CAPÍTULO XXXV: VESTIDOS
E agora eu entendia aquela sensação de sentir algo marchando por debaixo da sua pele, como na música, só que esse alguém marchante era um segredo que eu não sabia se deveria contar ou não.
Era confuso, não só confuso, era estressante e desgastante e principalmente preocupante para já frágil capacidade mental proveniente da minha genética.
Não podia contar ao Math o que tinha descoberto, por quê? Não sei, mas a abordagem direta com Killian não pareceu dar em nada, o que me dizia que eu ainda precisava entender o que se passava na cabeça dele antes de jogar isso no colo do meu irmão de uma vez por todas. E Amora, ah... Essa daí era um caso ainda mais confuso, pois nenhuma de nós sabia o que estava se passando realmente, e sempre havia o Roman. Ele não era um problema, nunca foi, mas uma hora teríamos que decidir o que era essa coisa que tínhamos e, eu não poderia enrolá-lo para sempre com sorrisos maliciosos e dicas subliminares.
E no final das contas Joshua era o único que ainda não havia me dado algum problema para resolver, pelo menos eu acho, isso é claro, sem contar a paixão não resolvida que ele possuía. Mas esse detalhe eu deixava a cargo do meu irmão, por enquanto.
E por fim estávamos a menos de duas semanas para o natal, e mais especificamente do Baile de Natal. Pelo que eu tinha entendido no primeiro ano de cada ciclo de alunos, a academia Beladona celebrava o natal com um grande baile familiar com os pais e alunos. Coisa com salão, vestidos grandiosos, pinheiros prateados e ponche batizado. Em grande maioria não fazíamos muita questão de acompanhar o calendário comemorativo dos humanos, mas o natal era uma desculpa perfeita para grande festas, eu acho.
Perguntou uma voz atrás da porta do meu quarto cortando meus pensamentos.
Levantei da cama e atendi, fazendo as portas se desfazerem, Birdy e Onika estavam paradas do outro lado.
Birdy perguntou estranhamente animada.
– Não, acho que está no banho.
– Okay – Onika pegou a vez – É um convite para ambas de qualquer maneira. Birdy, eu e as outras garotas vamos sair para comprar vestidos para o baile, queríamos saber se vocês querem ir junto, mesmo que seja só de companhia.
E aquilo sim parecia algo bom o suficiente para distrair minha mente das preocupações.
– Certo. Vamos tentar encontrar Amora no banheiro enquanto você pega suas coisas e nos encontra lá embaixo.
Virei de costas e procurei meu irmão na minha cabeça.
Perguntei enquanto procurava minha carteira, e principalmente meu cartão de crédito.
Isso não é a rede social Lexa, é a minha cabeça.
Eu sei, é quase a mesma coisa. Mas o que eu vim falar é que vou sair com as outras garotas para fazer compras, então sinta-se avisado.
Certo, aproveite e tente ligar para o papai, não consigo falar com ele desde ontem. Quero confirmar sua presença no baile.
Comentou preocupado, papai era um assunto sempre complicado, tanto para ele quanto para mim.
Deixa comigo, vai querer algo?
Comentou rapidamente, me deixando confusa.
Por que iria querer um troço desses?
Esqueça... Boas compras, e tente não fazer o nosso pai ficar perder muito dinheiro.
Não sei se é possível, não faço à menor ideia de quanto dinheiro ele tem. Muito, médio, pouco, razoável. É na verdade, uma ótima questão.
Respondeu pouco interessado no restante do assunto.
Prendi o cabelo com uma presilha qualquer e troquei meu short por uma saia e pus minhas botas e desci. Onika, Birdy, Hya e Amora estavam lá embaixo, fiquei me perguntando onde Hazel estaria. Mas há possibilidade de alguém me responder que ela estava em algum lugar com Rex me pareceu grande o suficiente para não me fazer querer realmente saber.
– Antes de irmos, alguma de vocês sabe como usar os ônibus por aqui?
– A diretora nos deu uma das limusines com um motorista, não vamos precisar usar o ônibus, e sim eu sei usar um ônibus. Eu os usava o tempo todo no meu país.
– Passei metade da adolescência em internatos britânicos, os rapazes que conhecíamos que nos levavam aos lugares, então não sou exatamente conhecedora dos métodos de se usar a condução pública. O que provavelmente poderia custar minha vida nessa cidade.
