Fumaça & Cinzas
May 6, 2022

CAPÍTULO XXXIII: DIA DE SOL

Matheus

Como em todo fim de semana as luzes só se acenderam bem depois das seis, e tudo parecia como antes, úmido e chuvoso. Bem, era assim que eu achava até perceber que minha irmã tinha levantado antes de mim.

SOL!

Gritou Lexa mentalmente.

Meus olhos ainda estavam um pouco fechados, mas Josh estava em pé lendo um bilhete que deveria ter surgido na nossa porta à noite.

– Temos um dia de sol.

Disse ele com muito menos empolgação que Lexa.

– Do que vocês estão falando?

Perguntei confuso.

– Aparentemente ganhamos um dia de sol para relaxarmos as margens do lago. Aqui também diz que temos roupa de banho nos guarda-roupas e todo tipo de coisa nos esperando lá no lago. E que é para nos arrumarmos e irmos para lá depois do café da manhã.

– Um presente? Para gente?

Perguntei incrédulo.

– Sim, para as duas turmas na verdade, mas sim.

E aquilo tudo parecia como um dia de neve, onde as crianças ficavam em casa em alegria pura, por não ter aula, como nos filmes que eu via de tarde na TV. O que teria muito mais sentindo já que estávamos na metade de dezembro num país que realmente nevava, diferente do Brasil, porém, um dia de sol depois de quase uma semana e meia de chuva sem fim era algo a se festejar de qualquer maneira.

O problema era que o sol envolvia pouca roupa e pouca roupa envolvia muitos problemas.

MATHEUS!

Eu sei, eu sei. Já vi. Pare de gritar tão cedo.

Desculpa, bom dia. SOL!

Pensou ela por fim antes que eu a bloqueasse mentalmente, exigia certo esforço fazer a mente dela a se desligar da minha, mas eu estava acostumado a erguer muros.

– Nós vamos?

Josh perguntou.

Mas antes de responder peguei o papel de sua mão e li, sentindo ainda uma pontada da emoção de Lexa batendo em meus pensamentos.

– Como se tivéssemos alternativa.

Respondi por fim.

Mas era isso ou passar mais um dia preso dentro dos dormitórios ao som de chuva batendo no telhado. Nesse caso, metaforicamente.

Lexa

Claramente havia uma parte da minha cabeça usando isso como meio de esquecer o que tinha acontecido comigo e Amora, e sinceramente eu poderia fazer isso o dia todo, sem problema nenhum.

– Rápido, gente...

Supliquei assim que terminei de comer meu café da manhã.

– Estou comendo o mais rápido que posso.

Math retrucou tentando devorar sua maçã matinal.

Killian estava do seu lado direito, e Joshua do esquerdo, deixando os outros dois lugares para Roman e eu. E com certeza tinha algo diferente entre meu irmão e nosso ruivo favorito, mesmo que no dia eu tivesse certeza do que senti vindo de Killian, hoje essa certeza estava abalada. Mesmo com os sinais claros, aquela simples fração de segundo que se abriu para que eu pudesse saber o que ele sentia tinha somente me confundido mais. Mas ainda sim, eu não colocaria minhas cartas fora para esses dois.

– Estou tão animada.

Declarei por fim.

– Nós sabemos.

Disseram os quatro em uníssono, mas nada tiraria minha alegria regada a sol e água.

Nem a leve dor que se estalava na parte frontal dos meus olhos.

– É só sol.

Joshua acrescentou.

– É mais do que isso Joshua, é vida. Principalmente uma mais seca.

Declarei revirando os olhos.

– Você vai se molhar intencionalmente, como isso pode ser mais seco?

Roman perguntou terminando o último sanduíche indo direto para seu shake de proteínas.

– Que tal vocês pararem de serem tão literais e andarem logo? Obrigada.

Declarei me levantando e saindo da mesa, em um último incentivo forçado.

Matheus

Escovamos os dentes, tomamos banho e tentamos comer o café da manhã que foi totalmente impedido por Lexa que parecia estranha, tentando esconder algo com a animação desvairada.

Rápido! Rápido! Rápido!

Gritou ela novamente na minha cabeça, conseguindo ultrapassar uma brecha nos muros.

