CAPÍTULO IX: DEZOITO ANOS
Talvez fosse o calor daqueles dedos ou a paz que o toque dele propiciava, mas de qualquer maneira eu sabia, era Killian.
Abri meus olhos confusos e o encontrei ao lado da minha cama, como na vez em que estivemos pela primeira vez sozinhos no quarto, mas não tinha sido isso. Não tínhamos dormido juntos, ou feito qualquer coisa ontem.
Disse ele em tom baixo, sussurrando no meu rosto.
Um sorriso se formou, mas não em tempo suficiente.
Gritou Roman e Joshua ao meu lado, nesse caso fora da cama, me fazendo tomar um susto, me fazendo pular da cama.
Joshua disse com as mãos no ar, tomando cuidado para não me tocar.
Roman segurava um cupcake com uma vela acesa, que eu reconheci ser familiar do aniversário de dezessete anos do Josh, três meses atrás.
Antes que meu cérebro terminasse de processar as informações Killian segurou meu braço, ainda sentado na cama.
– Não, não antes do dia maravilhoso que eu planejei.
Roman comentou animado, ele estava colocando muitas fichas no dia de hoje.
– Noite – disse Killian o corrigindo – Noite maravilhosa.
Completou Roman por fim, com seu sorriso largo e infantil.
– Vamos lá, vamos lá. Eu prometi fazer isso pelo Joshua, não prometi que tinha que ser perfeito.
Disse Amora enquanto me balançava para lá e para cá pela cama.
Controlei muito minha mente para não empurrá-la para longe com minha telecinese, somente pelo fato que meu controle as vezes não era tão refinado quanto o do meu irmão. Então eu poderia acabar quebrando o pescoço da bruxa-banshee antes mesmo que qualquer outra coisa tivesse a oportunidade de fazer isso.
Abri meus olhos em desacordo, e preparei minhas cordas vocais para gritar, mas Amora estava parada com algo em mãos, que fez meus pensamentos tomarem um desvio.
Disse ela quase jogando o cupcake contra meu rosto, o desconforto era visível. De certo modo era bem engraçado também.
– Obrigada – comentei com meu sorriso afetado – Não precisava se preocupar tanto comigo Amora.
– Não me preocupo, foram seus amigos...
– Aham, sei. Tudo bem. Ninguém precisa saber se não quiser. Sei guardar segredos.
Acrescentei uma piscadela no final da frase que a fez ficar ainda mais irritada.
– Você tem sérios problemas, só fiz isso porque também estão fazendo o mesmo pelo seu irmão. O namorado dele e...
– Hmm, viu o namorado dele... Então somos o que? Amigas com benefícios?
Perguntei com um sorriso sério e cínico.
– Estou brincando, calma garota.
Esclareci mordiscando meu cupcake após apagar a velinha com um sopro rápido.
– Eu sabia que isso era uma péssima ideia.
– Mas eu não ganho nem um presente?
Amora então sorriu. Um sorriso largo, exagerado e totalmente sem emoção.
Perguntou, então eu dei de ombros, saindo do quarto sem me preocupar em olhar para trás.
Hoje era segunda, então tínhamos aula, mesmo que fosse nosso aniversário.
Mordi mais um pedaço do cupcake e conectei a ligação telepática.
Lexa cortou a ligação telepática assim que percebeu que eu continuaria a irritá-la, mas ela tinha razão. Tínhamos dezoito anos agora, era uma data especial. Não podíamos beber pelas leis locais, e teoricamente nem éramos considerados realmente adultos em nossa própria sociedade. Já que nossa maturidade emocional estava fortemente ligada ao desenvolvimento da nossa magia, que acontecia durante o período que permanecíamos nas academias. O que deixava tudo um pouquinho mais confuso.
Meu telefone celular já tinha pelo menos umas duas dezenas de mensagens dos meus avôs, todas dizendo felicidades e que nossos presentes iriam chegar até o final da semana, por que eram especiais. Nosso pai tinha mandado uma única mensagem escrita: Feliz aniversário filhos!
O que significava que ele tinha mandado uma simples mensagem automática para nossos números, e nem se preocupado em ter programado duas mensagens diferentes, ele simplesmente tinha feito uma e endereçado para os dois.
Tentei retirar aquilo da cabeça, não era hora de se preocupar com isso.
Killian perguntou assim que me encontrou no banheiro escovando meus dentes.
