Legado & Sina
June 11, 2023

CAPÍTULO XXXVII: OS ESCOLHIDOS

Lexa

Tudo parecia estar indo bem de novo, isso se eu ignorasse todos os fatos realmente preocupantes. Como a guerra que iriamos enfrentar, as mortes que iriamos ser obrigado a presenciar e toda dor física e emocional que seriamos infligidos. Tirando tudo isso, tudo estava indo até bem demais.

E por causa disso era infelizmente hora de focar em outros aspectos mais preocupantes de nossas vidas. O que significava que por ora, sem mais festas, sem mais escapadas sexuais, sem mais todas essas coisas tão – incrivelmente – boas.

Então era hora de sermos mais um círculo do que adolescentes, por isso os professores decidiram nos dar uma nova aula na sala circular essa noite depois da aula de demonologia. O que eu não estava realmente animada, porém, não era mais questão de estar ou não estar, ou de querer ou não querer. Era uma questão de pura sobrevivência.

– Você está quieta demais.

Disse Math para mim, enquanto olhava para o professor Siegfried.

– Só relembrando bons momentos.

Respondi com um sorriso malicioso que o fez corar, porque provavelmente ele também deveria estar relembrando algumas coisas. Que por sorte não haviam vazado pelos muros.

– Vamos pessoal, vocês sabem essa resposta.

Disse o professor ao vento me fazendo retomar atenção para aula.

– Do que ele está falando?

Perguntei a Amora, ela estava concentrada na aula.

– Ele nos perguntou sobre quais ervas podemos usar para curar ferimentos causados por veneno de demônio.

– Ah, então não foi para mim a pergunta.

Não fazia a menor ideia de qual seria a resposta, e pensando agora, depois que uníssemos o círculo iríamos adquirir a capacidade de absorver os conhecimentos um dos outros, além da maximização de poder. E isso sim seria útil para mim e minha incapacidade de conseguir reter informações pertinentes sobre a fina arte de continuar viva ao enfrentar os parasitas do purgatório.

– Última chance, mais alguém sabe responder essa perguntar, sem ser os senhores Strider, Kane e Holt? Preciso que alguém mais saiba. Ninguém? – perguntou esperançoso, mas ninguém se atreveu a levantar a mão – Okay então, pelo menos três de vocês sabem. Olhem para o quadro – disse ele e a planta se desenhou em giz branco, verde e roxo – Seu nome é verbena, e ela pode ajudá-los a combater alguns venenos demoníacos, pessoal. É rara, mas pode ser produzida em casa até, com certas condições adequadas. Simplesmente pressionem-na sobre o machucado e digam algumas palavras catalisadoras, e pronto. Ela irá queimar o veneno, o que geralmente não é agradável, mas o torna capaz de sobreviver ao ferimento. Agora, por favor, gravem essa informação. Vocês podem precisar dela um dia. Simples assim.

– Sim, senhor.

Dissemos em uníssono. Ele fez uma careta pelo nosso desdém.

– O que está havendo com vocês hoje?

Amora perguntou, apontando com olhar para Math e Roman também, Killian na verdade parecia o mesmo, fitando Math como se fosse ele fosse a lua e meu irmão a Terra e sua gravidade.

– Nada.

Disse sorridente

– Estão diferentes, desde ontem. Estão aprontando algo, sei disso.

Comentou me olhando irritada.

– Nós? Nunca!

– Não sei por que me importo, nenhum de vocês é capaz de guardar um segredo por muito tempo mesmo.

Respondeu, voltando a prestar atenção ao professor.

E bem ou mal ela estava certa, mas Joshua havia pedido para mantermos isso em segredo por enquanto, Amora ainda não estava confortável com toda essa situação. Mas isso não significava que eu manteria o segredo para sempre, somente por alguns dias, depois um de nós acabaria se integrando de qualquer maneira.

P.S.: Amora está desconfiando, tudo em menos de quarenta e oito horas.

