Legado & Sina
June 18, 2023

CAPÍTULO XLI: FILHOS DO DIABO

Lexa

Acordei jogada no chão com todos outros, incluindo meu irmão. E aquilo poderia ser um efeito colateral ou um bônus, eu simplesmente não me importava.

– Math!

Gritei e seu corpo quase saltou do chão, despertando do que é que tivesse causado nosso desmaio.

– Lexa!

Exclamou comigo já me abraçando.

– Funcionou com vocês também?

Perguntei, mas meu irmão fez uma careta engraçada, ele não tinha como saber o que fizemos.

– Fizemos um feitiço para destruir as proteções. Joshua e Katerina... Foda-se. Você está bem? Todos estão bem?

Perguntei.

– Argh... Estamos. Quase todos na verdade. Conseguimos sair com um sacrifício.

Respondeu tentando mascarar o medo. Olhei ao redor tentando me reiterar, e todos começavam a acordar, mas havia um faltando.

– O que aconteceu com o Rex?

Perguntei, ele não era a minha pessoa favorita, como um dia Amora também não foi, mas ele estar morto não iria me alegrar em nada.

– Ele está bem. Eu acho. Ele teve que ficar para que pudéssemos sair. Mas eu prometi que o traria de volta quando isso acabasse. Todos prometeram, na verdade...

Disse ele até aquela mão nos separar e o agarrar.

– Nunca me senti tão assustado.

Disse Killian sem se preocupar se falava em voz baixa ou não.

Seu rosto estava soterrado no do meu irmão, e eu poderia jurar que sentia uma onda de alegria e alívio vindo do Killian a mim, mas não parecia possível.

– Eu te amo.

Disse meu irmão a ele, e aquilo o fez sorrir, pelo menos por alguns segundos. Ele segurou meu irmão pela cintura e o jogou para trás de seu corpo, vi Amora e Joshua pararem um abraço quase ao mesmo tempo.

– Não parem por mim, por favor.

Disse um rapaz de cabelos em tom preto. Só um pouco mais baixo e de olhos azuis. E aquilo era impossível.

– DANIEL?!

Disse Math sem reação.

– Seu ex-namorado?

Joshua perguntou se juntando a nós, Roman surgiu ao meu lado no mesmo instante.

– Ele é um bruxo também?

Jawantz perguntou.

– Não – Math respondeu ainda sem reação – Humano.

– O que está fazendo aqui?

Perguntei me pondo a frente.

– Muito prazer em finalmente conhecê-la, seu irmão demorou muito para me contar que tinha uma irmã gêmea, mas valeu à pena, sabe... A espera.

Havia aquele manto estranho sobre a aura dele, era vermelho e queimava, consumindo a energia vital dele mesmo.

– Ele está possuido!

Arfei, era a única explicação, e logo seus olhos brilharam em fogo rubro, eu estava certa.

– Ha-ha! – riu – Achei que fosse demorar mais tempo, pretendia me divertir um pouco mais. Porém, sim, sou um demônio possuindo esse corpo, há bastante tempo na verdade.

– Desde quando?

Math perguntou criando coragem para falar.

– Desde que você partiu da sua casa Matheus, não estava dentro dele antes disso. Só achei que ele iria servir, e bem ele serviu. E na verdade devo adiantar também que venho espionando vocês desde que entrei nesse corpo e feito alterações na sua vida.

Disse ele com leve tom sarcástico.

– Foi ele que matou a Demetria.

Disse Joshua em epifania

– Na verdade sim, senhor Strider, e mandei matar a sua colega Cecilly.

Acrescentou se divertindo.

– Você fez o que?

Tate perguntou gritando, envolto em pura raiva.

– Matei a sua preciosa namoradinha enquanto ela ainda era viva, não reclame tanto necropata, você nem prestou atenção nela quando era viva, talvez tenha gostado até mais por ela estar morta.

– Cale a boca!

Tate berrou sacando a arma e mirando na direção do Daniel possuído.

– Tate, não!

Matheus tentou alertar, mas Dan só precisou abanar a mão para uma rajada de ar quente nos acertar e nos lançar contra uma parede destruída atrás de nós.

Matheus

A força que nos atingiu não foi nada comparada com o soco no estômago e no meu cérebro que eu senti quando vi Dan ali parado.

Ele era o meu passado e meus antigos medos. E agora tudo aquilo que me machucava, não estava só de volta, mas também estava corrompido pelas forças que tentavam me matar.