– Que Roman potencialmente vai colocar todos nós em perigo.
Disse ele mostrando a caixinha preta na palma da mão.
– Não precisava. De verdade...
– Fazemos um mês de namoro em dois dias, tenho que te dar algo que valha a pena.
E isso era verdade, já tinha se transcorrido um mês desde que começamos a namorar, e bem, nada tinha ficado muito mais fácil desde então.
Peguei a caixa de sua mão e me preparei para abri-la.
– Ainda não – disse ele me interrompendo – Tem mais um presente, mais tarde. Esse aqui é para ser usado com o que eu vou te dar a noite, quando formos sair. Então, não use nada por cima da sua camisa.
– Vai me dar uma peça de roupa como segundo presente? Deixar isso claro, não tira a surpresa?
– Não, não tira. E eu não vou te dar uma peça de roupa qualquer... Vou te dar uma peça da sua personalidade que está faltando.
Retrucou, me beijando ao fim da frase sem se preocupar em se sujar com creme dental.
Perguntei me virando alguns segundos atrasados.
– Terminar de arrumar as coisas, temos um dia cheio hoje!
Disse ele enfim já saindo do banheiro.
Praticamente todos que nos encontravam nos desejaram feliz aniversário, o que me fez questionar como tinham descoberto isso ou se Roman tinha espalhado de forma proposital. Não faria diferença, eu adorava a atenção de qualquer maneira.
Arrumei meu cabelo para deixá-lo somente cacheado, levando em conta que a noite teria que colocar um penteado mais elaborado então não iria perder meu tempo fazendo dois.
Roman me presenteou com uma echarpe rosa e me fez prometer que iria usá-la hoje à noite. Fora o fato que iríamos ao mini-golfe eu não sabia exatamente o que iríamos fazer, muito menos como se jogava golfe, mas se eu movia coisas com a mente, empurrar uma bola de alguns centímetros não seria realmente difícil.
Math tinha ganhado uma caixa preta e pequena de Killian, mas ainda não a tinha aberto, então seu presente era um mistério.
Fico me perguntando se há um feitiço na caixa para protegê-la de ser aberta ou ser Killian sabia que Matheus não a abriria até a hora que pediu.
Hya e Hazel passaram ao nosso lado assim que nos sentamos para almoçar, ambas tinham sido as únicas que propositalmente não tinham desejado feliz aniversário para nós, junto de Rex. Alguns poucos alunos da outra turma a qual não tínhamos praticamente nenhuma relação também não haviam falado, mas me surpreende que alguns deles tenham dito. Parecia agora que éramos de certa forma um assunto popular entre as fofocas da academia, se Math percebesse isso, não iria gostar.
Tentei desviar o olhar, mas saber que ambas estavam com suas atenções para mim pareceu dificultar a escolha de ação.
Disse Roman, imitando o jeito a qual Math e eu dizíamos quando tínhamos que fazer algo. Na verdade, era uma pergunta meio idiota. Nunca estávamos preparados para nada. Não sabíamos fazer feitiços corretamente, ou a informação certa. Era tudo muito irônico.
– Estou mais com fome no momento.
Respondi mordendo um pãozinho.
Joshua riu, Amora não estava prestando atenção em nós.
Math perguntou olhando para Killian.
– Pensamos em ir depois do jantar. Se vocês começarem a se arrumar antes e terminarem depois de comer, podemos ir umas oito e meia e ainda ter mais três horas para aproveitar seu aniversário.
– Espero que isso não tenha sido uma indireta.
Disse Amora, voltando sua atenção a nós.
Ela não costumava ser envolver ativamente em nossas conversas, ao menos que quisesse expressar sua opinião diante aos demais. O que me fazia nunca esquecer que se ela tivesse a oportunidade de não estar aqui, talvez ela não estivesse. Mas isso era muito relativo.
Killian fez o que fazia melhor, deu seu meio sorriso. Que era como uma resposta sem resposta, capaz de deixar qualquer um doido. Para Math aquilo era incrivelmente sedutor, e quem sabe fosse. Mas para a maioria dos outros seres humanos comuns era no mínimo perturbador.
Tentei o máximo possível me esquecer de pensar em qual fosse o conteúdo da pequena caixa, mas não parava de pensar nela com todas minhas forças. Josh tinha percebido e tentava me distrair. Inutilmente.
