Fumaça & Cinzas
May 12, 2022

CAPÍTULO XXXIX: TRONO DOS CONDENADOS

Lexa

– Esqueça isso.

Acrescentei ao Math.

Joshua e Roman olharam para mim, preocupação transbordava de ambos, e era culpa minha.

Math estava fitando a janela do refeitório, e mesmo que eu não soubesse o que ele sentia era óbvio saber no que ele estava pensando. No grande elefante branco que não estava aqui no refeitório. Killian.

Uma parte de mim se dividia em contar o que eu havia descoberto e outra em confrontar Killian novamente e socar sua cabeça contra o concreto até ele mudar de ideia. Mas nenhuma delas parecia certa agora.

– Então... – disse Roman – Animados para o baile de natal?

– Não muito.

Joshua respondeu, seus sentimentos foram de preocupação para aflição. Só não sabia exatamente o porquê.

– Talvez – respondi – Papai disse que viria, e o vovô e a vovó também. Então será a primeira vez em quase uma década, que estaremos todos reunidos no mesmo lugar. Né Math?

– É. E não vamos esquecer nosso aniversário mês que vem.

Comentou e isso era irritante. Math aparentemente tinha desenvolvido uma habilidade para boiar sobre as conversas e ainda sim mandá-las para onde ele quisesse.

– Vocês vão fazer dezoito anos, né?

Roman perguntou alegre, outro problema que eu tinha que resolver. Os sentimentos de Roman estavam se fortalecendo enquanto os meus eu não sabia dizer.

– Não que vá ser um grande evento, já que estaremos aqui estudando. Mas poderíamos fazer alguma coisa.

Comentei.

– Não sendo a Arcadia, eu topo.

Joshua acrescentou terminando seu almoço.

– Soube de um minigolfe novo que abriu na cidade, eu ia todo o tempo em Portland.

Roman acrescentou.

– Nunca fui.

Eu e Joshua respondemos juntos.

– Fechado então?

Perguntei, e todos assentiram. Math ainda sem olhar diretamente para a mesa da conversa.

– Algum de nós, fora você Roman, pelo menos já assistiu golfe normal na vida?

Joshua perguntou.

– Cara, eu posso ensinar um macaco a atirar, com certeza posso ensinar vocês a jogar.

Roman retrucou rindo, levando uma olhada séria de mim, por causa da comparação. Eu era obviamente, muito mais bonita.

– Okay, me desculpe se minha falta de preparo militar lhe ofendeu.

Joshua devolveu sem conter o sorriso. Os dois também tinham desenvolvido um tipo de esquema de camaradagem que era engraçado de ver. Eu gostava disso aqui. Menos quando eu lembrava que às vezes Amora poderia cair de paraquedas nessa nossa relação.

– Pergunta, quando é o aniversário de vocês exatamente?

Roman perguntou confuso, então rimos.

– Trinta de janeiro.

Josh respondeu.

– E não, não vou convidar a Amora.

Disse a Joshua antes de me levantar.

Ele me encarou sem entender absolutamente nada. Não seria o primeiro.

Roman deu de ombros para ele e Math se levantou também, em movimentos automáticos e sem vida.

Enquanto levávamos nossas bandejas até a bancada eu perguntei.

– Então, dezoito finalmente...

Tentei dizer, mas foi inútil.

– É. Te vejo depois.

Completou por fim, entrando na primeira porta que achou e desaparecendo nela.

Idiota! Meu idiota, mas ainda sim um grande idiota!

– Ele vai ficar bem?

Roman perguntou surgindo atrás de mim.

– Se ele não melhorar em uma semana eu mato o seu amigo, e tudo volta ao normal.

Comentei com a voz firme, e terminei com um sorriso.

– O-okay...

– Faça companhia ao Joshua, nos encontramos na sala.

Completei.

– Aonde você vai?

– Me meter onde eu não devo. Provavelmente.

