Legado & Sina
May 29, 2023

CAPÍTULO XXXIV: AMANTES (DIS)FUNCIONAIS

Lexa

Depois do terrível acontecimento envolvendo meu irmão e seu atual nêmesis, a paz durava cada vez menos em nossa estranha e destinada família nada ortodoxa. Tornando tudo diferente para nós.

Eu queria me recusar a dizer as palavras, mas era inútil. Math e Rex haviam se beijado e a quantidade de emoções geradas naquele momento tinha sido forte o suficiente para vazar por todos os nossos canais, me fazendo ver e pior, sentir tudo que estava acontecendo.

Fisicamente eu estava no meio de uma maçante aula enquanto minha mente tinha vagado do meu corpo e sido totalmente preenchida pela consciência do meu irmão, que por sua vez estava com sua boca preenchida pela língua do Rex, e todos os três presos em uma avalanche de estranhos sentimentos desgovernados.

Porém, as novidades aumentavam sempre e sempre.

Depois do beijo que só nós sete sabíamos, Rex tinha terminado com Hazel, o que virou boato rapidamente pelos corredores da Casa da Leoa, pois ele tinha simplesmente terminado com ela e não por outra garota, mas sim para ficar sozinho. Ou pelo menos era o que ele tinha dito para impedir ela de querer saber a fundo o que tinha realmente acontecido, e honestamente nem eu sabia como isso tinha o influenciado de verdade.

Tornando-se desse jeito o segundo rapaz a decidir não querer nada com ela por intermédio do meu irmão.

Todavia Killian não falava com Math há dias e nem tinha ido a aulas normais e nem para os treinos na sala de musculação. Roman diz que agora ele só fica no quarto, deitado com uma expressão triste que eu ele nunca tido visto.

Como Roman e Joshua tinham descoberto o ocorrido por seus respectivos colegas de quarto, eu pude contar a Amora com a consciência limpa.

Depois disso tivemos outra surpresa, a quase declaração pública de Skandar e Birdy que agora também estavam namorando. Para surpresa da maioria, mas não minha.

Havia também mais uma surpresa. Killian tinha conseguido a informação que precisávamos, o ponto cego da academia. Porém, a informação se mostrou inútil já que Killian ainda não falava com meu irmão desde o beijo.

Por outro lado, Rex tentava se manter longe de nós o máximo que conseguia, mas não como se mostrasse repulsa, na verdade havia culpa e preocupação o rodeando o tempo todo. Ainda sim eu conseguia perceber ele nos espiando sempre que dava.

//

– Quanto tempo acha que isso vai durar?

Amora perguntou terminando de se arrumar para o almoço.

– Sinceramente, não faço a menor ideia. Como não posso ler o Killian é difícil saber como ele reage as coisas, fora o que ele nos conta, o que é quase nada.

– Mas Killian ama o seu irmão...

Disse ela de cabeça baixa.

– E acho que meu irmão também, mas ainda assim, ele não beijou o Samir ou Zac, ele beijou o Rex. Alguém que não só meu irmão odiava, mas Killian também. Deve ser doloroso e confuso de processar.

Completei prendendo o cabelo com uma caneta.

– Porém eles precisam. Por eles, e por nós. Pois você sabe bem quanto eu que isso pode acabar...

– É, eu sei – disse em tom fraco a interrompendo – Mas não dá para chegar e falar, vocês precisam voltar a namorar ou todos nós podemos morrer em uma guerra, companheiros. Não dá.

– E outra coisa, se somente o afastamento de Killian pode nos desequilibrar o que seria de nós, se eu ou você terminássemos com Roman e Joshua de uma forma pior, muito pior? Como sobreviveríamos como um círculo, se não conseguimos sobreviver como namorados ou amigos?

Perguntou encarando a mim e meu reflexo no espelho da penteadeira.

– Vamos ter que descobrir sozinhos e com o tempo, eu acho.

Confessei.

– Como eles conseguem? – perguntou ela distante – O círculo das Cinzas, sabe... Como eles conseguem depois de tantas décadas estar juntos e em equilíbrio?

– Eu não sei, mas eles poderiam nos dar alguma dica de como fazer isso funcionar, além da magia.

– Talvez até nos dizer se já namoraram, entre si. Eu realmente não sei se isso é comum ou não entre círculo.

– Se for para chutar, eu diria a diretora e o professor Siegfried.

Acrescentei tentando fazer graça.