– Ela está gritando novamente?

Josh perguntou enquanto colocava o calção de banho, de costas para mim. Ele quase sempre parecia nervoso de se trocar na frente dos outros rapazes, mas estranhamente se sentia confortável de fazer isso na minha frente, quase diariamente.

– Sim. Esse lance de elo telepático é legal, mas perde a graça quando eu não quero ela na minha cabeça gritando a cada cinco segundos.

– Acha que Amora vai estar lá?

Perguntou tentando soar em tom casual.

– Provável.

Principalmente porque esse era o assunto da manhã. Mas para ter certeza eu teria que perguntar a Lexa, e isso significava abrir os muros e deixá-la entrar e gritar, e eu preferia esperar.

Peguei meus óculos de sol e me preparei parado a frente da porta do nosso quarto.

– Lago, por favor.

Disse normalmente.

– Essas portas vão nos tornar sedentários.

Joshua acrescentou antes de passar pela abertura criada pela porta que se desfez como sempre. Fomos pegos de surpresa pela rajada de calor, e meus olhos estavam desacostumado ao brilho do sol da manhã, então coloquei os óculos no rosto.

Todo mundo já parecia estar aqui fora, a primeira coisa que reparei por outro lado não foram as boias, e sim a construção de madeira no meio do lago que não existia ontem, e as construções que haviam surgido nos dias de chuva, essa que Lexa chamava de casas-cogumelo, tinham simplesmente sumido. Como se esse lugar inteiro se adaptasse, ou coisa do tipo.

– Vocês demoraram.

Disse Roman atrás de nós, nos fazendo virar para trás.

Joshua e eu vestíamos os calções de banho que achamos no guarda-roupa. Já que nenhum de nós dois tínhamos imaginado uma situação parecida quando preparamos nossas malas para vir morar aqui.

Os calções que iam até metade de nossas cochas eram pretos com listras cinzas e o brasão da academia – nada de mais – porém, Roman e Killian pareciam estar preparados para tal.

Mas isso não era importante, e sim a reação que meu corpo fazia sempre que via Killian sem camisa, com seus músculos delineados no tórax.

A pele de Killian tinha um leve tom de laranja que se adaptava bem tanto ao clima frio quanto ensolarado, já o tom marrom da pele de Roman se destacava facilmente.

Diferente da maioria eu vestia uma regata, só por precaução.

Oh, Deus! Como ele é gostoso...

Lexa acrescentou em minha mente, claramente se referindo a Roman, o quase gigante feito de braços enormes e músculos protuberantes. Mas não era nele que minha mente se concentrava, não mesmo.

Sim, ele é.

Respondi, sem perceber. Mas ela também sabia de quem eu estava falando.

E logo alguém correu por nós, e aquilo me fez quase saltar para lado.

– Você não consegue ser normal por cinco minutos?

Roman perguntou de um jeito tão calmo que não consegui ver a pergunta como ofensa. Só então percebi que Josh tinha respondido a primeira pergunta dele enquanto eu viajava na excitação adolescente.

– Não.

Respondi com um sorriso, não havia como discutir, era uma verdade inevitável e indiscutível.

Lexa

Os meninos tinham chegados todos ao mesmo tempo. E como aquelas visões eram bem-vindas aos meus olhos... Depois de tantas camadas de roupas cobrindo tudo que era pele alheia eu estava totalmente apta a ver um pouco dela, corar ao sol. Principalmente a minha.

A maioria dos alunos estava tão contente quanto eu, o que só me deixava ainda mais animada. Tirando poucas exceções presumíveis.

A oportunidade também era perfeita para eu poder analisar um pouco mais dos outros alunos, a qual eu tinha pouquíssimo conhecimento. A grande verdade é que eu tinha ignorado qualquer um que não fosse estritamente necessário, para que eu pudesse absorver o máximo de todo resto, o que deixava meu irmão ainda mais irritado comigo. O que de certa forma era engraçado.

Ver como Math reagia a Killian também era saboroso, e intrigante.

Joshua era claro de se ler, suas reações e emoções eram quase sempre as mesmas. E seu instinto para ajudar todos ao redor era o que mais me chamava atenção. E sua curiosidade também.