Comentei por fim, tratando de colocar um sorriso no rosto no final, para tentar fazer uma piada, depois de perceber a burrice de ter comentado aquilo. Mas fora Amora que me deu uma fitada mal-encarada, ninguém tinha reparado minha gafe diante a Onika, e a morte de Demetria e tudo mais.
– Então vamos, não quero esperar para sempre.
Sua pele era mais bronzeada que a minha, principalmente depois de um fim de semana de sol, e isso me irritava, e algo mais nela não me agradava, talvez os sorrisos para o Roman, juntos de Hazel se insinuando para o Killian. Ou só uma simples antipatia sem motivo, que movia a mente de pessoas normais.
Saímos do dormitório e encontramos a limusine de sempre na frente da Casa Cinza, dessa vez o motorista era o mesmo que tinha nos trazido da boate Arcadia naquela noite maluca, outra coisa que eu não deveria comentar.
Amora perguntou com um sorriso no rosto, que não me convenceu o suficiente.
– Para o shopping, obviamente.
– Talvez tenhamos sorte e encontremos alguns rapazes da escola pública.
Tentei entender a linha de raciocínio dela, mas preferi fingir que sua voz era somente ruído de trânsito.
Mas por conhecer meu irmão bastante, e por consequência saber como era a rotina das pessoas da sua escola, eu sabia que fora a magia, não fazia muito diferença entre os rapazes da escola humana dos da academia, mas achei melhor não acabar com os desejos sexuais dela.
Quando finalmente chegamos a primeira loja todas nós estávamos impacientes para experimentar alguma coisa. E até Amora parecia mais relaxada, e de algum jeito eu também.
Onika e Birdy foram rapidamente se esgueirando pelos corredores de vestidos a nossa frente, que praticamente nos perdemos. Hya e eu por outro lado fomos atraídas pelas estantes de joias no lado esquerdo da loja ao fundo, quase magnetizadas para lá.
A vendedora colocou dois mostradores de anéis e os colocou sobre o balcão, Hya experimentava as pulseiras enquanto eu olhava alguns anéis.
– Você e Roman estão juntos, não é?
Hya perguntou ainda sem olhar para mim usando as pulseiras como desculpa.
Perguntou tentando bancar a compreensiva. Ela estava sendo falsamente amigável, por quê?
Aproveitei os brincos a minha frente e comecei a experimentá-los também, forçando meu rosto a ficar tão tranquilo quanto o de Hya.
– Não preciso que ninguém tome as rédeas por mim, quando eu quiser, vai acontecer. Claro que você me entende, né?
– Sim, sim. Claro, mas acho que eu ainda sou das antigas, sabe? – desdenhou – É tão bonito o rapaz pedindo sua mão em namoro publicamente, aos seus pais, essas coisas. Mas cada um com seu cada um, é claro. Você e seu irmão são a prova disso, ele sendo o que é, você pensando do jeito que pensa, é admirável.
Respondi por fim contendo cada grama da minha raiva dentro da minha cabeça, para não quebrar nada por perto.
– Vou experimentar uns vestidos – disse agora olhando diretamente para ela e depois me voltei a vendedora, uma mulher alta com cabelo verde – Guarde esses dois para mim, por favor, vou experimentar algumas roupas.
Hya só sorriu para mim e continuou nas pulseiras, e por mim ela poderia se engasgar com elas ou ter seus pulsos cortados.
Assim que entrei nas primeiras fileiras dos inúmeros vestidos já não conseguia mais ver Hya, então dei de cara com Amora parada na frente de um espelho com dois vestidos em mãos. Um rosa que parecia um vestido de uma bailarina, e outro azul que parecia mais uma coisa que Hazel usaria para tentar dar em cima de Killian do que Amora.
– Desde quando é especialista em moda?
– Desde quando quase fundimos nossas mentes.
Completei sem saber se deveria tocar no assunto.
– Não me lembre disso. Mas já que está aqui, o que recomenda então?
– Recomendo que comece a usar cores que não estejam entre branco e preto, que é o seu usual, mas como acho que nada em você vá se encaixar de qualquer maneira, podemos procurar algo cinza mesmo. Quer ajuda?
