CAPÍTULO XL: EXPERIMENTO
Faltavam dois dias para o natal, e as coisas finalmente começavam a se normalizar novamente. Se era o espírito do natal, eu não sei. Mas não iria contestar.
– Isso é mais chato que o sétimo filme de Harry Potter...
Lexa comentou se esparramando na mesa do laboratório para preparo de poções e receitas místicas.
– Por que suas analogias são sempre sobre adaptações cinematográficas de livros que você nunca leu?
– Para falar a verdade eu não sei, mas quando isso vai acabar? Tenho coisas importantes para fazer.
Disse ela enrolando o cabelo cacheado com os dedos fazendo cara de sono. Obviamente era uma mentira, não era necessário magia para descobrir isso.
– Só falta mais umas duas coisas e depois acrescentamos a beladona para nossa poção do sono. E se tiver sorte não vamos matar nenhum dos ratos.
Completei sorrindo, sentindo pena pelos ratinhos brancos que seriam usados nos testes. Mas o professor Garret havia jurado que eles não eram animais reais. Desprovidos assim de consciência e principalmente receptores de dor. Pequenas criaturas feitas pelo professor Siegfried para seus experimentos. Necromantes, alquimistas e intelectos – uma das categorias de magia das sombras – eram normalmente bruxos conhecidos como as figuras cientificas da nossa cultura.
– Okay, okay eu posso esperar.
O professor Garrett havia tido a brilhante ideia de nos ensinar poções do sono, nos formando em dupla como nas escolas convencionais.
Por causa do fato da poção precisar levar uma pitada de energia, tivemos que nos unir para fazê-la funcionar, forçando Joshua e Amora a construírem uma dupla reserva, o restante continuou com seus colegas de quarto atuais.
Perguntei enquanto tentava me lembrar o que era arsênico e o que era só cinzas de salgueiro.
Respondeu, estávamos falando claramente de Josh que deveria estar se saindo um pouco melhor que nós, já que fazer tudo sozinho estava dando um pouco mais de trabalho do que pensei.
O professor Garrett nos alertou da sua mesa, tocando uma sineta irritante, com seu sorriso incrivelmente lindo, mas também muito... Irritante.
– Você ouviu o homem, mãos à obra.
– Isso seria bem rápido se você ajudasse, e sabe disso.
– Eu sei, mas ninguém é perfeito. Não se martirize por não ser, agora, podemos?
Perguntou segurando as três pétalas da beladona antes de jogar na poção cor de rosa.
Lexa as deixou deslizar pela palma da mão e depois fizemos o que o professor nos ensinou, descarregamos uma pequena energia no líquido, como uma fagulha de eletricidade estática de nossos dedos que fez a poção ferver.
Disse ela por fim com um sorriso orgulhoso, que quase passava satisfação própria o que me fez a encarar de modo repreensivo.
Não demorou para que os outros terminassem suas poções também, então o professor se levantou de sua cadeira, que mais se parecia um trono e pegou de cada dupla um pequeno recipiente.
Birdy levantou a mão com uma expressão no rosto que parecia náuseas.
– Eles não vão sentir nada, né?
Perguntou se referindo aos ratinhos de teste.
– Eles não estão vivos, senhorita Cleawater. Tecnicamente não são nem animais de verdades, são construções de carbono, moldados na forma de ratos. É um feitiço alquímico. Bem simples para bruxos alquimistas, mas bem complicado para as outras classes de magia. Agora vamos aos testes.
Sete pequenas gaiolas, sete pequenos jarros, cada um colocado dentro de cada gaiola contendo um desses ratinhos branco falsos, totalmente despreocupados.
O primeiro ratinho a ter coragem de provar o conteúdo brilhante foi o que continha a poção de sono da dupla Rex-Skandar, o que nem foi irônico, o ratinho caiu murcho segundos depois de encostar o seu focinho dentro do jarro, mas o professor Garrett não expressou muita emoção, isso significava que eles tinham conseguido fazer a poção corretamente.
Depois foi a vez de Killian-Roman e outro sucesso, Lexa parabenizou Roman com um bater de palmas sutil e ele retribuiu sorrindo, Killian só fitava a mesa de mármore onde seus cotovelos descansavam. Roman e ele aparentemente haviam voltado ao normal, e isso era um grande avanço.