Por sorte as aulas do dia não tinham sido lá muito importantes então não precisei deixar todo meu cérebro concentrado e isso ajudou a não me sentir pior por não estar dando a mínima para academia hoje.
Como uma pessoa normal, você deve pensar, é só um dia, QUE MAL PODE FAZER? O problema de não ser normal, ou humano, e que um dia não aprendido aqui pode me diferenciar das pessoas que estão com seus nomes escritos no memorial dos falecidos. E isso era uma coisa séria.
Como não sabia muito bem o que vestir, já que Killian iria me dar algo para colocar por cima da minha camisa, eu me encontrava numa encruzilhada.
Havia o problema de usar a cor errada da camisa, sapato ou cinto. Decidi usar jeans em fez das minhas calças chino de cores variadas, principalmente para diferenciar do meu uniforme. Joshua por outro lado decidiu pegar uma delas emprestado. Tínhamos literalmente o mesmo tamanho para qualquer peça do nosso vestuário, talvez a única coisa que fosse dele que eu não pudesse pegar emprestado eram os óculos, pois eu não tinha nenhum problema de visão. Especialmente quando se tratava de óculos para bruxos que normalmente tinham a ver com algum problema relacionado a magia.
Depois de decidir usar o jeans preto escuro faltava todo resto. Então me concentrei em ajudar o Joshua, o que me dava mais tempo para enrolar.
Perguntei a Josh, vendo todas as nossas roupas espalhadas pelo quarto.
– Lexa me aconselhou a ser mais agressivo em relação à Amora, e eu achei que talvez pudesse fazer isso hoje.
– Cale a boca. Agora o que acha, gravata normal ou borboleta?
– A borboleta, é claro. É a sua marca, não pode mudá-la. É como o meu relógio de bolso, o colar com um pingente de uma rosa da Lexa ou aquele colar de fita e caveira da Amora, a jaqueta de couro do Killian ou as pulseiras de couro do Roman – disse me lembrando de algo que nunca tinha pensando muito a respeito – Falando sobre isso, você já reparou em um colar de cobre que Killian usa no pescoço, com um anel dentro?
– Se ele usa, eu nunca reparei.
A informação tinha passado totalmente despercebida por mim durante tantos meses. Mas se não me enganava tinha o visto com maior clareza enquanto estávamos nos beijando e consegui sentir o metal frio por entre o tecido da sua blusa de malha fina.
– Nunca perguntei ao Killian. Mas consegui ver uma vez. O anel do colar é grosso com uma rubi no meio. Acho que deveria ter perguntado sobre. Sei lá.
– Deve ser bem pessoal para ele ter escondido assim.
Acrescentou tentando despreocupar minha cabeça.
– Quem sabe... Mas esquecendo isso, você deveria escolher uma cor.
Acrescentei apontando com a mão direita para as calças.
Um lindo e moderno azul cobalto.
– Pensei em te emprestar uma camisa de tricô listrada que vovó me mandou tem umas três semanas. Mas com ela você não poderia usar a gravata, então teremos que te arrumar uma camisa de botões. Eu não tenho nenhuma. Teremos que ver as suas.
– Tenho algumas camisas de gola e um colete preto perdido em algum lugar.
– Bom, deve servir. Agora ache o colete.
Decidimos por fim que Joshua usaria seus sapatos novos, a calça chino azul cobalto, uma camisa de gola, aparentemente pouco usada, com um colete escuro e uma gravata borboleta da sua, também nova.
Não sabia o que ela e Lexa iriam usar, mas gostaria que Amora tivesse se preocupando um pouco se Joshua a acharia bonita.
Não queria vê-lo de coração partido, principalmente agora que ela aparentemente não tinha outra escolha a não ser ficar conosco.
Como não consegui decidir sobre qual penteado escolher, terminei por colocar meu cabelo em uma trança única.
Como o mini-golfe me pareceu um lugar familiar, achei melhor não usar nada muito chamativo e brilhante, mesmo que fossemos sair à noite. Então me vesti em meio termo.
Um short jeans rosa salmão, uma camiseta branca masculina que sequestrei do papai depois que ficou curta nele e coloquei um agasalho de tricô bege por cima.
Amarrei a echarpe no pescoço, e deixei as duas partes longas que agora ele exibia caírem sobre o meio dos meus seios. Pus a primeira bota que achei, essa de um marrom claríssimo, somente para proteger alguma parte da minha perna do frio e esperei.
