Fumaça & Cinzas
May 7, 2022

CAPÍTULO XXXIV: BARREIRAS

Matheus

– Você está bem, realmente bem?

Lexa perguntou tateando cada parte do meu corpo que ela conseguia alcançar, como se eu tivesse quebrado algum osso, o que não era o caso.

– Foi só uma insolação – menti – O que não é grande coisa dada ao meu histórico pessoal.

– Não me assuste assim, Matheus.

Completou, então sorri fingindo ao máximo de normalidade.

O enfermeiro McHale tinha adquirido meu desmaio e grito como uma simples insolação, já que como sempre eles fizeram aquele teste de magia e nada foi detectado, mas eu tinha certeza que não tinha sido o sol, contudo, essa desculpa tinha vindo a calhar.

Não havia mais ninguém ali, somente Lexa tinha ganhado permissão para ficar comigo.

O que me dava tempo para tentar processar algumas coisas malucas. Como minha alucinação com sangue e a dor na minha cabeça, e obviamente as duas estavam ligadas, e eu ainda havia mais para lidar.

– Onde estão os outros?

Perguntei curioso, sem saber a quanto tempo estava lá dentro.

– Não sei direito. Devem ter ido almoçar e depois voltado para os dormitórios. Provavelmente. Posso chamá-los.

– Não precisa, converso com Josh depois. E esbarro com Killian ou Roman a qualquer momento.

O nome dos dois a fez desviar os olhos, não entendi por quê. Talvez ela e Roman... Não sei.

– Vou buscar seu almoço então, e já volto...

– Estou bem Lexa, eu posso ir pegar meu almoço.

– Não, eu vou, não preciso ver você cair dessa cama e já tenho gritos demais na minha cabeça.

Não entendi a analogia, mas também não perguntei.

Ela voltou com uma bandeja minutos depois e comemos em silêncio, aparentemente não era só minha mente trabalhando em algo secreto, ou quem sabe ela só estivesse cansada.

Quando terminamos de comer, era hora de voltar para os dormitórios, então nos separamos em duas portas que encontramos na enfermaria.

Com a desculpa de conseguir encontrá-lo, apareci na sala de convivência e não em meu quarto.

O único a virar para me encarar foi Tate, mas ele não demorou mais de alguns segundos e voltou a conversar o que é que fosse que estivesse conversando, pois só havia ele e eu lá.

– Está melhor?

Roman perguntou surgindo atrás de mim, devorando um pacote gigante de batatinhas.

– Nunca para de comer?

Perguntei sorrindo, enquanto ele tentava terminar de engolir o mais rápido que conseguia.

Ele deu de ombros sorrindo.

– Estou ótimo a propósito.

Fisicamente falando isso era verdade.

– Ficamos preocupados.

– Você e Killian?

Perguntei ansioso.

– Não exatamente, com certeza ele deve ter ficado preocupado, mas não sei onde ele está desde aquela hora. Mas eu e Josh, nós estávamos te esperando.

– Josh deve estar impaciente querendo me curar, ele não gosta de parecer inútil nessas coisas.

– É...

Roman respondeu rindo, mas se engasgou com uma das batatinhas e teve que socar seu peitoral para voltar a respirar direito.

– Acho que vou subir antes que essa conversa mate você.

– Até mais!

Completou voltando para dentro da dispensa, que me lembrou que eu ainda estava com fome, principalmente depois daquela comida sem gosto que Lexa conseguiu na enfermaria.

E assim que pisei no último degrau consegui ouvir a voz de Rex em alto e bom som, então forcei minha cabeça a bloquear a intenção de decifrar as sentenças gramaticais que ele pronunciava e continuei a subir até entrar no meu quarto. Agradecendo que ninguém tenha me parado no caminho para fazer alguma piada.

Pelo visto depois de quatro meses e com o baile de Natal se aproximando ninguém ligava mais para esquisitices dos bruxos gêmeos. E isso era o melhor que eu iria ganhar dessa situação.

Joshua estava na frente da porta do nosso quarto, do lado de dentro, apreensivo e com um rosto que mesclava mais emoções que minha cabeça era capaz de identificar só com o olhar.