– Por que acha isso?

– Não sei, mas ela deve ter uma queda por rapazes bonitos e fora do seu tempo, e principalmente daqueles que não envelhecem.

– Será que ele vai aparecer hoje?

Perguntou ignorando meu comentário, agora já perto da porta.

– Não sei. Acho que não. Mas se Millian não se resolver até sábado, teremos um problema na nossa próxima aula na sala circular. Com certeza.

– Vamos cruzar os dedos então e torcer para que Roman consiga convencê-lo.

– Ou amordaçá-lo, hipnotizá-lo e trazê-lo contra sua vontade.

Completei antes de atravessamos a porta e pararmos no refeitório

Joshua acenou para nós duas quando surgimos, como se já não soubéssemos o lugar que sempre comemos. Matheus estava do mesmo jeito que nos últimos dias. Extremamente moribundo.

Sentamos com nossas bandejas e observamos a terceira. Math pegava uma a mais para o Killian sempre no almoço e no jantar e pedia para Roman entregar na hora que voltávamos. Roman queria dizer que Killian estava se alimentando com elas, mas tive que relembrá-lo que não adiantaria mentir para o meu irmão, ele saberia. Então ele só balançava a cabeça em negação quando Math perguntava.

– Precisamos de um plano e não de rostos tristes, irmão.

Comentei jogando nele uma ervilha nojenta.

– Preciso do meu namorado de volta, só isso.

Comentou triste.

– Para isso precisamos pensar em algo, e precisamos pensar já. Não dá mais para deixar Killian emo andando por aí, temos trabalho a fazer, e mesmo que eu ame um drama, vocês são o casal perfeito e precisam voltar a esse patamar.

– E o que você sugere que façamos, mana?

– Ainda não sei, mas vou pensar em algo. Já juntei vocês uma vez, certo? Vou juntá-los uma segunda, uma terceira ou uma décima vez, não me importa como, eu juro.

– Obrigado.

– Mas... Saindo rapidamente do assunto, por um segundo. Só eu estou morrendo de curiosidade em descobrir se nosso querido, e agora solteiro, Rex é ou não gay? Pois eu quero muito saber.

Disse batendo os dedos na mesa.

– Argh. Sério isso, Lexa? – Math resmungou – Isso não importa, nunca importou. Não quero namorar o Rex, quero voltar ao meu namoro com Killian, então não, não me interessa saber se o Rex é gay, hétero, branco ou bronzeado. Só se o Killian me perdoou.

– Sejamos honestos pessoal, todos estamos curiosos sobre isso.

Acrescentei, sem saber se falava ou não.

– Ela até tem razão...

Joshua acrescentou inseguro, mas concordando comigo, levando uma careta feia de Amora, como se dissesse que não era para ele se meter.

– O que vocês querem dizer? Que eu gostei? Que me apaixonei por ele naquele instante ou que já estava e que agora quero viver um caso com os dois?

Então ele bateu os punhos cerrados na mesa e se levantou, se chocando contra Roman que estava atrás dele e que teve que levantar sua bandeja para que ela não caísse sobre os dois.

– O que aconteceu com ele?

Roman perguntou confuso, já se sentando.

– Raiva, só para começar.

Esclareci.

– Não a apoie de novo, se não quiser que eu te bata.

Amora acrescentou falando com Joshua.

– Ele pelo menos me ajudou.

Acrescentei.

– E no que o seu comentário nos ajudou exatamente?

Amora me questionou, ela meio que tinha razão, mas eu não iria admitir.

– Ele só quer colocar para fora o que não consegue guardar. O que eu até acho que é melhor do que ele reprimir tudo dentro dele. E no momento acho que ele só precisa gritar e por tudo para fora, antes que devore a todos nós. E acho que posso ajudar com isso – Roman comentou com meio sanduíche na boca – Podemos jogar um jogo que eu fazia com os meus pais quando era pequeno. Só precisamos de bolas de golfe e um taco simples. Depois eu as enfeitiço para se tornarem pequena bombas, Math só precisa tacar as bolas no lago e deixá-las explodir na água enquanto grita. Sempre me ajudava.

– Não vejo sentido algum nisso, mas a essa altura devemos tentar tudo.

Disse Amora.

– E o Killian, o que vamos fazer?

Joshua perguntou.

– O contrário – Amora o respondeu – Killian é um rapaz comum, ele não está falando e nem mostrando o que sente, então acho que ele precisa conversar sobre e pôr para fora o que está matando-o por dentro, com todas as sílabas.