Amora se arrumou ainda mais rápido. De longe não abandonou sua cor preferida, cinza. Mas o jeito que tinha se vestido, não era como antes, nem agressivamente conflitante ou tristemente conflitante. Era diferente.
Ela trajava um short preto de boca larga, sapatos que pareciam botas militares fundidas com salto alto, uma blusa branca qualquer, e um suéter cinza meio brilhoso – mais totalmente comportado – com cristais brancos e pretos cravados no tecido na parte dos ombros. Só por alguns centímetros em cada lado, mais que direcionavam o olhar para seu porte reto, gracioso e irritantemente invejável.
Seu cabelo estava jogado todo para lado, e a toca tinha desaparecido. E em vez de um emaranhando de presilha segurando seus cachos, havia uma só em formato de borboleta prateada, que parecia suportar tudo. Seu colar continuava no pescoço, o meu por sua vez estava escondido pela echarpe rosa.
Comentei com inveja, mas era uma inveja boa, se é que isso existe.
Roman pediu para que encontrássemos com ele na garagem depois que estivéssemos arrumados e dei o recado a Lexa telepaticamente para que fosse para lá também, e ela disse que já estava indo, então Joshua e eu também fomos. Pensei em ligar para papai por algum motivo, mas era obrigação dele ligar, não nossa.
Atravessamos a porta do nosso quarto e surgimos na garagem, o que eu agradeci, pois assim não tínhamos que receber olhares de ninguém que fosse ficar aqui dentro nessa segunda.
As garotas estavam lá paradas, uma mais linda que a outra, se é que era possível. Ambas diferentes e incrivelmente belas. Por sorte uma delas era minha irmã e outra a paixão do meu melhor amigo, então o risco de estar me tornando hétero era mínimo.
Então estendi meu olhar até meu novo-recém-já-antigo cunhado, Roman. Mesmo que o título não fosse oficial, palavra cunhado me parecia algo tão familiar, que eu gostava de dizer. Mesmo sendo estranho.
Roman estava vestido de forma simples, jeans e camisa justa. Não sei dizer se ela era justa propositalmente, ou se era por causa dos músculos dele. Presumi que fosse por isso.
Killian estava muito parecido como na primeira vez que o vi. Calça com joelhos rasgados, tênis com aparência suja de lama, mas estranhamente limpos, só que hoje ele usava uma camisa de flanela verde com detalhes avermelhados e segurava o sobretudo com uma mão e uma sacola na outra.
Ele começou a andar com seu meio sorriso assim que me notou. Joshua por sua vez não tirava seus olhos de Amora, ela parecia responder a isso.
Disse ele, e demorei meio segundo para perceber que era comigo.
Estava tão acostumado a ser chamado de Matheus, que esquecia que não era o único nome que eu possuía.
– Ficou perfeito para mim – disse sem pensar – Que brega.
Comentei enfim e ri. Ele só sorriu. Ele sempre só sorri. Não de alegria ou felicidade. Mas com seu sorriso de mistério.
– Não, não é não. Mas eu aprendi que não se deve brilhar mais do que algumas estrelas.
– Que estrelas são tão importantes assim?
– As estrelas que brilham sempre que nossos olhos as encontram.
– É. Então, para o que seus olhos brilham?
Perguntei com seu rosto ainda mais perto do meu.
– Nesse momento? Por você. E nos outros? Por nada mais.
Os lábios quentes. A língua quente. O rosto quente. Tudo era quente vindo dele. O que fez meu corpo expressar vontade própria rapidamente, e agora eu entendia por que Lexa e Roman estavam sempre tão juntos fisicamente um do outro. Eu só não estava acostumado a poder fazer isso.
Disse novamente, tampando minha boca logo depois.
Dessa vez ele soltou uma risada abafada.
– Gosto quando te faço falar coisas sem pensar.
– Então, meu presente, posso olhar?
Perguntei tentando mudar de assunto, e rezando para o rubor no rosto passar.
Era uma jaqueta de couro, o que eu já presumia. Mas era diferente do que pensei. Não era como o sobretudo de couro preto do Killian, que parecia por falta de palavra melhor, agressivo, a minha jaqueta roxa tinha um ar mais delicado. Era e não era simples. Não era chamativa também. Era estranhamente a minha cara, e as mangas eram pelo menos alguns centímetros mais longas do que seriam na verdade, pois eu não precisava fazer esforço para tocar a barra da manga da jaqueta com a ponta dos dedos para segurá-la e deixar minha pele ainda mais longe da dos outros. E ela era mais justa que a do Killian, então me deixava ainda mais seguro de usar.