Roman por outro lado era o mais fácil de todos para se ler, pois ele era um livro aberto. Suas expressões faciais nunca escondiam meias verdades ou segredos.

E então tínhamos Killian, seu rosto era quase sempre imparcial. Seu sorriso nunca dizia nada. Seu olhar parecia estar analisando tudo e todos em um raio de trezentos e sessenta graus o tempo todo. Mas com o mesmo foco de um felino pronto para atacar ou o de uma serpente para dar o bote.

Matheus

Eu não ia a festas cheias muito menos a praia, ou nesse caso, lago. Não porque tinha vergonha do meu corpo ou nada do tipo. Não tinha músculos desenhados como Roman, Rex ou Killian, nem de perto. Mas era muita... Muita pele exposta. Quase gritando ao se esbarrarem, e aquilo causava certo enjôo e repulsa na minha cabeça às vezes.

– Você vai entrar?

Killian perguntou, se locomovendo para minha frente, enquanto Roman e Josh se aproximavam de Lexa alguns metros atrás de nós, já perto do lago.

– Talvez. Quem sabe. Provavelmente não.

Confessei por fim.

E ele riu, foi rápido e fraco, mas riu.

– Mas você vai?

Perguntei curioso, imaginando seu corpo saindo da margem do lago, com naqueles comerciais de perfume em preto e branco.

– Eu posso não produzir as chamas, mas elas não se apagam tão facilmente.

Disse ele em resposta.

Assim que chegamos à margem do lago a maior parte dos garotos já estava na água e algumas garotas da outra turma, como Katerina, a garota loira que sempre encarava todo mundo e Zita, a baixinha de origem húngara.

– Vamos logo, lerdo.

Disse Lexa agarrando minha mão. Ela vestia um biquíni rosa que era de longe o mais justo de todos que consegui avistar.

– Onde conseguiu isso?

Perguntei fitando seu corpo todo.

Lexa tinha curvas feitas, mas um busto modesto, e uma altura por volta de um metro e setenta, dez centímetros a menos que eu.

– Papai me deu um biquíni que ele comprou em uma das visitas ao Brasil, um ano atrás.

– Por que o papai te daria isso?

Disse incrédulo.

– Eu pedi a ele quando ele me contou que estava perto de casa para comprar um quadro novo, e como bem sabemos, ele pediu a alguém, para pedir a alguém, que mandou outra pessoa comprar e embrulhar, então ele nem deve ter visto o biquíni antes de assinar o cartão e mandar para mim.

– Você poderia usar essa mente de gênio do mal nos trabalhos de Teoria e Conceito, como os dos feitiços lunares que temos que fazer.

– É, eu poderia. Mas agora eu quero sol.

Disse ela um pouco alto demais, de relance consegui ver Josh hipnotizado então achei o alvo do seu olhar.

Amora.

Ela usava um maiô preto aberto nas costas mostrando um corpo muito parecido com o da Lexa, se não fosse a palidez que eu e minha irmã despenhávamos, e o fato dela ser mais baixa que minha irmã.

Os cabelos enrolados de Amora estavam soltos sem a de costume touca cinza. Eles eram castanhos e tinham um brilho muito bonito.

– Ele realmente precisa parar de encarar desse jeito.

Roman disse atrás de mim, e depois duas boias pretas gigantes voaram acima da minha cabeça, caindo na água.

– Se você e Killian conseguirem convencê-lo a falar com a Amora, eu ficaria imensamente agradecido.

Comentei.

– Eu posso ajudar, mas Killian não está em um barco muito diferente.

Completou sorrindo de forma estranha e depois correu, pegando Lexa em seus braços, em direção a água.

Vetei os pensamentos que surgiram na minha mente e tentei arrumar algo para fazer que não fosse voltar para o meu quarto e ler um livro para passar o tempo.

– Como um lago tem ondas?

Joshua perguntou voltando a ficar perto de mim.

Voltei a olhar para quem estava dentro d'água até descobrir a resposta para pergunta.

– Rex – dissemos em uníssono – Ele pode ser um idiota, mas tem um ótimo controle do seu dom.

Rex estava sentada em cima de uma bolha de água no meio do lago, mexendo sua mão no ar, provocando as ondulações na água.

