo e voltei a dançar. Agora mais perto de Onika.

Pensei em puxar Amora e os outros, forçá-los a ficarem alegres e entrar na dança, mas veja bem, Amora não é exatamente exemplo de animação, mesmo quando não está comigo. Meu irmão e Joshua praticamente não fazem nada sem que o outro faça, e Killian... Ele é um exemplo gritante de mistério e solidão auto infligida. Então estarem ali parados, era exatamente o que todos esperavam que fizessem. E o que a diretora esperaria se estivesse observando de algum lugar. E ainda não tínhamos pensado nisso.

– Pensei que fosse me beijar. Aqui na frente de todos.

Roman voltou a dizer no pé do meu ouvido. Agora dançado e agarrando as minhas costas. Com minha cintura se mexendo sobre ele.

Não respondi. Não disse nada. Primeiro para causar efeito. Segundo porque não sabia realmente o que falar, e o melhor remédio nessas horas era ficar quieta. Era a como tirar dez em prova de múltipla-escolha por ter desenhado uma carinha feliz no papel.

– CINCO MINUTOS! Galera...

Christian gritou.

Está na hora.

Um a um, começando por Roman e terminando por mim, fomos para trás de um emaranhado de árvores onde não seriamos visto.

Math foi para meu lado e tocou minha mão com a sua.

Joshua estendeu para nós a garrafa térmica.

– Não é para nós.

Comentei assustando a todos.

– Então para quem é?

Perguntou ele.

– Para você. A aveleira é uma planta para se fazer poções que evocam sabedoria e deve ser usada por alguém que também almeja tal coisa para podermos potencializar o desejo com a magia canalizada. Não podemos fazer, não daria certo conosco. Mas sabedoria faz parte de você, então você deve fazer isso.

– Não sei não...

Exclamou nervoso.

– É um feitiço simples cara, você consegue.

Roman comentou dando tapinhas no seu ombro e rindo. Ele não estava rindo por dentro.

– O tempo está passando.

Amora nos relembrou apressada.

– Sussurre para poção o que quer saber durante o último minuto do ano e depois beba. A poção pode causar loucura passageira e quase sempre um zumbido após algumas horas do seu uso. Também pode matar em casos muito raros.

– O quê?

Matheus perguntou surpreso.

– Raro. Muito raro. Agora faça.

Disse empurrando a garrafa térmica contra o peito de Joshua.

Ele desenroscou a tampa e recitou o feitiço para a poção e bebeu em um gole só, o que eu presumia ser um dos piores chás do mundo, despencando ao chão, em convulsões. E aquilo era algo que ninguém esperava.

– Josh!

Matheus gritou indo em sua direção.

Caímos todos ao seu lado tentando agarrá-lo para que não se machucasse.

– O que você vê, Joshua? Precisa nos dizer antes que o efeito da poção acabe!

Gritei, mas ele não estava aqui. Ele nem deveria estar ouvindo.

– Math toque nele. AGORA!

– Não!

Retrucou, mas não o dei escolha, lançando minha telecinese contra sua mão e a prendendo ao pulso de Joshua, então o rosto expressivo de meu irmão foi trocado por uma máscara turva dele mesmo.

– Eu vejo luta. Sangue. Fogo. Uma luz no céu vinda do chão. Vejo três delas. Morte, muitas mortes. Fogo... Corpos, vários. Sangue, mais sangue. Fumaça e... Cinzas.

Matheus comentou.

E o novo ano tinha começado e a magia que canalizávamos tinha terminado, junto com o poder da poção, então Joshua adormeceu, e meu irmão voltou à realidade que estávamos. Desgrudando-se do amigo e fitando a nós sem fazer à menor ideia do que tinha visto ou falado.

E enquanto os fogos de artifício pintavam o céu, Roman veio até mim e disse em meus ouvidos:

– Estou completamente apaixonado por você...

E algo mais explodiu dentro de mim.