Perguntou sorrindo, ela não queria sorrir.
– Não, mas se meu irmão souber que eu não ajudei você quando precisava vai ficar reclamando. Ele é bem mais solidário com os menos favorecidos que eu. E eu gosto, às vezes, de imitar isso nele, talvez eu vá para paraíso também um dia.
– Digo o mesmo, agora quer ajuda ou não?
– Alguém aqui disse transformação?
Onika perguntou aparecendo de trás de uns vestidos de amarelo que me davam náuseas. Birdy estava logo atrás dela com vinte vestidos nos braços que tampavam sua visão da gente, provavelmente eram da Onika.
– Não – Amora comentou rapidamente e com certa pontada de medo – Não mesmo.
– Infelizmente não, Nik – completei – Mas podemos ajudar Amora a encontrar algo cinza que não seja totalmente deprimente ou agressivo, querem ajudar também?
– Sempre – respondeu – Birdy deixe esses aí – disse espanando o ar na direção dela – Temos coisas mais importantes para fazer.
Amora acrescentou em tom baixo.
Hya não se voluntariou a ajudar e nem mesmo se juntou depois que Birdy foi até ela perguntá-la se queria participar, aparentemente a vinda dela aqui não tinha a ver com vestidos, tinha a ver comigo.
Mas logo nós quatro conseguimos alguma coisa.
Sentamos Amora em uma cadeira rosa de veludo e saímos atrás de vestidos, depois de pegarmos suas medidas.
Foi tão pacifico mergulhar naquelas emoções calmas e normais de garotas que parecia estranho.
Eu estava vivenciando as minhas, e absorvendo as delas, tentando fazer daquela experiência a mais abrangente possível dentro da minha mente. Tentando de algum jeito grudar aquilo na minha pele.
Onika apareceu com os três primeiros vestidos, dois pretos e um branco, ambos curtos, justos e provocativos como ela mesma. Amora relutou em experimentá-los, mas com certo empurrão da minha manipulação emocional foi fácil convencê-la.
Os vestidos pretos não a deixavam respirar, e ela parecia tão desconfortável como um orangotango usando paletó. O vestido branco por outro lado, simplesmente não tinha onde se apoiar já que Amora não despenhava das mesmas medidas que Onika, em relação a busto.
Eu fui a próxima oferecendo dois vestidos. Ambos, de um cinza tão escuro quanto o vestido preto que Onika escolheu. O primeiro deles era um vestido cone que deixava suas costas abertas, mas ela parecia pelo menos dez anos mais velha com ele, e para um baile de natal da academia aquilo não iria ajudar.
O segundo pareceu se moldar mais facilmente a Amora, ele era fluido e com três tiras de alças em cada lado do ombro, tinha desenhos imitando ondas marinhas brilhantes, não era um vestido de noite, mas Amora parecia ter gostado bastante desse.
Então era vez de Birdy que apareceu com o último vestido. Em seus braços havia um único vestido, e em seu rosto ela mostrava vergonha, praticamente torcendo para ser a escolha certa. O vestido era cinza claro e sem alças, com um corpete em detalhes escuros, e com a parte de baixo que me fazia lembrar um tutu, o tecido era firme e parecia como dobradura de um papel ou um leque, deixando visivelmente o inteiror do vestido, que era de um rosa claro e brilhante, e tive que me conter para não mostrar inveja, pois ele era incrivelmente lindo.
Amora ao experimentá-lo parecia fora de si, o vestido não refletia nenhuma das duas personalidades conflitantes dentro dela. Não era triste ou irritado. Mas de certa forma refletia outra parte dela que estava escondida. Ele era simplesmente feliz, mesmo cinza, os detalhes em rosa o faziam alegre do jeito dele.
Acrescentei com brilho nos olhos.
Amora disse a ela, fazendo Birdy fitar o chão, claramente envergonhada, pondo os cabelos negros para trás da orelha.
Disse percebendo que ainda não tinha escolhido o meu.
Onika retrucou se jogando nos ombros de Birdy, e nós três rimos. Amora ainda se perdia no seu reflexo no espelho circular atrás dela. Acho que nem a própria se reconhecia muito bem.
E era assustador eu estar tão perceptível a ela agora... E nada convidativo também para nossa relação tênue.