– Okay então, ficamos nós as meninas e o Joshua com Matheus e Roman vai para o Killian.

Disse já me levantando.

– Espera – Amora chamou – Primeiro, não temos tempo para isso antes da aula, vai ter que ser depois. E não, Roman fica com o Math e conosco, e Joshua vai para o Killian.

– Eu?

Perguntou Joshua confuso.

– Exato, amor. Killian não vai conversar com Roman agora, ele já disse o que tinha que dizer para ele e sabe que ambos não precisam de tantas palavras para se expressar e isso limita no que o Killian realmente precisa. Se você for ele vai ser obrigado a te explicar o que quer usando palavras, e isso pode persuadi-lo a contar tudo. E entre Roman e Joshua, qual de vocês acham que inspiraria mais agressividade no Matheus em uma situação como aquela? Obviamente, não é você, meu querido. Vamos precisar fazer isso de forma diferente hoje e talvez tenhamos os resultados que queremos.

– Pode funcionar, tanto quanto não pode. Contudo, não acho que vai piorar, então o que temos a perder?

Comentei encerrando o assunto.

//

Depois da aula de Demonologia pegamos Math e o levamos para o mesmo lugar onde tinha ocorrido o desastroso beijo. Roman surgiu logo depois de deixar Joshua no seu quarto, já que ficamos com medo de que Killian talvez não abrisse a porta para que Joshua entrasse e nosso plano precisava disso e precisava que fosse executado com total perfeição.

– Eu preferiria estar me arrumando para o jantar, e não estar aqui nesse lugar.

Math acrescentou, olhando ao redor.

– Antes nós achamos que você precisava extravasar um pouco.

Comentei.

– Alguém trouxe bebida por acaso, por que poderíamos ser expulsos logo de uma vez, seria prático até. E onde está o Josh?

Resmungou.

– Joshua está ocupado fazendo algo que eu pedi – Amora o respondeu sem mentir – E você está aqui, e não vai sair.

– Tudo bem, mas o que viemos fazer aqui exatamente?

– Jogar.

Roman comentou mostrando quatro tacos e um saco recheado de bolas de golfe e aqueles pinos que prendemos no chão para dar apoio a elas.

– Vamos jogar golfe no lago?

Perguntou ele confuso.

– Mais ou menos.

Respondi.

Roman arrumou os quatro pinos com dois metros de espaçamento e nos deu um taco para cada um. Eles eram mais pesados do que eu achei que fossem e tinham a base feita de madeira, e aquilo ironicamente me lembro de um episódio do desenho animado.

– Quem quer ser o primeiro?

Roman perguntou sem ainda dizer ao Math o que as bolas iriam fazer.

Levantei a mão animada, mas Amora me cortou com o olhar, cada vez mais diferente da pessoa que eu tinha conhecido no início do ano letivo, agora que finalmente estava aceitando mais a sua outra parte.

– Math você pode ser o primeiro, seria bom. Que tal?

Amora perguntou a ele.

– Tudo bem, tudo bem. Só não vejo como tacar bolas no lago vai me ajudar.

Desdenhou.

– Não pense tão mau de uma tradição da família Leonov-Grant tão rapidamente meu chapa, pode te surpreender.

Roman completou.

– Então, preparem-se.

Ironizou.

– Antes de começar – atrapalhei – Poderia dizer algo que o está incomodando para dar mais motivação.

– Vou fazer uma simples rebatida ou um lançamento, sei lá, como se chama isso, não preciso de motivação, mais sim de silêncio.

– Não seja rude com a sua irmã, agora tente.

Amora comentou.

– Certo, então, ouçam bem. EU SOU UM COMPLETO IDIOTA!

Gritou ele arremessando a bola para longe.

A princípio aquilo pareceu animar sua aura, mas logo ele virou para mim irritado sem saber como aquilo iria ajudá-lo, então a bola explodiu na água o pegando totalmente de surpresa.

– O QUE FOI ISSO?

Gritou assustado.

– Uma tradição de uma família de atiradores e bruxos, o que você queria? Bolas inofensivas? Óbvio que elas iriam explodir alguma coisa.

Roman respondeu totalmente orgulhoso.

– Minha vez.

Disse já lançando a bola.

A minha não chegou nem a um terço do caminho percorrido pelo do meu irmão, mas a explosão foi incrível.