Atravessei as portas do refeitório, pedindo mentalmente que ela me levasse para o lugar onde meu irmão havia desejado ir, e funcionou.

Fui parar na sala de convivência da Casa do Leão.

Meu dom de sentir e manipular as emoções também me dava uma espécie de radar, principalmente se eu estivesse em um lugar com poucas pessoas e elas estivessem com fortes emoções. Eu não seria capaz de diferenciar quem era quem, mas seria capaz de saber quantas delas estavam no lugar. O problema era que eu não sentia Killian corretamente e era incapaz de sentir Math se ele não quisesse, porém, o elo dos gêmeos era o que me direcionava agora, e eu sabia que ele estava no segundo andar. Então subi, de forma que meus passos não fossem ouvidos, tomando cuidado até para regular minha respiração.

E foi fácil encontrá-los, me aproveitando que meu irmão estava distraído demais para me notar ali.

– ...até com o Roman você está assim – Math falava, obviamente eu tinha pegado a conversa já no meio – Você não parece bem.

– Estou ocupado. São coisas de mais na minha cabeça no momento.

– Você precisa conversar com alguém. Comigo.

– Não.

Killian respondeu seco. Era estranho ver ele assim. Tão, tão emotivo e descontrolado.

– Eu entendo que esteja estranho comigo. Você não seria o primeiro, não mesmo. Eu até entendo, sinceramente. Mas Roman, Joshua, Lexa. Todo mundo...

Então Killian riu, simplesmente riu. Indo de encontro a emoção que parecia estar antes. Que me parecia raiva.

– Você acha que estou agindo estranho por que você é gay?

Perguntou ironicamente confuso.

Mas a risada parecia ingenuamente real.

– Amm...

Math não sabia mais o que dizer. Não tenho certeza nem se ele sabia o que estava fazendo antes.

– Você é bem cego – comentou, e isso era verdade. Meu irmão era um idiota tapado, literalmente tapado – Mas eu vou ficar bem, vou falar com o Roman. Vou resolver tudo. Conversar com quem devo conversar. Com as pessoas que devo me acertar.

Me perguntei se isso também incluía meu irmão.

– Você está preocupando a todos nós. Preocupando a mim.

– Eu juro que não era minha intenção. Nunca foi.

Acrescentou se acalmando.

– Então pare, okay? Por favor, pare de agir assim.

– Está bem.

Respondeu Killian com sua mão no ombro de Math, e eu quase conseguia sentir o calafrio que aquilo deve ter causado em sua coluna.

Não sei em que momento o corpo dos dois ficou tão perto mais agora seus rostos provavelmente sentiam a respiração um do outro. Então aquele som de passos pesados se fez atrás de mim na escadaria. E os dois se afastaram, não abruptamente, mas o suficiente para que se alguém visse, não presumisse nada.

Virei e me lancei na direção de quem estava vindo, odiando a interrupção fora de hora.

– Pode ser qualquer um.

Tate entoou gesticulando com as mãos, mas parou assim que me encontrou na escada.

– O que está fazendo aqui?

Perguntou ele confuso. Comigo e com outra coisa.

– Não é da sua conta.

Disse por fim e então passei por ele.

Uma sensação estranha saltou dele para mim. Era medo?

Girei meu rosto tentando fitar o dele, não era comum eu confundir alguma coisa. Não emoções. Mas logo Tate já estava fora de vista. O que estava dando errado com os meus sentidos ultimamente? Ou todos tinham descoberto uma maneira de burlá-lo?

Contudo nesse meio tempo eu já estava atrasada para aula de Demonologia, então era hora de voltar para o meu próprio dormitório antes que mais alguém me visse aqui e contasse ao Math. Pois de Tate eu estava segura, ele não perderia seu precioso tempo falando que me viu para meu irmão, porém, outro não seria garantido.

//

A troca de foco foi bem-vinda, pois eram problemas adolescentes demais para romances de menos.

O professor Siegfried surgiu atrás da grande cadeira maluca de metal estranho.