Mas eu sabia que aquele não era o Daniel que conheci e me apaixonei, nem mesmo aquele Dan existia, esse estava morto, controlado por uma força demoníaca que iria e queria nos matar a qualquer custo.

Olhei rapidamente para cima, não havia teto, aparentemente ele tinha sido destruído. Já era noite o que significava que já estávamos aqui a mais de doze horas, mais tempo do que eu imaginava. O que parecia ser impossível, pois não parecia ter passado mais de uma hora, mas era bem provável que fosse verdade.

– Por que você as matou?

Lexa perguntou se levantando.

– Por vocês obviamente.

Respondeu rapidamente, sem precisar pensar nem por um segundo.

Olhei novamente para onde estávamos. Não era o mesmo lugar de antes, da primeira vez. Ele era imenso, mais até que o ginásio.

– Nós? O que quer dizer com isso?

Perguntei.

– Cecilly era a companheira de quarto da sua irmã e eu queria tirar sua estabilidade, tanto que a garota, Demetria, foi um efeito colateral. Ela não era o meu alvo, seu amigo amaldiçoado que era. Matar ele e a ela, iria destruir o equilíbrio de vocês, só que eu errei e acabei a matando por engano. Porém, errei mais do que poderia presumir na época já que vocês completam o maldito círculo.

Respondeu com certa pontada de ódio.

– Eu era o alvo?

Joshua perguntou surpreso, nós nunca tínhamos sequer ponderado essa hipótese.

– Ele é surdo?

– Não – Killian respondeu criando duas cimitarras, que eram espadas de fogo de lâmna curva mais larga na extremidade livre – Mas você vai ser quando eu cortar suas orelhas fora.

– Por favor, Matheus, como pode trocar esse corpinho por esse garoto sem sal?

O demônio perguntou com um sorriso cínico.

– Ele é mais do que você poderia ser, mesmo em mil vidas.

Retruquei cheio de ódio.

– Mil vidas? Querido, eu sou Paimon, o imperador do Oeste, filho de Astaroth, arquiduque e rei do purgatório. Tenho mais do que mil vidas e eu sou a promessa viva e meu destino aqui nessa terra é destruir os selos, e nada nem ninguém, muito menos seu patético círculo não pactuado e esses estudantes magricelas poderão se opor.

Gritou com uma voz que rangia dentro de mim, opressora e violenta. Eu conseguia sentir como se ele falasse na minha linguagem materna e em todos os idiomas ao mesmo tempo.

– Precisamos lutar ou vamos ser mortos sem nem mesmo tentar.

Disse Jawantz transformando seus braços em diamante.

– Lutar? Vocês acham mesmo que eu vou lutar com vocês? Vejam atrás de mim o selo que protege esse lugar – disse ele dando dois passos para o lado e lá estava um grande pedaço de rocha do tamanho do memorial dos falecidos com um grande círculo de pedra preso – Eu já destruí o guardião da igreja e estou quase a ponto de destruir o selo, bem aqui abaixo desse solo sagrado. Acha mesmo que preciso lutar com os vira-latas?

– Ou você luta conosco – disse criando coragem – ou desiste de tentar destruir tudo. Pois não vamos sair e não vamos ficar parados esperando.

– Okay então, quem não gosta de uma boa batalha antes da glória, mas me desculpem por não poder participar dela, pois preciso terminar de romper um selo antes.

Disse Paimon segundos antes desaparecer no ar e reaparecer na frente do selo, pressionando suas mãos contra o tablado circular e fazendo tudo chacoalhar.

– Agora!

Killian gritou e todos começamos a correr, mas foi em vão.

Pelo menos vinte demônios desceram do céu e caíram a nossa frente, bufando e rugindo.

Alguns tinham forma humanoide, outras pareciam animais, como bois e serpentes gigantes. Mas todos com aquelas peles marrons fumegantes e com aqueles olhos flamejantes cheios de uma escuridão intransponível.

– Samir...

Lexa tentou dizer, mas nem foi preciso, Samir escolheu atacar sozinho, lançando seu dom contra o demônio mais perto de nós, com tanta força que eu quase senti o caos que foi direcionado a ele escapar pelo ar.

Katerina e Killian foram os seguintes atacando e disparando.

Me segue.

Disse Lexa me agarrando pelo braço e começando a correr.