Não vai entrar?

Lexa perguntou.

Depois, divirta-se com o Roman.

Disse, perdendo-os de vista logo depois quando mergulharam nas águas quase transparentes do lago.

Lexa

Mesmo que eu estivesse escondendo bem, parte de mim não gostava daquela atuação. De manter segredos do meu irmão, mas eu também não sabia o que contar direito. Pois não entendia o que tinha realmente acontecido.

Amora havia me feito prometer não contar e eu também não queria que eles achassem que eu possua algum elo psíquico com ela, não mesmo. Mas eu também queria saber o como e o porquê daquilo ter acontecido.

Então aquelas duas mãos grandes e pesadas fizeram força sobre meus ombros me empurrando para debaixo d'água.

Agora embaixo da camada de luz solar que refletia na água eu podia ver o calção florido de Roman com tulipas e girassóis, que poderiam ser propositais e suas coxas grossas. Meu primeiro pensamento foi puxá-los, mas não tinha certeza se ele estava de cueca por baixo, e eu não queria dividir nada que eu ainda não tivesse provado, então simplesmente voltei à superfície e comecei a jogar água contra ele. Rindo em períodos para que ele percebesse que eu não estava zangada, e principalmente que eu não era uma garotinha.

– O que está olhando?

Perguntei vendo ele encarar o céu, qualquer um sabia que não deveria olhar diretamente para o sol.

– O feitiço climático, é muito bem feito.

Completou.

Olhei rapidamente para cima tentando enxergar o que ele via, mas não consegui olhar por mais do que alguns segundos.

– Eu não vejo nada.

– Consigo ver as camadas de chuva em cima desse clima artificial que eles criaram. A luz solar vem de outro lugar, não do céu. É redirecionada. E tem outras camadas funcionais também. É difícil de explicar, mas parece muito com o que eu faço, a diferença é que está no piloto automático.

– Okay, Tempestade.

Ironizei e ele riu, era uma referência fácil de fazer.

– Ela é mais poderosa que eu. E nossos poderes são levemente diferentes.

– Talvez seja porque você não é um mutante, e sim um bruxo.

– Você está sendo bem nerd comigo hoje. Isso é porque eu gosto de HQ's?

Perguntou se aproximando para me beijar, mas não respondi, mergulhando em vez disso.

Matheus

– Esse lugar parece maior, não?

Perguntei a Josh que agora estava deitado na grama.

– Feitiço de distorção espacial.

Disse Killian perto do meu ouvido, fazendo um arrepio estúpido percorrer minhas costas.

– Meus avós tem um desses em casa, mas isso aqui é de outro nível.

Comentei tentando não mostrar a minha reação a qualquer coisa que ele fazia.

– Bem, como você sabe, esse feitiço faz um lugar ser muito maior do que é por fora. Pois imagine um lugar desses no meio de uma cidade, temos quase o tamanho de um bairro se parar para pensar, o que não poderia existir pelas leis públicas. A academia não parece ter mais do que o tamanho de um shopping pequeno por fora, por dentro já é outra coisa.

– Útil na verdade, muito útil.

Acrescentei sem saber como continuar a conversa.

– Eu vou entrar.

Disse Joshua depois de ficar excluído.

– Ok.

Respondi o vendo correr na mesma hora que Amora também se preparava para entrar junto de Onika e Hazel, essa última que mandou um pequeno tchauzinho em minha direção, ou melhor, na direção de Killian.

– Ela quer você.

Comentei sem maneirar o ciúme na voz.

Ele só se sentou sem responder, só não soube dizer se ele me ignorou de propósito ou não prestou atenção no meu comentário maldoso. De qualquer jeito não era sobre ela que eu queria conversar com ele.

Lexa

Joshua finalmente se juntou a nós, se mostrando um bom nadador e com uma boa capacidade de prender a respiração enquanto estava submerso por embaixo de nossos pés na água cristalina.

Alguém gritou bola de canhão atrás de nós e se jogou na água pelo píer improvisado que surgiu de ontem para hoje.

Então Joshua subiu, aparecendo entre mim e Roman. Mas ele quase não nos percebeu, já que fitava a margem, não para Math ou Killian, mas como sempre, a Amora.

