CAPÍTULO XXXVII: DENTRO DO CÍRCULO
– Não vai vomitar, né? Porque seria nojento.
Perguntei a Amora que franzia a testa de punho cerrado, assim que terminamos de chegar ao refeitório. Já que tínhamos voltado para o dormitório para deixarmos os livros das sombras e pegar um remédio.
– Estou com dor de cabeça, não enjoo. Idiota.
Retrucou se dirigindo a direção de Birdy e Onika.
Particularmente menos comunicativa hoje do que o normal, mas não só isso. Algo a mais não encaixa. Eu não queria admitir mas também estava sentindo a mesma dor de cabeça que ela. E esse era o problema. Só que doía menos em mim do que estava doendo nela, obviamente.
Estamos esperando você aqui... Há alguns metros de distância, Lexa.
Math acrescentou na minha mente chegando antes de mim até o refeitório, me virei até ele tendo aquela sensação que estava sempre presente. Como se fossemos bússolas, sempre sabendo em que direção estávamos. Com o passar do tempo a sensação se tornou normal, o magnetismo de nos tocar também diminuiu, mas quando esquecíamos de nos concentrar e focar, ainda éramos pegos por essa atração. Contudo tínhamos tanta coisa na cabeça, que tínhamos se esquecido de sermos um pouco mais como irmãos um do outro.
Me sentei ao seu lado e senti falta do ruivo emocionalmente complicado de companhia.
– Onde está o Killian? Ele não come mais?
Perguntei ao Roman, sem olhar para Math enquanto falava dele. Mas foi inevitável sentir e perceber o desconforto que pairou sobre a mesa.
– Não sei, e sinceramente não sei de nada que se passa na cabeça dele ultimamente...
Roman acrescentou entre uma garfada e outra.
Eu nem estava apaixonada por ele, e ainda sim esse rapaz confundia a minha vida por associação. Mas eu tinha decido me manter longe dessa confusão enquanto ela se acalmava, e por ora se Math queria fingir que não sentia nada e Killian também, não seria eu a colocar mais fogo na lenha que já estava alta demais. Mesmo que quisesse, e muito.
Joshua acrescentou brincando com o purê de batata.
Só então notei que ainda não tinha pegado minha bandeja.
Rex, Skandar, Hazel e Hya sentavam na mesa mais afastada, perto da bancada de comida e só então me permiti olhar realmente para as cozinheiras. Elas não me pareciam tão diferentes assim, só tinham um olhar vazio e não portavam praticamente emoção nenhuma em seus atos. O que não me tirava da cabeça que elas estavam sendo controladas como marionetes zumbis, mas tirei esses pensamentos da mente ao perceber o trabalho que daria preparar uma revolução contra trabalho zumbi.
Peguei meu almoço e sobremesa e voltei a direção da minha mesa, Birdy acenou com um sorriso enquanto eu passava. Amora que estava junto dela e de Nik, era a única a fingir não me vê. Garota problemática.
Senti alguém fitar minhas costas e virei na direção da sensação. Katerina Yorke tentou disfarçar olhando para seus pés. Aquilo me fez rir. Era curiosidade misturada com excitação, uma combinação clássica que acontecia sempre que alguém se sentia atraído por outra pessoa. Então próximo a ela estava Tate, e aquela sensação de confusão me veio dele. O bloqueei instintivamente. Ser altruísta era departamento do meu irmão, se fosse para pegar problemas que não são meus, eu não iria fazer com alguém que mal conheço.
Voltei a minha mesa e tentei me encaixar no assunto em questão, que ainda era o teste de Teoria e Conceito Básico de Magia. Os rapazes se perguntavam se aquilo valia nota, e mesmo se teríamos provas. O que era pouco provável, já que o método para graduar alguém aqui era ele estar vivo e com uma saúde mental relativamente razoável.