Estávamos a quinze metros da representação física do selo, enquanto Paimon, cravava suas garras na tela de energia que o protegia, fazendo tudo brilhar em tons de vermelho e preto. Seu poder era realmente maior do que eu poderia imaginar, principalmente se era verdade o fato dele ser o filho do rei.

Tentei saltar uma pilha de escombros, mas o demônio com formato de serpente surgiu do chão e abriu a boca cheia de presas na direção das nossas cabeças.

Lexa e eu estendemos nossas mãos assim que tivemos a oportunidade de pensar e conjuramos.

Persagitta ignem!

E a flecha de energia verde o atingiu o fazendo cair no chão, se balançando confuso, mas ainda totalmente vivo.

– Não pare! Temos que impedi-lo!

Gritei a ela, sem saber o porquê de tudo aquilo dentro de mim.

Lexa

Se antes de estar frente a frente com tantos demônios eu já achava tudo isso perigoso demais para qualquer um, agora eu tinha total certeza.

Meu irmão e eu corríamos para tentar impedir Paimon de liberar o primeiro estágio do mal no mundo, enquanto Roman e Katerina criavam raios e relâmpagos que explodiam o chão e faziam tudo tremer novamente e Killian e Samir não só provocavam, mas dançavam pelo caos.

Tate disparava raios luminosos a partir do corpo de Jawantz, enquanto Amora e Joshua lançavam feitiços ofensivos em conjunto e minha mente zunia a cada maldito guinchar.

– Temos que ser mais rápidos

Disse a meu irmão focando meus olhos nos dele e ele entendeu, agarrando meus braços com todas as forças.

Mutatio locus.

Dissemos sentindo a energia nos rodear e nos levar de um ponto para o outro em um passar de segundo.

O feitiço nos levou para exatamente atrás das costas de Paimon, e assim que me senti sólida novamente prendi uma faca de prata em suas costas, já que não tinha certeza se conseguia atravessar seu crânio. Pois eu tinha que admitir, estava cansada, e praticamente sem forças.

– Seus filhos de uma...

Gritou ele parando de atacar o selo.

Mas não tivemos tempo para comemorar, algo nos agarrou pela barriga e nos lançou para trás. Desvencilhando meu corpo do meu irmão e a energia que nos envolvia sumir.

O ar massageava minhas costas e tudo começava a andar devagar, quando toquei o chão a dor religou minha mente e só tive tempo de rolar para lado, antes de mais um demônio tentar penetrar as garras contra meu estômago.

Seu braço, que tinha uma enorme garra sobressaltada ficou preso, então levei toda minha telecinese a agarrar sua cabeça e esmagá-la no chão. Foram necessárias três tentativas para que ela explodisse. Parte pelo chão de concreto e outra pela raiva.

– Onde está o seu irmão?

Amora perguntou me levantando.

Sua aura mostrava o quanto ela estava fraca.

– Do outro lado.

Disse apontando sem olhar, eu o sentia em qualquer direção.

– Fique com ele!

Disse ela antes de me empurrar com toda a força pelo ar na direção do meu irmão.

– Amora, espera...

Tentei dizer, algo estava errado com ela, mas quando terminei de falar já estava junto do Matheus.

– Preciso de uma arma.

Disse Math me agarrando pelas costas para que eu não o acertasse ou a parede.

– Tem mais uma na minha mochila.

Disse levitando duas rochas grandes, provavelmente vindas do antigo teto e as lançando contra um demônio rastejador, como o que nos matamos para quebrar as proteções. Esse morreu bem mais rápido.

Math pegou a arma e começou a atirar, alternando entre a arma e a telecinese.

– Temos que voltar lá.

Disse depois de lançar mais duas rochas. Aquele maldito treinamento estava realmente dado alguma ajuda agora, mas minha energia iria acabar em alguma hora.

Demorei para perceber que havia chuva, então percebi que era tanto algo bom quanto ruim.

Roman estava criando uma tempestade ainda maior do que a de raios, pois havia vento também, mas ele logo deveria perder a consciência e não sabíamos todos os efeitos disso.

– Vamos tentar de novo...

Comentei antes de algo bem forte me acertar por trás e tudo ficar preto.

Cai no chão sem forças, e tudo ficou mudo e calmo por um tempo.

Senti alguém me puxar pela camisa, mas não me importei. Estava tão dopada pela pancada que tudo parecia confortável e aceitável.

– Lexa, acorda!