– Adorei. Mesmo. Adorei tudo e principalmente a cor também.
– Seus olhos. É a cor dos seus olhos quando anoitece. Um roxo sombrio, mas lindo.
E era óbvio, mas meu cérebro não tinha feita a assimilação na hora.
– Os seus são sempre claros e luminosos.
Disse em resposta a seus olhos verdes estupidamente perfeitos.
– Nem sempre há bondade na luz, como nem sempre a maldade na escuridão.
Respondeu por fim, e aquilo me fez ficar sem palavras, até ele levar ao alto a caixinha preta que antes estava na minha mão, e agora não estava mais.
Perguntei ansioso, o dia havia sido longo por causa daquele pequeno objeto.
Respondi fingindo ofensa. Ele sabia que isso no caso era mentira.
Então ele abriu a caixa, e eu senti a chama da magia se arrastar no ar.
E por fim ele tirou o pequeno objeto de dentro. Uma fênix. Ou melhor um broche de fênix, três ou quatro centímetros, de bronze brilhante.
– A Evangeline conseguiu para mim, é bem antigo.
– Mas vai – completou sério – Quero que tenha algo meu para usar sempre, o broche me pareceu óbvio. Não precisa usar todos os dias, obviamente, ele não combina com o uniforme, mas quero que guarde em um lugar especial quando ele não estiver junto a seu corpo.
– Tudo bem – disse desistindo de brigar – Mas eu não tenho nada para te dar ainda, e nem amanhã. Não sabia que deveria se comemorar um mês assim.
– Não precisa. É bom presentear uma estrela, a faz brilhar um pouco mais. E eu gosto de você brilhando, de qualquer maneira, você retribuiu meus sentimentos, não sabe o quanto isso é o melhor presente que pode ter me dado.
Respondeu sério, ele parecia tenso as vezes quando falava desse jeito.
– Não é difícil se apaixonar por você. Não mesmo. Primeiro por que é lindo, segundo por que é corajoso, habilidoso, amável, gentil...
– É. Eu sei. Mas me fazer querer também, foi isso que você fez que ninguém mais fez. Você me fez sentir, do mesmo jeito que brilha.
– Gostaria de brilhar tanto quanto você acha que brilho.
Killian parecia me ver sob as lentes de uma imagem muito melhor do que a realidade era.
– Não precisa. Pois se soubesse o que é capaz de fazer comigo, não seria a mesma coisa. Gosto quando não sabe das coisas, faz por impulso, faz por querer, por vontade própria e não por expectativa.
– Temos um aniversário para comemorar!
Gritei para meu irmão, que tinha se perdido em mundo próprio enquanto conversava com o namorado. Mas acho que eram Amora e Joshua que queriam gritar algo a eles, de tão desconfortável que ficaram com o passar dos minutos, foi engraçado me deliciar com esse sentimento.
– Já estamos prontos, invejosa.
Meu irmão rebateu assim que se aproximou do jipe e consecutivamente de nós.
– Mas espera – Amora comentou, sendo sua primeira palavra com o grupo desde que chegamos – Somos seis, e só tem cinco lugares no jipe, alguém vai ter que ficar para ir com os gárgulas?
Disse Killian apertando o botão de uma chave de ignição, fazendo as luzes de sinalização de uma moto piscarem.
– Minha – Killian respondeu – Ganhei quando fiz dezenove, em março do ano passado. Evangeline achou que era uma data especial e quis gastar bastante, não a uso desde que entrei para cá.
A moto era preta, e como tinha pouco conhecimento para tal, só me parecia realmente muito cara e bonita.
Killian deu um capacete para meu irmão e eles se despediram de nós.
Entrei no banco da frente e voltei toda minha atenção para Roman e como ele parecia mais bonito hoje, então o beijei mais uma vez, dessa vez forçando Joshua e Amora a olharem um para o outro para não terem que ver a cena.
Assim que saímos da academia Roman foi forçado a desviar sua atenção de mim e colocá-la em Joshua, já que era ele que estava com o mapa em mãos, ou na tela do celular, para ser mais preciso. Primeiro pensei que Killian e Math fossem nos seguir, mas eles desapareceram rapidamente, então me lembrei que Killian havia nascido e vivido aqui boa parte da vida, ele saberia se locomover e chegar ao minigolfe.