– BANG-BANG!

Disse dançando.

– Vamos Math, faça de novo, agora com mais raiva.

Amora comentou imitando o movimento da tacada. E ele fez. Uma vez, duas, cinco, e dez. Gritando aos sete ventos o que estava preso dentro da garganta, com algumas frases lógicas e outras que pareciam grunhidos.

Entre algumas tacadas nós o imitávamos também.

Amora surpreendentemente disse algo sobre sua mãe, a xingando por tê-la abandonado, e esse era um assunto que nunca tínhamos lidado. Ela não parecia se importar na maior parte do tempo, mas aceitar que era meio fada, significava pensar também em de onde essa parte vinha, eu suponho, e isso deve ter trazido coisas ruins, como as memórias perdidas da mãe dela.

Roman parecia somente animado. E eu não recordo da única vez que o vi bravo por algo que não tivesse antes afetado diretamente um de nós, e só depois chegado nele. Ele não se ofendia pelas coisas, não tinha segredos sujos no armário, ou pais loucos e psicóticos que conhecesse ou se importasse em conhecer. E mesmo que parecesse irônico para muitas pessoas, seus dois pais tinham uma família muito melhor que a todas as nossas, constituídas no que o mundo achava normal e tradicional. E realmente, ele não poderia ter escolhido um grupo mais estragado para ter seu destino entrelaçado.

E quase uma hora depois todas as bolinhas tinham acabado e estávamos todos exaustos de tanta euforia, uma a qual eu não tive que manipular para criar e ajudar.

– Por que eu fui fazer aquilo?

Math perguntou deitado no chão ao lado dos tacos, estávamos espalhados na areia como ele.

– Por que você é um idiota que gosta de ajudar pessoas, e essa é a sua natureza.

Respondi.

– O que foi feito está feito, e não tem volta. Você precisa pensar no futuro agora e como repará-lo e não se prender no passado.

Amora acrescentou.

– E Killian sabe que você não fez por mal cara – Roman acrescentou - Ele não duvida de você e nem nada parecido, só que é difícil entender todas as razões. Principalmente para ele depois de tanto tempo sem se importar com as coisas.

– Mas ele salvaria qualquer um que precisasse...

Math tentou dizer, mas Amora o cortou.

– Ele salvaria com a vida, porque esse é seu primeiro instinto. Mas você não funciona como ele e vice e versa. E um beijo.. Isso é diferente.– Amora completou – Você não se colocou entre o Rex e uma criatura, você o tocou, o que principalmente para você é complicado. E isso deve estar pesando nele.

– Pois veja maninho, se a mente do Killian não estar acessível a você era uma das coisas que você mais gosta, imagine como ele se sentiu quando isso não foi um empecilho para você se aproximar do Rex e beijá-lo. Ele está provavelmente se sentindo inseguro agora, além de traído.

Completei.

– Não pensei por esse lado. Mas... Droga, eu só queria que ele entendesse que eu não quero mais ninguém além dele.

– Acho que ele entende isso. Só que mesmo assim é fácil se convencer do contrário às vezes.

Roman respondeu.

– E como eu vou mostrar a ele se ele não quer me ouvir?

– Vamos ter que descobrir um jeito eficaz de alguma forma.

Amora acrescentou.

– Será que Joshua conseguiu? Pois é óbvio que se ele não está aqui é porque está com o Killian. Não que eu veja sentido nisso.

Comentou descobrindo nosso plano.

– Talvez.

Disse.

– Vou tomar um banho então. E tentar comer. Vejo vocês depois.

– Okay.

Respondi me virando para ele e logo Math tinha sumido em uma porta criada sobre o bosque.

– Acho que devíamos ir também.

Roman comentou se levantando em um pulo.

– Ele tem razão. Estou com sono.

Amora exclamou, mas não tive tempo de respondê-la, em vez disso fui invadida por uma sensação estranha, uma que eu já havia sentido antes.

Levantei em um salto tentando descobrir de onde a sensação vinha.

Fechei os olhos ignorando Amora e Roman como se não existissem. Como na última vez, aquela sensação era um misto de emoções que eu era incapaz de identificar.

– Aconteceu de novo.

Disse ainda procurando o caminho, agora de olhos abertos.

– O que aconteceu de novo?

Amora perguntou, mas respondi encarando o Roman em vez disso.