Disse Joshua berrando no meu rosto.

Senti uma onda de energia me atravessar por inteira e minhas forças se renovarem. Tive que forçar todo meu cérebro para empurrar Joshua para trás, pois eu sabia que para aquilo estar acontecendo, ele teria que estar me curando e isso causava um custo maior nele do que em mim.

Assim que nossos corpos se separaram uma cortina de chamas preencheu o lugar, por sorte minha telecinese se ativou tão rápido quanto os músculos do meu rosto. Quando as chamas terminaram Joshua já não estava mais lá, estava correndo em outra direção.

Samir estava deitado no chão inconsciente, sua aura era fraca e quase apagada, mas estava viva, eu sentia que sim, então o empurrei para o canto mais afastado que consegui para protegê-lo.

– VEM!

Disse Math me tocando nos ombros, e nenhum de nós teve reação para cena seguinte.

Jawantz e Killian atacavam o maior demônio que eu já tinha visto na vida, entre eles estava Skandar com a perna sangrando sem conseguir sair do chão.

Killian saltou no ar e cravou sua espada nas costas do demônio e Jawantz conjurou o feitiço do fogo branco que o acertou no rosto. O demônio tinha uma calda com espinhos de ossos, e ele a sibilou no ar sem que os dois percebessem.

Killian tentou parar a calda com seu chicote, mas era tarde demais, a força do demônio era muito maior, e ele acertou Jawantz no estômago, e eu quase senti em mim. Pois um dos espinhos atravessou seu estômago e suas costas.

E então eu entendi o que era aquilo que eu tinha visto antes.

Sua aura totalmente negra e sem vida. Era um alerta do que iria acontecer com ele. E era uma habilidade que eu nem sabia se realmente queria ter.

Meu corpo virou sozinho, sentindo a dor de outra pessoa, alguém que depois do meu irmão, era praticamente ligada a mim.

Então Amora gritou, com tanta força que eu podia jurar que ela era uma banshee completa, sentindo a morte de Jawantz ecoar dentro dela.

Matheus

O grito estridente de Amora nos atravessou em cheio nos fazendo cair no chão de joelhos. Era como sentir o som se transformar em terror dentro de nós, e as energias do meu corpo partirem, mas o resultado contra os demônios era ainda pior, pois a rajada sônica atingiu o assassino de Jawantz fazendo sua pele marrom escurecer e secar até ele se tornar uma rocha seca e explodir.

Amora caiu de joelhos no chão, praticamente branca logo depois. Com a mecha prateada do seu cabelo agora maior e extensa. Esse era o lamento da carpideira em todo seu potencial.

Os demônios que sobraram ficaram parados sem saber como reagir, o grito dela também tinha os afetado.

Katerina saiu do chão e agarrou um dos demônios pouco maior que ela e ambos se tornaram um raio de luz, era pura e total eletricidade.

Vi Roman descer do céu e se chocar com dois demônios serpentes os agarrando pelo corpo como na lenda de Hércules e os esmagando com um feitiço que fez uma pequena cratera surgir onde ele estava.

Duas cabeças de demônio rasgaram o ar com o fogo da fênix queimando nelas, e mais uma granada de fumaça de prata, lançada por Tate, acertou o restante. E finalmente todos os demônios que tinham se levantado contra nós tinham morrido.

– Olhe para nós!

Gritei, trazendo toda a atenção de Paimon para mim.

O tablado de pedra que era o selo estava com uma enorme rachadura, e só mais um pouco Paimon conseguiria rompê-lo, tínhamos que nos unir agora, ou não conseguiríamos. Mas a conexão ainda não tinha surgido, não havia outro jeito a não ser protelar até que ela ocorresse.

– Nós vamos lutar contra você e mais quantos você jogar contra nós!

Lexa vociferou e Paimon finalmente estava começando a se irritar conosco.

– Nós nunca vamos desistir!

Killian foi o próximo.

– Mande o seu melhor, vamos impedir tudo.

Disse Roman o completando, mas Paimon não parecia nenhum um pouco assustado. Na verdade ele estava trocando sua expressão de irritação por diversão.

– Isso é o melhor de vocês?

Perguntou olhando em nossa direção.

Tentei não fazer, mas meu olhar me traiu. Só restava sete de nós agora, e éramos doze no início.

Samir estava desmaiado ao longe, Skandar também com a perna quebrada. Jawantz estava morto, e Katerina não conseguia se levantar, e somente nós seis e Tate continuávamos em pé. E isso era quase nada.