Joshua dava direções rápidas e precisas, e eles pareciam trabalhar bem. Eu por outro lado, estava perdida em pensamentos olhando as construções que cresciam e surgiam ao nosso redor, pois era difícil resistir.
A cidade a noite era belíssima, com seus muros antigos e novos ao mesmo tempo, e as luzes que piscavam da iluminação. Mas não era só isso, era a magia, ela emanava de tudo. Não só do ar, mas do chão também. Principalmente talvez. A cidade de Nova Salém era realmente o epicentro magia americana, não era a fonte real do nosso poder, mas ela em si parecia ser feita dele, por isso era acolhedora para nós, e para outros seres místicos.
– Caso queiram saber aquele foi o hospital em que fomos parar naquela noite. O Hospital Swason – Joshua articulou assim que entramos em uma curva – Está aqui desde a reconstrução da cidade, mas não foi construída para fins místicos, mas para os fins humanos, claramente.
Olhamos de relance para o hospital, não me pareceu que fosse precisar dele. Joshua podia curar e logo saberíamos feitiços curativos também, mas nada era descartado.
– Vamos demorar muito para chegar?
Perguntei a Joshua, detentor da localização.
– Não, pelo Google Maps só mais cinco minutos. E se olharem para frente, começaremos a ver as torres da Igreja Preta e Branca, construída em toda sua glória gótica da idade média.
E foi como ser levado pelo mesmo impulso magnético que unia a mim e meu irmão. A Igreja Preta e Branca foi à primeira coisa estranha que tinha ocorrido conosco, e talvez houvesse respostas nela, mas não disse que deveríamos pesquisar sobre ela, não me pareceu à hora. Não agora, amanhã com certeza.
Chegamos primeiro ao minigolfe do que o restante do pessoal. E agora fazia sentido à jaqueta, pois ela tinha me protegido do vento frio e cortante que surgiu assim que sentei na traseira da moto, mas poder agarrar a cintura de Killian e me acomodar por trás de seu corpo era relaxante, e eu ainda conseguia sentir o calor passar da sua roupa para mim, mas tive a impressão que ele fazia isso de propósito.
– Não acho que vão demorar muito.
Killian comentou, retornando depois de ter estacionado a moto.
Estranhamente conseguia sentir a mente de Lexa ficando cada vez mais próxima.
O corpo de Killian se aproximou do meu, e aquilo me causou um calafrio. Tinha me acostumado a tocar nele e se portar como um recém namorado dentro dos muros da academia, mas não estava acostumado a agir como um na frente de pessoas. Mesmo no meu antigo namoro, eu não saia na rua de mãos dadas. Daniel e eu ainda estudávamos em uma escola comum, então só era dentro daqueles muros controlados que às vezes demonstravam esses afetados.
Disse ele ao pé do meu ouvido.
– Estou relaxado – menti – Queria lhe perguntar sobre algo.
– Seu anel, o que esconde dentro da roupa com o feitiço de disfarce que usamos com os diamantes.
Comentei presumindo ser por isso que ninguém mais reparasse.
Nossos diamantes eram presos a correntes de prata, quando estavam em nossos pescoços e por baixo de alguma roupa, eles literalmente desapareciam a vista e o toque de terceiros, como o que parecia acontecer com o anel de Killian.
– Não achei que soubesse dele, mas o que quer saber sobre?
– Primeiro queria vê-lo direito, posso?
Respondeu, já tirando o colar do corpo.
Peguei o anel com os dedos e ele era mais pesado do que achei e maior também, parecia até meio exagerado, mas a pedra de rubi era tão linda e hipnótica.
Estreitei os olhos até conseguir ver algo gravado, duas iniciais "K. S. K.".
– Essas não são suas iniciais, seu nome do meio é Raphael. E definitivamente não começa com S.
– O S é de Solomon, Killian Solomon Kane.
– Isso, Evangeline me contou que minha mãe o usava o tempo todo, que tinha sido presente dele. E depois quando estava morrendo pediu para que ela me dissesse que eu deveria usar também. Então eu uso, por ela.
– Eu ainda prefiro as estrelas.
Respondeu ele, mas fomos cortados com o barulho de buzinas. Eles tinham chegado.