– Aquela emoção que eu não sabia qual era, no dia que encontramos o Tate. Ela está ai de novo. Estou sentindo, mais forte que antes.

Amora nos encarou sem entender, mas Roman tinha recordado do ocorrido e logo fitava o lugar, procurando como eu.

– Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui?

Perguntou irritada.

– Há algumas semanas nós estávamos namorando no bosque e eu senti algo que não sabia dizer o que era. Só sabia que era uma emoção diferente. Fui atrás dela até esbarrar com Tate sozinho em uma clareira no meio do bosque, mas eu fui incapaz de conseguir descobrir o que era, e agora estou sentindo de novo.

– Tate denovo?

Roman perguntou.

– Garanto que sim.

Respondi.

– Falando nisso, ele tem agido estranho realmente nos últimos dias.

Amora acrescentou.

– Como?

Perguntei, mas foi Roman que respondeu.

– Feliz.

– Isso sim é novidade. Vamos!

Respondi já correndo, sem saber direito par aonde ir.

– Não pode fazer o que fez da última vez?

Roman perguntou.

– Está mais forte, mas não quer dizer que esteja mais perto. Preciso me aproximar.

Respondi tentando não esbarrar nos galhos e não lançá-los contra Roman e Amora, por simples bondade no coração.

– Não pode fazer alguma coisa mais especifica com seu dom do que ficar correndo para lá e para cá?

Amora perguntou.

– Ele age como um sonar, mandando onda em todas as direções. Eu cobriria muito espaço inútil à toa.

– Mas você está procurando por uma pessoa não está?

– Sim. As emoções são humanas para serem tão intensas.

– Então deixe que o bosque nos guiei.

Disse ela se virando para árvore mais próxima e aproximando sua testa do tronco.

– O que ela vai fazer?

Roman perguntou confuso.

– Não faço a menor ideia.

Respondi, então Amora desenhou com os dedos um pequeno círculo na árvore, que queimou automaticamente, mas o chiado do crepitar se fez também atrás de mim.

– Outro.

Comentei apontando para o segundo círculo.

– Na verdade, outros.

Roman apontou para árvores a frente, havia mais três.

– É um feitiço localizador – Amora explicou – Vai marcar as árvores com o círculo e nos mostrar o caminho, então, sigam os círculos. Vai.

Seguimos o feitiço da Amora como ratos seguem o aroma de queijo, correndo, pulando e desviando dos obstáculos naturais. E pela primeira vez percebi que o tempo que Killian nos fazia ficar na esteira estava realmente fazendo efeito.

Mas fui obrigado a parar quando uma onda maciça da energia ecoou perto de mim, me jogando no chão.

– Lexa.

Roman gritou pegando minha cabeça antes que se chocasse contra uma pedra. E o último círculo brilhou, agora em azul.

– Chegamos ao final da trilha.

Disse Amora.

– Atrás das árvores, vai.

Apontei, e ele foi.

Amora esticou o braço e eu agarrei, me levantando e correndo. E o vimos, parado e escorado em uma árvore qualquer, sem sequer nos perceber, Tate Carson. Mas havia mais alguma coisa ao lado dele como...

– Argh...

Amora exclamou antes de dar dois passos para trás.

– O que foi?

Perguntei.

– Tem mais alguém aqui – disse ela o fitando – Só que não deveria estar nesse plano.

– O que vocês estão vendo?

Roman perguntou enquanto fitávamos Tate.

Estreitei os olhos observando a energia translúcida que se formava no ar tentando dar sentindo a ela, mas era incapaz de fazer isso sozinha. Somente a aura de Tate, brilhando em todas as cores me parecia real. Contudo Amora pegou minha mão e acenou com a cabeça.

– Juntas.

Disse ela e eu pude sentir nossas magias se conectando. Fluindo a partir do toque e do símbolo da união que queimava em nossas mãos, nos preenchendo com o que a outra era capaz de ver e de fazer.

A energia translúcida começou a tomar forma devagar, mas eu conseguiria reconhecer aquele cabelo ruivo e preto cortado em camadas em qualquer lugar.

– Cecilly!

Disse em alto e bom tom sem conseguir esconder a surpresa, cortando o beijo dos dois.

– Droga – disse Tate finalmente nos vendo – O que estão fazendo aqui?

– Vocês estão juntos.

Disse confusa, mas era inegável. Era de Cecilly a energia estranha que eu não era capaz de identificar, as emoções turvas e novas que eu percebia através de Tate que provavelmente agia como um canal entre os dois planos.