Roman agora parecia como um velho amigo do Math, e isso me assustava um pouco. Mesmo que todos nós andássemos junto há meses, eles ainda estavam em lados opostos. Mas quando Math e Killian cruzaram as barreiras que os separavam, Joshua e Roman fizeram o mesmo, e eu que bem, estava em todo lugar, acabei no meio de todos eles ainda mais. Agora éramos um grande grupinho complicado. E isso poderia dificultar ou melhorar minha relação com Roman se ela fosse levada ou não em longo prazo, pois logo eu teria que decidir. E eu não queria decidir. Simplesmente porque não faço à menor ideia do que decidir.
Continuar como estávamos, ou me prender a alguém que vai ficar ao meu lado – se conseguir se manter vivo – pelos próximos dois anos e meio era uma pergunta que eu não tinha resposta.
E se Amora não fosse tão Amora eu poderia estar agora com as outras garotas, mas passar mais tempo com Amora-Amora, não me deixaria mais alegre.
– Mas alguém animado com o baile?
Perguntei tentando colocar um assunto para eu comandar.
Matheus comentou, Joshua balançou com a cabeça e fez uma careta, presumi ser uma concordância com meu irmão.
Roman respondeu com seu sorriso malicioso. E era aquele sorriso que quebrava minhas defesas e me fazia cair sempre nos braços dele. Sem contar que aquele lugar em si era totalmente, e de longe, muito agradável de estar.
– Você ainda não me mostrou seu vestido Lexa.
Math acrescentou terminando sua maçã.
– Surpresa, será surpresa. Já decidiu com que roupa vai?
– Não, acho que deveria usar o terno. Entretanto usar a roupa que usei no funeral da Demetria em uma celebração de natal não parece lá muito legal.
– Você não precisa ir tão formal, cara.
Roman acrescentou ainda na metade da sua montanha de comida.
– É verdade. O vestido que compramos para Amora, por exemplo, é nada formal, é bem casual na verdade – Joshua agora prestava atenção absoluta a minha voz, isso me dava certa graça – Justo, apertado e curto. Mostra bem as curvas dela, devo admitir que é fabuloso, e curto o suficiente para ser muito sensual e ainda sim meio discreto.
– Vocês fizeram compras juntas?
Joshua perguntou tentando não mostrar interesse, como se fosse possível.
– Não precisa fingir Joshua, eu sei...
Acrescentei com um sorriso irônico.
– Argh... Mas então, foram ou não?
– Sim, fomos. Compramos lindos vestidos. Mas não, não falamos sobre garotos – ter falado de Roman com Hya não contava como conversa, já que era uma armadilha daquela vaca – E nem sei se quero saber sobre a vida amorosa dela.
– Quem sabe ela não seja tão atirada como algumas.
Respondi sem saber como retrucar de volta por que estava boba de ver Joshua me atacar assim.
Disse ele batendo os dedos na mesa, nervoso.
– Okay, mas tente não descontar em mim o seu amor reprimido.
– Por que acho que sou o único aqui que se sente normal?
Roman perguntou. Olhamos os três para ele sem saber se aquela era uma pergunta retórica ou não, então rimos, pois era o que restava a fazer.
Terminei o que restava para comer e me levantei ansiosa. Não sabia exatamente por que, mas aquela sensação me dominou de última hora.
Disse a Math que conversava algo com Joshua que eu não tratei de ouvir.
Roman perguntou ainda na metade do seu gigante almoço.
– A professora MiMi quer fazer uma sessão extra conosco – Matheus respondeu já se levantando – Então vamos um pouco antes da aula de Arte especializada começar.
– Tentem não morrer no período que ficarem longe.
Joshua completou olhando Roman, rindo da própria piada.
– Quem sabe – retruquei – Mas não prometo, então vamos...
Respondi agarrando o braço de Math, sentindo a conexão física se fazer e a energia fluir dele para mim e tudo mais.