Killian segurou suas mãos em minha cintura, tentando mover meu corpo inerte para algum lugar, mas aquele jogo era incrivelmente confuso.
– Vamos Math, pelo amor de todos os deuses do universo.
Respondi fixando meus pés com força no gramado sintético e sem cor.
– Você só precisa jogar a bola no buraco, cara. Só isso.
Killian estava tendo dificuldade de conseguir me ensinar como usar os tacos e fazer as bolinhas brancas voarem e caírem no lugar correto, e isso estava começando a me irritar.
Estávamos no buraco sete, que era o de um palhaço estupidamente assustador, com sua boca exageradamente aberta, mas só com um pequeno buraco para que a bola idiota entrasse e eu fizesse um ponto.
– Matheus, até mesmo eu acertei as bolas, vamos lá.
Joshua acrescentou, não que tivesse ajudado em nada.
E eu era o que de longe estava se saindo pior nesse jogo.
– Você consegue. Sei que consegue.
Disse Killian no pé do meu ouvido. Com as horas passando fui me sentindo mais relaxado de estar perto dele, mesmo ao redor de um monte de pessoas. De agir como sempre quis agir. Então fiz o lance com os tacos.
A bola foi lançada em linha reta contra a testa do palhaço, por algum motivo todas as luzes coloridas ao redor dele piscaram e fizeram barulho. O problema e que quando a bola bateu no palhaço não ativou só o mecanismo sensível ao toque, mas também ricocheteou e se lançou na direção oposta, acertando exatamente o sorvete de casquinha que estava na mão de Joshua, fazendo sorvete expresso sujar todo seu rosto.
Disse sem acreditar, mas logo minha voz foi sobreposta por sons de risadas. A primeira, vindo pelo próprio Joshua, depois Lexa, e o restante de nós em seguida.
Amora esticou o suéter de tricô cinza no braço, e começou a tentar limpar o resto do sorvete do rosto dele, fazendo meu doce amigo corar o máximo que pode com um sorriso tão charmoso que tive que prender meus pensamentos apaixonados em Killian.
Fiquei altamente tentando a perguntar a Lexa telepaticamente o que a Amora estava sentindo, mas não fiz, tendo minha atenção cortada ao ver o rosto de Joshua pasmo e sem reação.
Fui pega automaticamente pelo pavor de Joshua que acertou em cheio minha mente. Era aquele tipo de emoção que vinha de uma hora para outra e que te preenchia de tal forma que você mal conseguia entender o que estava sentindo até ser tarde demais. Suprimindo até mesmo as emoções de Roman ou Amora, e talvez até fosse capaz de suprimir as de Killian e Math se eu fosse capaz de senti-las.
Levei meu olhar para onde ele encarava, e encontrei um casal se beijando, não muito diferente de mim ou Roman. O rapaz era magro e tinha pele dourada, a garota era alta e tinha cabelos loiros com várias mechas cor de rosa, depois disso Joshua saiu correndo.
Meu irmão tentou dizer, mas Joshua já tinha cruzado a torre Eiffel do buraco seis.
As emoções de Joshua ainda estavam em mim, eram fortes.
– Ele parecia totalmente apavorado.
Mas eu tinha entendido. Tinha percebido o mesmo que Joshua.
Meu irmão olhava o que eu e Joshua tínhamos olhado há alguns segundos, analisando algo.
Aquele movimento de cabelo, com as mechas rosas balançando. Exatamente como ela fazia.
Disse por fim sem saber o que fazer.
– Como pudemos ignorar que a ultima vez que saímos foi no aniversário dele. Na noite que ele a beijou e ela morreu.
Então as emoções de Amora me pegaram.
Surpresa. Medo. Pena. Confusão.
– Mas eu sabia – Math acrescentou – Eu tinha que ter me lembrado. Droga.
– Vá atrás dele, ficamos esperando.
Roman disse e Math assentiu saindo em disparada.
Amora perguntou para mim e Roman.
– Ele estava mal. Ele ainda está mal. Meu irmão vai trazê-lo ao normal. Eu acho.
– Morte é o que vai nos acompanhar daqui para frente – Killian comentou quase seco – É triste? É. Mas infelizmente é parte da nossa realidade agora.
Começar a correr atrás do meu melhor amigo assustado pareceu muito lógico, mas quando percebi que não sabia mais para que direção ele tinha ido, ficou claro que eu estava perdido.