– Você está pior que eu.

Comentei.

– Eu te encheria de murros se não fosse doer em mim.

– Ok.

Respondi entrando.

– O que aconteceu lá?

– Insolação, simples assim.

Disse me deitando na cama.

– Senti a sua dor de cabeça, insolação não causa aquilo. Não daquele jeito súbito – disse ele com o mesmo tom de voz que a Lexa fazia quando suspeitava de algo então não respondi – Está escondendo algo de mim.

– Você não costuma ser tão incisivo.

Comentei com a cabeça enterrada no travesseiro.

– Não, mas eu aprendi algumas coisas com vocês quatro. Confiança foi uma delas, e intimidade é uma droga mesmo.

– Com certeza – comentei, desistindo de mentir, era melhor contar a ele do que ele contar a Lexa o que eu não quero dividir ainda – E sim, insolação não causa aquele tipo de efeito maluco, só aproveitei a desculpa. Tive três insolações no último verão, na terceira vovó quase me matou por ficar tanto tempo no sol com meus antigos amigos.

– Lexa sabe disso?

– Não...

– Então por que mentiu para sua irmã?

Perguntou confuso, parado em frente à minha cama.

– Pois tem alguma coisa tentando entrar na minha mente e na dela também. E não sei no que confiar.

– Quê? Como? Por quê?

– Há algumas semanas Lexa me contou de um sonho que teve onde a nossa mãe dizia coisas a ela, e uma dessas coisas era que ela não conseguia se comunicar comigo porque eu era muito forte.

– Não estou entendo.

Comentou se sentando na sua cama.

– E até bem simples, no lago antes de eu gritar me vi dentro de uma espécie de mar de sangue sem fim. Não havia vocês ou nada, era só eu boiando em sangue morno, então gritei...

– Alucinações.

Acrescentou.

– Isso. Acho que foi porque eu baixei minhas defesas psíquicas. A professora Santiago me explicou como meu dom funciona e sobre os muros que crio, eles são na verdade barreiras telepáticas que eu faço entre a minha mente e a de todos os outros, mas ainda não aprendi a deixá-las lá imóveis, por isso preciso me concentrar nelas o tempo inteiro.

– Essa parte eu sei, mas e o resto?

Perguntou ainda mais confuso.

– Como deve ter percebido eu sempre tenho uma leve dor de cabeça no final do dia, nada demais. Duas aspirinas e pronto. São consequências do esforço mental, então entendi, quando a minha mãe, ou algo na forma dela, disse a Lexa que ela não conseguia falar comigo, não era por eu ser poderoso, não fisicamente, mas mentalmente. Crio barreiras mentais todo dia, se algo está tentando entrar na minha mente...

– As barreiras estão impendido, e como sua irmã não as têm é mais fácil entrar dentro dela.

Disse ele me cortando.

– Exatamente.

– Então você não se concentrou nas barreiras e a coisa viu uma brecha? Foi isso que aconteceu?

– Isso, você já me viu perto do Killian e o que isso me faz. Eu perco meu foco, perco as barreiras. Acho que foi isso que fez a alucinação surgir e depois a outra.

– Outra?

– Eu vi a minha mãe também, e ela dizia: Me deixe entrar... Me deixe entrar...

– Mas tem certeza que esse é o motivo?

Tudo parecia confuso demais para ele, para mim também era.

– Não, mas é o que me parece mais lógico. E já aconteceu antes, uma vez...

– Sua conversa com Killian no dia que seu pai te ligou.

Comentou se levantando da cama para andar em círculos no quarto.

– Exato. Nunca descobrimos quem colocou aquelas imagens na minha cabeça. Pensamos que fosse Amora, mas nunca perguntamos. E eu me lembro de sentir dor, era algo forçando uma entrada, a mesma dor de antes do desmaio, minhas barreiras estavam sendo reerguidas, mas alguma coisa ainda queria nos mandar um recado.

– Qual?

– É isso que eu vou descobrir.

E havia certa sensação quente se esgueirando dentro da boca do meu estômago, talvez adrenalina ou medo disfarçado. Eu iria descobri-las cedo, ou tarde.