Birdy-Onika mataram seu ratinho de forma um tanto assustadora, já que assim que ele provou a poção ficou azul, rosa, verde, amarelo e depois convulsionou, antes de cair duro e morto. O rosto do professor Garrett era de confusão.
Samir-Zander foram além das garotas, já que seu ratinho explodiu assim que tomou a poção, o que fez a face do professor Garrett mostrar total surpresa de como uma poção do sono tinha tido aquele efeito.
Hazel-Hya foram a próxima dupla, e seu ratinho dormiu, mas logo ele começou a brilhar como uma lâmpada falsa, o que provavelmente era resultado de pó de diamante rosa ter sido misturado na poção. Propositalmente ou não.
Ambas se mostraram bastantes satisfeitas com aquilo.
Joshua-Amora foram os seguintes, e o ratinho a tomar sua poção dormiu calmamente.
E por fim fomos nós, que para desgosto de Rex, tivemos um efeito tão perfeito quanto o próprio.
– Como professor de vocês estou inclinado a querer saber como conseguiram explodir uma das espécimes, mas como pessoa presumo que será melhor não saber o porquê da falha. Mas por fim, foi quase perfeito. Alguma última pergunta, antes que eu dispense vocês para tomar uma dose dos meus whiskys secretos?
Hya levantou a mão assim que ele terminou de falar.
Lexa comentou mentalmente voltando a tomar alguma atenção na aula. Ela era outra que parecia distante. E quem era eu para questionar... Aquele que estava secretamente procurando o que estava tentando invadir e enlouquecer nossas mentes.
– Se esses fossem ratos reais, o senhor poderia trazê-los de volta dos mortos?
A pergunta dela despertou certa comoção. Feitiços de ressuscitação eram tabu na comunidade mística no geral.
– Devo salientar, senhorita Chamberlain, que a magia necessária para trazer algo morto de volta a vida não é a mesma que uso.
– Somente necromancia e magia de sangue tem poder para romper o véu dos mortos e trazer uma alma já perdida de volta a vida de forma correta e ilimitada. E como sabem não sou um necromante, e muito menos praticamente da magia proibida. Então nem mesmo meus poderes poderiam trazer essas coisinhas de volta a vida. Magia das sombras só pode trazer um corpo a vida temporariamente. E mesmo para isso é necessário circunstâncias especificas para conseguir algum nível de sucesso. Como a Lua de Sangue, por exemplo.
Mesmo me forçando a não fazer, meu olhar foi lançado a Josh quando meu cérebro ouviu o termo magia de sangue, por sorte como o professor Garrett mantinha sua aura de atração sempre ligada, ninguém conectou uma coisa à outra.
– Por que magia de sangue é tão poderosa?
Rex perguntou, tentando tomar as rédeas de uma conversa que ele provavelmente estava invejando não ter iniciado.
– É na verdade muito simples, senhor Holt. Magia de sangue usa a energia vital de seus sacrifícios para aumentar a magia de um bruxo, forçando esse poder ancestral a romper as regras da magia. Pois vida é a magia mais poderosa já criada e que nunca acaba de verdade. Só se transformar. Então ao usar a magia de sangue o bruxo tem controle da energia primaria da magia, essa fonte de energia não tem regras para modificar a realidade, então é capaz de fazer qualquer coisa se tiver poder suficiente. Porém, é uma fonte de energia que se esvai com muita facilidade, fazendo que seja necessário mais e mais sangue, por isso é considerada proibida. E esse tipo de poder sem regras corrompe mais rápido que qualquer coisa. Se tornando um vício, e quando se chega em certo estágio desse corrompimento, é quase impossível se livrar dele. Por causa desse motivo todos os Conselhos dos Clãs, sem exceção, condenam com a morte e maldições praticantes dessa arte proibida. Não importa qual grande ou pequeno seja aquele país, todos respeitam essa lei, seja por concordar com ela ou pela pressão que o Grande Conselho exerce sobre esse assunto. Considerando qualquer país que não castigue essa prática, como inimigo direto da nossa ordem.
E dessa vez nem mesmo o magnetismo do professor foi capaz de impedir as pessoas de olharem para Joshua, alguns disfarçadamente, ou tentando, e outros de forma incisiva e provocadora.
– Mas se magia de sangue pode trazer alguém a vida, e é considerada magia proibida, por que necromantes podem fazer o mesmo, sem as mesmas consequências?