Mas era tudo o que essa cidade tinha agora.

– Vamos continuar lutando.

Amora arfou entre lágrimas, mas meu olhar foi para Joshua.

Me perguntei se a morte de Jawantz tinha tido o mesmo efeito em Josh do que a de Demetria. Se tinha, ele se esforçava para não mostrar.

– Tem certeza doce Amora? Pois você não me parece bem. Por que pelo que me recordo, faz o que, um dia? Dois? Ou talvez três. Você se esqueceu de tomar no dia anterior do aniversário do Killian?

E estava claro no que ele se referia agora. As injeções de insulina.

– Amora, quando foi a última vez que você as tomou?

Lexa perguntou se virando contra ela preocupada.

– Estou bem.

Disse ela totalmente exausta.

Joshua tentou dar um passo na sua direção, mas ela o impediu com a mão, ele tentaria curá-la, mas não dava para curar a diabetes com o poder dele. Era uma doença que já fazia parte dela por completo, era preciso mais.

– Não está querida, e você sabe. E vocês também estão logo atrás, falando sério.

Completou Paimon, adorando tudo que via e tirava de nós.

– Não vamos desistir, temos amigos nos esperando, e amigos que morreram. Vamos ajudá-los e vingá-los, entendeu?

Acrescentei, ele não iria nos fazer se abalar, não mais do que já estávamos.

– Talvez esse seja o legado e a sina de todos os heróis, meu querido Matheus, e mesmo que você tenha amadurecido muito desde a época em que o conheceu – disse apontando para o corpo que possuía – Vocês ainda são um bando de crianças em uma jornada suicida.

– Não fale com ele.

Killian ordenou segurando a minha mão.

– Não interrompa garoto-fênix, tenho uma conversa a tratar com esses dois. Eu iria adiar para depois do rompimento do selo, mas ainda tenho tempo.

Acrescentou enquanto dois demônios-serpentes surgiam do chão, cravando suas presas contra o tablado de pedra, realizando o trabalho de Paimon para ele.

– Agora nos deem licença.

Disse ele abanando a mão no ar.

Todos, com exceção da minha irmã e eu, foram lançados para trás e seus corpos se prenderam contra as paredes em escombros.

Tentei agarrar a mão da minha irmã antes que fosse tarde, mas Paimon não nos deixou, nos levitando no ar pelos pescoços e nos trazendo até perto dele.

– Essa conversa é meio que particular.

Disse ele, então olhei rapidamente para trás.

Não dava para saber se os outros estavam realmente acordados e nos ouvindo, por causa da topada que deveriam ter levado em suas cabeças, mas Tate e Katerina com certeza tinham desmaiado com impacto.

Lexa

– Nós sempre ficamos nos imaginando se por acaso vocês ou seus ancestrais desconfiavam de alguma coisa.

Disse ele nos encarando nos olhos, quase querendo entrar dentro de nós.

– Desconfiamos do que?

Perguntei confuso sem entender o que nós e nossos ancestrais tínhamos ver com a próxima loucura que fosse sair da sua boca, querendo na verdade arrancar sua língua com os dentes.

– De toda a verdade sobre vocês, é claro.

Respondeu antes de cravar as garras contras minha barriga.

Tentei cerrar os dentes para não gritar. Algumas garras pequenas não eram nada comparadas ao que Jawantz tinha passado e eu não iria gritar por isso. Não poderia, seria desonroso com ele.

– Solte ela!

Matheus ordenou e Paimon obedeceu sorrindo.

– Você vai nos matar ou não?

Perguntei fraca demais para reagir com outra coisa.

– Claro que não.

Respondeu e aquilo me surpreendeu por completo.

– Vai nos torturar primeiro?

Matheus perguntou cheio de ódio, mas eu poderia jurar que tinha mais alguma coisa acontecendo.

– Math, Math, Math... – comentou ainda rindo – Vocês não entendem, não é? Nunca entenderam a real razão de serem tão poderosos esse tempo todo. Vocês são muito mais do que imaginam. Mais até do que simples bruxos gêmeos.

– O que quer dizer com isso? Qual é o seu plano?

Perguntei sentindo um pouco de sangue escorrer pela minha boca.