Nossas sessões particulares com a professora Santiago geralmente envolviam aquele lance de ver o que o outro via, e desde nossa primeira tentativa, não avançamos muito. Um de nós precisa sempre se concentrar no que o outro queria ver para dar certo. Então ela gostava de trabalhar aquela coisa de pensamento compartilhado. Onde temos que criar um padrão para quando quisermos lutar. Esse que também não tem dado muito avanço. Pois sempre que eu escolho agressividade meu irmão está pensando em passividade, e assim por diante.
Atravessamos a porta do refeitório com a sala da professora MiMi em mente, e fomos parar em algum lugar escuro.
Matheus e eu soltamos os braços para tentar pôr a mão em nossas testas e estreitar os olhos para pouca luz a frente.
– Sinceramente, como eu vou saber?
Respondi antes de tropeçar em uma depressão no chão.
Arfei ao sentir o chão duro no meu rosto.
Disse a voz da professora MiMi de alguma direção.
Matheus exclamou me ajudando a levantar.
Senti três traços finos de um corte no meu rosto, mas não era nada demais.
– Claro, me desculpem. Tochas, por favor.
Disse e todas as tochas se acederam, mostrando que estávamos em uma sala enorme e circular, feita de rocha solida negra e muito escura.
Procurei sem achar nada chamativo.
Disse sem muita animação, finalmente tomando conta da forma cravada no chão. O símbolo da marca da união, que se formava na palma da mão direita de cada bruxo que tinham selado o pacto da união, formando um círculo.
Duas linhas sibilantes que se cruzavam formando um círculo.
– Vamos resolver seus problemas com descargas de energia.
Disse ela ajeitando o vestido vermelho e amarelo.
– Hmm, não temos problemas com descargas de energia desde que começamos a praticar magia.
– Mas não quer dizer que a energia foi utilizada, só suprimida por alguma coisa. E é isso que vamos trabalhar aqui hoje, no que está suprimindo a energia acumulada de vocês. Por isso achei que usar um círculo de conjuração dentro da marca da união seria uma boa ideia. Senhor Herveaux poderia nos iluminar com informação, por favor.
– Um círculo de conjuração normalmente é um pentagrama onde bruxos utilizavam das próprias energias neles para aumentar seus poderes exponencialmente. Quando esculpidos em rocha solida como esse – apontou ele, para o círculo de conjuração que estava dentro da marca da união – Significa que eles foram feitos em solo sagrado e possuem propriedade especiais.
– Esplêndido, esplêndido, esplêndido!
Meu colega de quarto é o Joshua, lembra? Passo mais tempo com ele na biblioteca do que prestando atenção na minha própria ansiedade atualmente.
A propósito o que ele tanto faz lá ultimamente?
Como vou saber? Ele não me deixa ver o que está pesquisando.
Sério, amizades normais ninguém quer...
– Prestem atenção em mim meus pombinhos.
– Quero que tentem usar seus poderes aqui, literalmente colocá-los para fora.
– O que o tem que acontecer. O círculo vai maximizar o poder de vocês e ajudá-los a controlar e induzi-lo para fora de seus corpos.
Olhei para meu irmão estendendo minha mão e ele fez o mesmo. E bem, não foi como planejamos.
E energia criada pelo toque nos lançou em duas direções diferente fazendo nossos corpos girar no ar.
– Devagar, meus queridos. Devagar.
Pulei do chão frio tentando abafar um gemido de ódio.
– A senhora disse que isso iria nos ajudar a controlar a energia...
– Mas que também iria aumentá-la – disse ela me cortando – Precisam aprender a controlar uma enorme carga de poder.
Matheus perguntou vindo em minha direção.
A professora MiMi nos fitou sem responder e continuou a sorrir fortemente.
E aparentemente essa seria outra tarefa que não iríamos entender muito bem. E eu ainda tinha a leve impressão que isso iria acabar com toda a minha tarde.
– Hematomas nunca serão sinônimo de bem-estar.
Comentou por fim, acenando de forma afirmativa a minha pergunta.