– Pois eles nascem naturalmente ligados as linhas da vida e da morte. E conseguem transcender os reinos e resgatar uma alma. É trabalhoso, requer muito poder e treino, mas é algo que foi dado a eles para que seja usado como último recurso. Alguém que morreu deve continuar morto, é a regra universal. Em situações muito, muito raras devemos quebrar essa regra e requerer a necromancia para tal. Mas nem mesmo necromantes gostam de ficar trazendo pessoas à vida por qualquer motivo, eles preferem controlar os mortos de outras formas. É totalmente contra as leis da natureza trazer alguém de volta sem um grande motivo, e a natureza sabe bater de volta quando se sente desrespeitada, aconselho a não ofendê-la à toa. Estou falando sério.
Após mais algumas frases fomos liberados para o almoço, não que ver um rato explodir abra o apetite de alguém.
Killian estava novamente na nossa mesa, não conversava, mas prestava atenção na conversa. Isso era melhor que nada. Joshua parecia tentar tirar de si a vergonha que tinha se fincado nele, falando o nome de Amora a cada frase que saia de sua boca. Roman gostava muito de conversar com o Josh sobre isso. E ninguém melhor para aconselhá-lo, do que um rapaz que fosse realmente hétero.
– Será que teremos um teste de poções algum dia?
Lexa perguntou animada, ela claramente ainda mantinha suas referências literárias para conversa.
– Não sei – respondi – Não temos nem uma matéria especializada para isso. E a habilidade para fazer poções é algo raro.
– E não dá para saber só por aquela poção do sono, não é nenhum desafio.
Joshua completou se introduzindo ao assunto.
– Não que todos tenham conseguido realizar com sucesso.
Como Zander e Samir, que foram um fracasso.
Ambos eram alunos simplesmente regulares. Nada de muito excepcional vinha deles. Zander tinha o dom da invisibilidade, mas eu não me lembrava qual era o dom de Samir, ou se era algo interessante ou não. Os dois estavam sempre juntos, sem falar muito com os outros. Contudo eu não sabia o que se passava na cabeça deles, ou que segredos escondiam. Ninguém vinha para cá por acaso, talvez só não tiveram tempo para mostrar.
– No que está pensando com tanta força?
Lexa perguntou mastigando algo.
– Algum de vocês já começou a receber os presentes de natal? – Roman perguntou alegre igual a uma criança – Minha abuela já me mandou umas duas caixas com um monte de coisas.
– Vovó e vovô – Lexa respondeu – disseram que vão trazer os nossos quando chegarem no domingo. Não sei o que vou ganhar. Eu ficaria feliz com mais brigadeiro e biquínis.
Killian disse logo depois dele. Sendo sua primeira palavra desde o início dessa conversa a mais de vinte e cinco minutos atrás.
– Estou ansiosa para usar meu novo vestido. Fico tão fantástica nele.
– Você fica fantástica em qualquer coisa.
Roman galanteou. O que fez ela ficar meio vermelha, e Joshua rir.
– Nunca tem hora e nem lugar para um elogio bem-vindo.
Lexa tratou de dizer, olhando para Roman com aquele olhar cheio de segredos e pensamentos íntimos.
– Que tal "menos quando eu estiver comendo"?
Disse antes do bipe estranho soar.
Praticamente todos no refeitório levaram seus olhos para mim, e só então entendi que era o som do meu celular tocando.
Ele era algo que eu não utilizava a tanto tempo que havia me esquecido dele. Tê-lo no bolso era mais uma questão de um movimento automático de pegá-lo com a mão e colocá-lo ali, do que necessidade.
Peguei do meu bolso, sentindo o frio do metal do meu relógio de bolso, e vi a imagem de uma mensagem na tela, com o remetente do meu pai.
Disse sem acreditar no que lia.
Roman perguntou em seguida, sem fazer sentido.
– Não acho que presos possam mandar mensagens de texto.
– Você não sabe de nada Joshua, sabe de nada...
Roman voltou a comentar sorrindo.
– Papai – respondi a Lexa – Ele está cancelando sua presença no baile, por mensagem...
Lexa entoou embravecida, fazendo as bandejas da mesa tremerem.
E eu não conseguia acreditar como ele conseguia ser insensível e totalmente mau às vezes. Só restava saber se era proposital ou simplesmente seus neurônios não conseguiam se ligar com a parte paternal de seu cérebro.