Joshua e Matheus estavam conversando de modo festivo.

A conversa com Killian tinha aparentemente devolvido alguma alegria para o rosto do meu irmão.

Amora folheava seu livro das sombras passando os dedos pelas linhas douradas de um desenho sobre o sol que ela tinha pensado, não consegui me recordar de que aulas tinham falado sobre magia solar, mas o livro das sombras era um diário telepático, então as informações gravadas nele poderiam ter vindo de qualquer lugar. Como a biblioteca, que eu raramente ia.

– O que isso tem a ver com demônios?

Perguntei confusa.

– É um trono da condenação.

Amora respondeu agora fitando o professor.

O nome era familiar, mas a resposta a ele me fugia completamente da mente.

Então Skandar levantou sua mão.

– Ele é de verdade?

Perguntou ele com certa apreensão.

– Sim senhor Romenick. Alguém que ter a honra de explicar o que é essa coisa?

Perguntou.

Roman levantou a mão, antes mesmo que Rex tivesse a oportunidade de fazer.

– O trono da condenação é usado para aprisionar bruxos por sua capacidade de impedir seu fluxo de magia – disse ele com sua voz firme e sedutora – Foi criado pelos demônios é uma das poucas armas usadas por eles contra nós, que nós também adotamos como modo de confinamento.

– Exato senhor Leonov-Grant. O trono da condenação que não é nada muito diferente que uma grande poltrona de ferro, é usada contra bruxos há séculos. Alguém sabe como ele funciona?

Foi a vez de Zander responder.

– Ela prende o bruxo com barras de ferro em nossos cinco pontos de essência, e isso corta nossa distribuição de magia e nos deixa indefesos.

– Excelente, senhor Konstantin. Senhor Herveaux quer ajudar na apresentação?

– Hmm... É que de qualquer maneira eu só posso usar magia com minha irmã. Não sei se vá ser de grande ajuda...

Math tentou falar, mas não funcionou.

– Sei disso senhor Herveaux, e sei também que tem a maior força telecinética da sala, e é isso que quero abordar. Então, por favor...

– Claro.

Concordou Math por fim, se levantando do seu lugar e indo em direção ao trono da condenação, que me fez lembrar aquelas cadeiras de metal onde os sentenciados a morte sentavam para serem eletrocutados. Isso não me parecia nada convidativo, mas empolgante de qualquer maneira.

Assim que meu assustado irmão sentou no trono da condenação ele foi preso.

– Como podem ver o mecanismo só se ativa quando o bruxo encosta na parte de trás – amarras de metal prendiam seus pulsos, tornozelos e seu pescoço com força, me parecia altamente sufocante e difícil de olhar, eu conseguia sentir em mim que a conexão entre nós havia sido limitada violentamente – Os cinco pontos presos com o ferro cortam a circulação de energia impossibilitando que o bruxo lance ou faça qualquer magia. Se essa vier de sua origem na bruxaria, é claro. Outros seres místicos não são tão afetados pelo ferro como nós. Fora é claro, seres feéricos, mas ferro para eles é mais uma coisa como intolerância. Porém, todo o mecanismo só tem sucesso se for preso e feito corretamente. Todo em ferro puro. Ele tem que prender as cinco partes corretamente. Não muito acima dos punhos ou dos tornozelos, então para uma prisão é necessário haver dezenas deles, em tamanhos diferentes e alguns até mesmo que se moldem ao corpo do aprisionado. Agora, senhorita Herveaux, a senhorita sente uma diferença, não sente?

Assenti com a cabeça, passando a mão em meu pescoço. Primeiro pelo frio, e segundo pela aflição.

– É como se a conexão estivesse cortada.

Comentei sem muita animação, a demonstração trouxe um sorriso feliz ao professor, ele parecia gostar daquilo. Não do nosso desconforto, mas sim da atenção focada pelo aprendizado. A curiosidade no olhar de todo mundo.