– Vocês não acreditam realmente que tudo isso é só pela cidade, não é? – perguntou andando de lá para cá, mas nenhum de nós dois sabíamos como responder aquilo – Pelo rei! – exclamou surpreso – Que mentiras devem ter contado para vocês seis.

– Nós diga a verdade então.

Comentei sorrindo e isso o irritou.

– Claro minha querida guerreira. Astaroth, meu mestre e senhor, não quer só a cidade e o que a há nela. Ele quer o prêmio máximo. ELE QUER VOCÊS!

– O QUE!?

Perguntamos em uníssono.

Aquilo fazia muito menos sentido do que todo o resto que estávamos acostumados a não entender.

– Não conseguem nem acreditar na honra que é isso, não é?

Paimon comentou, ele parecia cheio de soberba agora.

– Por que ele nós quer?

Math perguntou, dessa vez sem raiva, mas com medo na voz.

– Porque ele quer aquilo que é dele por direito. Seus descendentes.

– Do que você está falando Paimon?

Perguntei confusa, era impossível essa informação.

– Astaroth sempre quis o demônio perfeito, como todo monarca. A raça suprema ao seu comando, para que ele assim pudesse governar, mas sempre existiram vocês, imundos e cheios de magia e milagres sem fim. Os nossos inimigos naturais desde o início dos tempos. Não importava o quanto ficássemos mais fortes, sua capacidade de mudar e influênciar a realidade sempre nos impedia, então ele queria isso para nós também. E principalmente para si. E ele fez. Dois mil anos atrás, e esperou até agora.

– Você é mais louco do que eu pensei.

Math retrucou.

Ele não acreditava mais do que eu naquela história absurda. Era como os contos de fadas e os desenhos de sábado de manhã. Eram mentiras.

– Não, mas vocês são. Loucos e poderosos. Está no seu sangue, e sempre esteve. Um presente do pai de vocês, já que ele carrega o DNA mestiço.

– O que está no nosso sangue?

Perguntei com tanto medo da resposta quanto tinha de morrer.

– O sangue de Astaroth, o sangue do nosso rei!

– NÃO!

Gritamos com olhos sobressaltados.

Aquilo nunca poderia ser verdade.

Uma força dentro de nós aqueceu e explodiu. Um tornado de emoções controversas preenchia as lacunas dos nossos pensamentos, e mesmo sem nos tocar eu conseguia sentir meu irmão em mim e eu nele, era nossa natureza real e não aquela.

A força que agora surgia em nós rompeu a telecinese de Paimon e nos libertou, a aos outros também, mas ele não mostrava medo, mas sim orgulho por ter sido vencido, e ele não estava longe dessa verdade.

– Não somos o que você acha que somos.

Disse com olhos cheios de poder.

– E não vamos ser o que você quer que nós sejamos.

Math completou.

Porque estamos todos aqui. Somos um só.
Disse Joshua em nossas mentes, e finalmente a conexão estava ali. Feita e completa, como se sempre tivesse existido. Era parte do que realmente éramos.

– Não vai adiantar, unir-se não vai adiantar em nada. Vocês ainda são quem são e se tornarão o que nasceram para se tornar.

Disse ele, trocando o orgulho por um novo tipo de medo.

– Você não manda em nós.

Math retrucou.

Pois sangue não é destino.

Disse Joshua sussurrando nos caminhos da minha mente, e a sensação de um fino corte na minha mão direita ocorreu.

Sangue não é família.

Disse Roman, e novamente senti um corte, dessa vez descendo pela mão até perto do pulso.

Sangue não é amor.

Killian exclamou.

Sangue não é uma maldição.

Amora acrescentou.

E agora era nossa vez e eu sabia o que tínhamos que fazer e o que tínhamos de falar. Porque meu irmão e eu estávamos unidos como nunca estivemos. E fizemos, um como o reflexo do outro, agarrando uma pedra e rasgando a pele da palma de nossas mãos.

– Porque sangue, não é nada!

E tudo mudou.

Matheus

A energia que nos envolveu em seguida não era nada do que eu poderia esperar. Não era branda e nem brutal. Não era raiva ou ódio. Nem amor ou alegria. Era pura e consciente. Era a força primal da magia.

Meu corpo, meu sangue, minha alma, minha mente. Nada era mais única ou simplesmente partilhado com a minha irmã. Era a estranha nova sensação, de ser finalmente um com tudo e todos.

– Você pode se considerar derrotado, cara.

Disse Roman agora do lado da Lexa.

– Unidos ou não, vocês não podem me impedir.