– Preste atenção.

Disse a ele colocando toda a força do meu corpo para fazê-lo submergir.

Ele nadou novamente por baixo dos meus pés e dessa vez apareceu atrás de mim com seu rosto vermelho e tossindo água, fazendo Roman rir daquele jeito infantil e sereno que ele tinha. O que era bastante fofo contrapondo ao resto.

– Acho que está na hora de mais alguém se molhar.

Comentei fitando meu irmão ao longe.

Matheus

– Você está mais quieto que eu.

Killian comentou depois de alguns minutos em silêncio mortal. Algo na minha cabeça estava vazando minha atenção, eu só não sabia o que.

– Desculpe, estou distraído.

Disse voltando a olhar nos olhos verdes dele.

– Água.

– O que?

Tentei perguntar, mas antes que ele pudesse dizer alguma coisa, uma onda surgiu em cima de nós, nos molhando com a água ainda pouco fria.

Fiquei estático sem saber o que pensar, mas assim que as engrenagens do meu cérebro voltaram a funcionar meu primeiro pensamento foi culpar Rex, era quase automático, então ouvi outra daquelas risadas abafadas e cortadas de Killian olhando na direção do Roman e da minha irmã.

– Roman fez isso com a gente controlando o vento?

Perguntei tentando não rir.

– Acho que eles querem que a gente entre.

Respondeu ele se levantando.

– Está pronto para se molhar, Killian?

Perguntei com ânimo renovado.

– Tecnicamente já estamos molhados, mas sim.

Então corremos e pulamos na água.

A sensação térmica inicial foi fria, mas logo se tornou morna perto de Killian. Talvez fosse o calor do sol, talvez fosse o calor dele, fazia pouca diferença o motivo.

Lexa

Killian e Math agora nadavam junto de nós, então decidi que seria uma boa hora para pegar um sol. Resolvi me deitar naquelas boias em formato de cadeiras de praia.

A temperatura era tão agradável que provavelmente era falsa, mas eu não iria reclamar. Não mesmo. E depois de alguns minutos, quando meu corpo já estava seco e só o meu cabelo pingava, eu praticamente conseguia ouvir o zumbido de como minha mente imaginava ser o som que a luz solar pudesse ter.

Era maluquice, claro, entretanto eu estava a poucos passos de um manicômio mesmo, então dane-se.

E aquela sensação perfurou minha atenção.

Passando diretamente por Joshua, Roman e Hya que nadavam quase a minha frente – Hya claramente dando em cima dos dois – e indo direto a Math e Killian. Nadando em círculos, um na frente do outro.

E eu já tinha experimentado aquele tipo de sensação antes, várias vezes, de modo totalmente diferente uma das outras. E eu sabia o que era, quando uma emoção envolvendo mais de uma pessoa era forte demais, eu era puxado a eles. Tragada a sentir cada centímetro não-físico dos seus sentimentos.

E das duas pessoas a qual eu não conseguia sentir, agora eu sentia. Claramente, e por mais de uma fração.

Os sentimentos do meu irmão passaram através de mim pela minha mente, ele estava claramente perdendo o foco, desfazendo o que ele chamava de muros mentais, enquanto forçava a não desprender o olhar de Killian, e o mesmo, fazia muito parecido. Tão perdidos em uma sensação particular que mal conseguia mentir para si próprio, e isso estava me chamando. Como um sinal luminoso de emoções.

E essa era fácil, era a mais comum que eu conhecia. Era paixão. Forte e simples. A boa e velha paixão adolescente, queimando e queimando.

Então tudo que me atraia se desfez como se uma janela quebrasse em cima de mim, causando uma pequena dor de cabeça. Forcei minha mente a continuar a lê-los, mas não adiantava, eles tinham voltado a se trancar. Então forcei a ouvir o que diziam, e só consegui pegar uma única frase, vindo da voz baixa de Killian...

– ...preciso ir, desculpa!

Math ficou petrificado na água, balançando suas pernas de forma automática para não afundar. Ele provavelmente estava se preparando para beijá-lo, de tão perto que seus rostos estavam, mas então aquilo foi cortado por Killian de uma forma tão brusca que ele ainda processava o que tinha acontecido, ou pelo menos eu acho que tentava.