– Senhor Herveaux tente fazer algo. Mover qualquer objeto ou se comunicar com sua irmã. Algo qualquer. Lembrando que dependendo do bruxo, quando ele é preso ele ainda pode ter alguma reserva de energia acumulada. Nada demais, que se esvai em poucos segundos assim que ele tenta se libertar usando magia.

– Me sinto desconfortável por ele.

Joshua respondeu. E dessa nem meu irmão poderia escapar. Talvez Houdini, mas Matheus não era um grande mágico do ilusionismo.

Ele segurava o apoio dos braços do trono com força, tentando se concentrar em alguma coisa. Uma lufada de vento fraco soprou por nossas nucas, fazendo as tochas tremularem um pouco, e logo desapareceu. O rosto de meu irmão ficava mais vermelho a cada segundo, e a veia saltada em sua testa era um tanto sinistra.

Entretanto ele deixou a concentração quebrar e arfou em desistência sem conseguir nenhum progresso. Sem conseguir nenhuma magia.

O professor deu um leve tapa no ar e Matheus estava livre, saltando de onde estava e se sentando o mais rápido possível em seu lugar, esfregando pescoço e pulsos como se tentasse tirar os traços do ferro que talvez tenham caindo em forma de poeira ou oxidação.

– É meio assustador.

Math comentou ao professor, fitando com repulsa o lugar onde estava.

– É, você está certo a ficar assustado senhor Herveaux. E para todos, se qualquer um de vocês for pego por uma coisa dessa não terão escapatória. Precisam entender, que se um demônio não matar você enquanto estão lutando, ser pego será um destino pior ainda. Mas um trono da condenação pode ser construído de muitas formas, então pode ser usado por vocês para derrotar outro bruxo a qual precisem retirar informações. Senhor Holt, gostaria de me ajudar?

Rex sorriu sem jeito, mas o professor Siegfried parecia estranhamente alegre com tudo hoje.

Piscadelas depois o corpo do Rex foi lançando no ar indo de encontro a uma parede. Todos abafamos um gemido, não de pena. Não mesmo.

Uma corrente avançou no chão sibilando como uma cobra até onde Rex estava, ela escorregou pela parede acima, se prendendo de forma uniforme em seus tornozelos, depois seu pulso direito, avançando pelas costas até o pulso esquerdo e subindo pela lateral do seu corpo até o seu pescoço e depois se fundiu a parede.

– Sem poder. O truque é acertar a ordem e principalmente o lugar. Pode ser feita de formas variadas, mas é preciso que cada parte que se prenda ao corpo do bruxo esteja interligada a outra. É isso que impede a energia de circular. Também funciona se fosse prender o bruxo com argolas de ferro nas cinco partes, e depois ligar cada uma delas com uma corrente feita do mesmo. Como se sente senhor Holt?

– Ensinado. Posso descer agora?

Perguntou com um sorriso cínico no rosto. Ele realmente não gostava de sair por baixo.

Como foi lá?

Perguntei a meu irmão pelo elo telepático.

Desesperador. Sentir tudo aquilo saindo de mim. Toda a magia desaparecendo. Mas foi pior depois...

Por quê?

Perguntei sentindo uma pontada das emoções dele vazando para mim.

Porque eu percebi que sem magia não precisaria me preocupar com os outros pensamentos. Aqueles que não são meus. E a ideia de somente pensar em ficar sem ela fosse melhor, e querer isso, mesmo que fracamente, me deixou assustado. E pior, também me deixou tentado.

E isso era ruim, não só por ele. Pois precisávamos nos tornar um para fazer magia, mas para isso os dois precisariam querê-la, e ele sabia que aquilo era importante para mim, então eu entendia a confusão nos pensamentos dele. Mas talvez eu pudesse repensar, sentar lá só por uns minutos para sentir o silêncio de não saber o que todos sentem. Mas não era o suficiente para me fazer querer largar tudo. Toda ela. Não mesmo.