Gritou se virando contra o selo e cravando suas duas garras entre as cabeças dos demônios serpentes e a energia que emanava.

A minha visão foi pintada de vermelho e tudo parecia instável como em uma fusão nuclear, mas a nova força que nos rodeava, era maior.

– VOLTE PARA O INFERNO!

Gritei e todos me seguiram, agarrando Paimon com as nossas mãos e disparando nele toda a nova energia que nos tínhamos criado.

Seu corpo se incendiou como um meteoro laranja, mas o fogo não nos queimava ou incomodava, mas o feria com absoluta certeza, contorcendo o corpo que já tinha sido humano um dia. Enfim o largamos e ele finalmente se estilhaçou em dezenas de pedaços.

– Conseguimos!

Lexa gritou pulando, ela parecia curada. Ou melhor todos parecíamos. Melhor até que antes.

– Não, não conseguimos.

Joshua acrescentou.

Ele era o único fitando o selo agora, mas não foi necessário olhar, só ouvir a rachadura final ocorrer. Paimon tinha conseguido e o selo tinha sido rompido.

Consegui virar somente a tempo de ver o selo virar pó e um enorme feixe de energia amarela rasgar o ar em direção aos céus criando o último e definitivo terremoto.

– Isso nunca vai parar de tremer?

Lexa perguntou gritando, ela tinha voltado a ficar nervosa.

– Temos que impedir a energia que está vazando.

Disse Amora sem conseguir olhar diretamente para a fonte da luz.

– Podemos absorver energia?

Joshua perguntou para Killian e para mim, mas eu não sabia.

– Nós não, mas os fantasmas podem.

Disse Lexa desconsertada mirando seu olhar em Tate, ele ainda estava desacordado como todo mundo.

– Pode funcionar, mas tem que ser logo. Nem o feitiço do invisível vai conseguir impedir isso, é energia pura. Talvez concentrada aí por um século e meio.

Killian acrescentou e Roman concordou com ele com a cabeça.

Joshua se jogou no chão e agarrou Tate, e o brilho da cura ocorreu, e ele despertou desorientado.

– Tate, precisa evocar os espíritos para cá. Agora, eles têm que controlar isso!

Disse Lexa despejando tudo sobre Tate que olhava estático para todas as novidades.

– Não sei se posso fazer isso.

Disse ele recobrando a consciência.

– Você já fez uma vez, pode fazer de novo.

Amora comentou.

– Vocês já me contaram isso, mas não quer dizer que eu realmente lembre.

– Eu posso ajudar.

Disse antes de agarrar a cabeça dele e fechar os olhos.

Recebi uma enxurrada de informações da sua mente de uma vez, porém as impedi de continuar como nunca tinha feito. Simplesmente mandando-as parar. Concentrei nas minhas lembranças sobre aquele dia e as reais memórias perdidas de Tate surgiram completando as minhas, então o larguei.

– Se lembra agora?

Perguntei, ele fez que sim com um aceno e se levantou.

– Então pode fazer ou precisa de ajuda?

Killian perguntou agora sem sua espada, ele se referia a emprestar energia.

– Só preciso que me prometam uma coisa.

Disse ele olhando na direção do feixe de energia.

– O que?

Lexa perguntou.

– ME CUREM ANTES QUE EU MORRA.

Gritou já correndo e retirando uma adaga do cinto.

E eu sabia o que ele iria fazer.

Tate correu até o feixe de luz e se jogou no chão, não vi o que ele estava fazendo, mas eu via pela minha mente o que ele tinha pretendido arriscar fazer.

Uma grande poça de sangue apareceu abaixo do seu corpo ajoelhado ao pilar de rocha, Tate começou a vibrar e brilhar, como névoa em tom verdemar, novamente se pondo em um estágio entre a vida e a morte, se ligando a esse mundo e o outro, e não demorou para que a primeira deles surgisse.

Cecilly.

E depois vários outros, muito mais do que eu poderia contar. Surgindo tão rápido e de forma tão esmagadora que eles atravessavam nossos corpos como carros de corrida. Então era vez do selo rompido recebê-los, e todos, sem exceção se lançaram contra ele. Como tinham tentado fazer conosco naquele dia. Só que dessa vez eles conseguiram.

– Façam uma barreira, protejam os outros.

Disse Killian antes do feixe se descontrolar e a luz amarela invadir todo o salão subterrâneo.