Mas se ele não tinha condições de resolver eu iria, com toda e absoluta certeza.

– Eu já volto – disse a Roman me preparando para pular na água – Cuide do meu irmão.

Quando consegui sair da água Killian já tinha cruzado a margem e ido direto para as árvores e eu quase não o via mais.

Então enrolei um pano ao redor da minha cintura e tentei alcançá-lo e quando consegui as vozes e gargalhadas do lago estavam abafadas e meio confusas.

– Eu senti...

Disse sem saber como começar.

– Lexa, o que está fazendo aqui?

Killian perguntou se virando em minha direção com o vapor subindo pela pele, e mesmo sem conseguir lê-lo era fácil perceber a perturbação estampada na sua testa.

– Não sei como, mas eu senti – esclareci – Pela primeira vez senti exatamente o que você sente. Talvez porque você baixou suas defesas, ou talvez tenha sido um acidente, mas eu senti.

– Sentiu o quê?

Perguntou sério.

– Eu sei sobre seus sentimentos em relação ao meu irmão – disse agarrando seu braço e mudando meu tom de voz – E não vou deixar você magoá-lo ou confundi-lo.

– Nunca ousaria fazer isso. Você sabe.

Sinceridade.

Havia realmente sinceridade naquele olhar ou era outra alucinação minha?

– Então conte a ele. Agora!

Entoei.

– É complicado.

Respondeu fitando o chão.

– Como assim complicado? Você só tem que agarrá-lo e beijá-lo. É muito, muito simples.

– Não posso...

Confessou com um pesar na voz que me acertou em cheio, e eu não fazia a menor ideia do que pensar com essa informação agora.

– Ele gosta de você e isso é bem óbvio... – confessei sabendo que Math me mataria se soubesse que eu disse isso – Tanto que foi uma das coisas que Rex usou contra ele.

– Sei disso tudo...

Confessou por fim.

– Então...

– Só estou tentando protegê-lo.

– Do que?

Perguntei, mas ele não respondeu. Mas seu rosto demonstrava o fato que nem mesmo ele entendia o porquê do que fazia o que fazia.

Então ouvimos os gritos, e era uma voz que ambos estavam condicionados a prestar atenção, a voz do meu irmão.

Killian e eu corremos ao mesmo tempo tentando voltar as margens do lago.

Math já estava fora d'água com Roman e Joshua tentando acalmá-lo de algum jeito.

Matheus

– Não me toque, por favor. Não me toque...

Disse rastejando para trás, de costas, o mais rápido que consegui.

Roman se levantou colocado os braços para cima assustado.

Ele havia me tirado da água e me colocado na margem do lago depois do meu grito histérico, que era compreensível se você tivesse parado achando que estava preste a fazer uma coisa e depois se visse no meio de um mar sem fim de sangue morno e espesso, e tinha sido exatamente isso que aconteceu comigo.

Joshua não sabia o que fazer e estava parado, com uma distância apropriada de meu corpo. Ele deveria estar tentando entender o que aconteceu comigo, e eu também queria.

Lexa surgiu rapidamente se abaixando e segurando meu ombro, tive que forçar meu braço a não empurrá-la para trás, por hábito.

Quando Roman me puxou de lá, segundos antes que eu reerguesse os muros telepáticos, minha mente só viu o que ele via através de seus olhos, mas agora eu não queria arriscar mesmo me concentrando para não ver.

Killian estava parado, atrás de mais três pessoas, me encarando com um rosto ainda mais confuso e perplexo do que tinha feito minutos atrás na água, quando nossos rostos se aproximaram um do outro.

Então uma dor lancinante cortou meus pensamentos.

Cerrei meus punhos e os forcei contra minha testa então aquela voz aveludada que eu achei que nunca mais ouviria se fez...

– Me deixe entrar filho – disse o espírito de minha mãe atrás de mais algumas pessoas – Me deixe entrar...

E instintivamente fiz o que sempre fiz quando aprendi a tampar minha cabeça. Criar barreiras, dezenas delas, até a dor começar abaixar e minha visão ficar escura e turva.