– Lexa...

Disse ela com uma voz fraca, ou na verdade meio afastada. Baixa.

– Rápido.

Disse Amora franzindo a testa, aquilo deveria estar sugando muito dela, principalmente para me fazer capaz de ver e ouvir também.

Cecilly não estava como antes, com uma expressão confusa e doente. Ela estava sim mais pálida, mas agora usava um vestido preto sem mangas e o cabelo preso por uma fita, quase serena de tão tranquila.

– Você pode vê-la também?

Tate perguntou.

– Posso – respondi – Ou melhor, podemos.

Disse apontando para nossas mãos juntas.

Roman continuava quieto, ele não a via, mas também não sabia o que fazer.

– Tem algo diferente em você – Cecilly voltou a falar – Em vocês três. Estão conectados como em...

Acenei com a cabeça em negação para que ela parasse, era informação demais para ser liberada.

– Entendo – respondeu ela – Os outros três também, não é?

– Todos os seis.

Amora respondeu.

Ambas praticamente nunca haviam se falado quando ela era viva, com certeza isso deixaria Amora meio tímida de novo.

– Sempre houve alguma coisa, eu deveria saber.

Acrescentou em murmúrios.

– Mas Cecilly, os outros, eles não voltaram, não é?

Perguntei preocupada.

– Não. Eu estou aqui por vontade própria. Aquela garota expulsou a maioria para onde deveriam estar.

– Do que estão falando?

Tate perguntou sem entender.

– Não contou a ele sobre aquele dia?

Perguntei.

– Não, mas eu o protejo. Os mantenho longe dele.

– Como? – Amora perguntou – Você é nova demais para ser mais forte que todos eles.

– Nós, fantasmas, vivemos a base do poder dos vivos, Amora. Eles precisam roubar essa energia sussurrando nos vivos até que alguém caia em desgraça, mas eu consegui algo puro...

– Os sentimentos do Tate por você te alimentam.

Acrescentei.

Isso explicava a mudança de visual, se ela estava sendo alimentada por uma emoção como paixão, era muita energia gerada, que transcenderia os dois planos e esbarraria em mim. Especialmente se vinha de um bruxo usuário de espírito como Tate, que era também um necropata para deixar as coisas ainda mais interessantes.

– E eu a uso para deixar os outros fora, eles não vão machucá-lo. Nunca mais.

– Lly, sobre o que vocês duas estão falando sobre mim? O que está acontecendo que você não me contou?

Tate perguntou confuso.

Tinha certeza que ele não estava acostumado a dividir a atenção dela.

– Vou explicar depois, eu juro.

– Espera, Cecilly – voltei a falar – O que você e os outros queriam antes, mudou ou não?

– Lexa você precisa entender que antes eles estavam desesperados e perdidos, porém, somos sempre os primeiros a perceberem o que acontecesse, por que estamos presos não só entre esse plano e o plano dos mortos, mas entre a maioria deles. E vemos a escuridão que começa a se aproximar sobre vocês. Ela ainda não mudou, e eu acho que vocês sabem o que ela significa.

– Sabemos.

– Então, tomem cuidado. Ela está cada vez mais perto. E uma desgraça nunca caminha sozinha aqui, jamais.

Então aqueles dois surgiram.

Assustados, confusos. Eram outros fantasmas, Amora quase caiu para o lado, mas Roman a segurou. Me encarando, gritando com o olhar para que explicasse alguma coisa.

– Estamos chamando muita atenção.

Tate comentou, aparentemente vendo mais fantasmas do que eu via a partir de Amora.

– Tenho que ir – disse Cecilly – Cuidem-se e fiquem mais fortes, vocês vão precisar se é de vocês que eles falam. E por favor, proteja-o. É muito perigoso para ele o que vai vir, ele vai precisar de ajuda e de amigos, mesmo que não queira admitir.

– Lly, não vai. Me explica o que está acontecendo.

Supliquei.

– Eu volto em breve. Juro.

Então ela o beijou, Amora desmaiou em seguida, largando minha mão e cortando a conexão de energia, e eu deixei de vê-los e Tate ficou ali atônito, sem saber o que falar.

– Vai me explicar o que está acontecendo?

Roman perguntou ainda segurando o corpo de Amora.

– Vou. Mas acho que Tate merece uma explicação antes de você.

Acrescentei olhando para um jovem bruxo muito confuso.