Só consegui encontrar um par de criancinhas que me olhou como se eu fosse um doido qualquer, as ignorei por completo, o que me fez recordar de que não fazia a menor ideia da última vez que tinha interagido com alguém com menos de quinze anos.
Então uma risada ecoou. Baixa e abafada. Mas era aquela risada confiante e cínica. A risada do Daniel.
Virei meu corpo rapidamente e vi a silhueta de seu corpo e o cabelo meio ondulado. O esforço repentino fez meu corpo ficar tonto e um pouco de bile subir na minha garganta e quando parei de piscar outro casal estava no lugar.
– Você está com aquele olhar no rosto de quem viu um fantasma.
Joshua acrescentou, surgindo atrás de mim subitamente.
– Não um fantasma. Mas eu poderia jurar que o Daniel estava aqui. E deve ser pelo menos a terceira vez que o vejo em algum lugar dessa cidade e isso é impossível.
Esclareci, pelo menos era o que parecia.
– Talvez seja só você projetando, é bastante comum que bruxos criem no mundo externo seus maiores temores sem saber. Bem, somos os seres com a habilidade natural de simplesmente distorcer o tecido da realidade. As vezes isso foge ao controle.
Joshua acrescentou ainda divagando.
– Quem sabe, mas se o que estou vendo é o Daniel, significa que minha magia está tentando projetar na realidade o que eu não consigo lidar, então como vou acertar as coisas comigo mesmo?
– Talvez devesse ligar para ele e resolver o que não está resolvido.
– Talvez, mas não estou aqui para falar sobre mim.
Perguntei tolamente, o assunto em questão ficou implícito.
– Estou, eu acho. Estava rindo com Amora quando vi o casal, até então não tinha me recordado que a última vez que tinha saído da academia tinha sido na noite do meu aniversário. Me pareceu desrespeitoso estar ali, com Amora, a desejando, pois quando estive com Demetria eu só estava curtindo o momento, nada mais. Fez a morte dela parecer ainda pior.
Ele estar a fim de Amora não era capaz de influenciar isso, não agora.
– Sei. Mas eu senti tanta coisa naquele dia. Por que não podia ter sentindo algo mais por ela? E isso teria feito valer mais suas últimas horas?
Perguntou olhando para algo além de mim.
– Foi decisão dela querer passar aquele tempo com você Josh, não tínhamos como prever. Não totalmente. Só aconteceu. Nem sabemos como.
– Ainda não entendo, por que cortar o pescoço dela daquele jeito?
– Por que algum doido lunático estava à solta, quem sabe...
Bem ou mal, havia gente louca em qualquer lugar.
– É, quem sabe... E pensando agora nós nunca tivemos uma explicação sobre o que aconteceu com as investigações, né?
– Honestamente, não acho que teremos. Está claro que eles estão escondendo algo de nós.
– Isso é verdade, e talvez mais um motivo para escondermos o que descobrimos deles.
– Exato, mas você parecia estar se divertindo com Amora.
Perguntou, já com um meio sorriso restaurado.
– Sim, mas agora vamos voltar a festejar o meu dia.
As coisas se acertaram quando os minutos se arrastaram.
Amora agora estava com um misto de sentimentos por Joshua, mas a pena estava vencendo. E também havia uma pontada de chateação.
Entretanto Joshua tinha conseguido prender a atenção de Amora desde que nos encontramos na academia até agora, por motivos diversos, mas ela não conseguia parar de olhá-lo. Algo nela com certeza estava começando a enxergá-lo de verdade, e não só como Posto Médico de atendimento rápido. E isso era perfeito.
Tanto para nós, quanto para ele.
Roman perguntou em meu ouvido.
Ele estava claramente nervoso.
Rodei meu corpo, fazendo seus braços que estavam na minha cintura roçarem na minha pele, e mirei meu olhar contra seu rosto.
– Completamente. Ainda mais com você tão perto me permitindo beijá-lo sempre que eu quiser. A uma esticada de pescoço.
– Então por que está falando em vez de me agarrar?
– Mais dois segundos, e... Pronto. Sem nenhuma criança de fraudas por perto.
Disse por mim já jogando meu corpo para frente, e inclinando a ponta do pé para arrancá-lo um beijo, me esquecendo totalmente de quem estava ganhando no minigolfe idiota.