Pensei, abrindo os canais telepáticos para meu irmão.

Como é possível?

Não sei, pergunte a ela.

O que você insinuou?

Eu? Nada.

Lexa...

Nadinha mesmo, juro. Palavra de escoteira mirim.

Entoei por fim, porém, ela poderia realmente ter sacado algo vendo o estado que eu voltei naquela madrugada ou pelos meus comentários sobre partes anatômicas do Roman, porém, era tudo muito relativo para ter alguma conclusão.

– Senhorita Herveaux?

Perguntou o professor a mim.

– Sim?

Perguntei por fim, voltando a prestar atenção.

– Então, pode me responder à pergunta que fiz?

Pergunta? Que pergunta? Mano ajuda aqui.

Eu não sei, estava falando com você. Ambos estávamos distraídos.

– Pois é professor, você poderia repetir a pergunta para mim só para eu ter certeza da minha resposta?

Perguntei do modo menos cínico que consegui.

– Claramente senhorita, cite três seres do nosso mundo, que possuem habilidades naturais que podem ferir demônios.

– Oh, claro... Er...

– Você conhece ambas as três senhoritas Herveaux, só precisa se concentrar e vai entender. Estão juntos da senhorita há bastante tempo.

Disse usando aquele olhar que os professores nos davam sempre que queriam se referir a algo que tinha ligação com o círculo.

– Bem, a fênix pode queimá-los, né? E os outros dois... Er... Ar...

– Ela não sabe, está óbvio professor.

Disse Hazel me cortando, usando aquele tom superior e egocêntrico que ela e Hya partilhavam.

– Talvez devesse estudar mais querida, só mais um pouquinho.

Falando no diabo, aliás, ali estava ele, ou melhor, Hya.

– Quietas senhoritas, a vez das duas vai chegar, então, por favor, esperem em seus lugares e guardem seus comentários malvados para si – disse ele as fazendo ficar vermelhas de vergonha – Mas elas não deixam de ter razão senhorita Herveaux, a senhorita precisa estudar um pouco mais.

– Sugestão anotada, professor.

Acrescentei sorrindo, mascarando a fúria.

– Muito bom, agora posso lhe ajudar com isso também. Como a senhorita mesmo disse, o fogo da fênix fere os demônios, do mesmo jeito que a mordida de um lobisomem pode envenená-los e o grito de uma banshee pode chegar até a matar demônios de classe baixa.

E o choque foi automático.

Meu mordomo era um lobisomem e minha amiga era meio banshee o que significava que sim, eu sabia as respostas mesmo sem saber e isso era muito estranho.

– O que o senhor quer dizer?

Amora perguntou e todos olharam para ela, o senhor Siegfried compreendeu seu susto, os outros nem tanto.

– O veneno do lobisomem, que transforma humanos em bestas, age como supressor dos poderes demoníacos já que ele tem como base de suas características modificar o DNA dos seres vivos, e as banshees sãos os seres feéricos conectados a morte em todos seus âmbitos, inclusive o plano dos mortos, por isso seu grito é capaz de ultrapassar planos imateriais, sendo um desses os dos demônios. Por isso seus gritos os ferem, quanto mais alto e poderoso, mais dano ele causará, podendo, como já disse, derrotá-los. Claro, que para conseguir esse tipo de proeza é necessário prática e principalmente sorte. Pois nenhum demônio ficará sentado esperando ser atacado. Agora voltemos ao assunto inicial.

Disse ele se virando e voltando para o quadro negro.

//

A aula acabou sem mais nenhuma surpresa, mas todos estávamos cheios de perguntas sobre as novas revelações jogadas em nosso colo.

E uma coisa me perturbava.

– Como eles nunca me contaram aquilo?

Amora perguntou incrivelmente chateada.

– Quem sabe? Isso mostra que claramente eles estão escondendo informações sobre nós, o que mais temos que pode ajudar e que nem mesmo sabemos?

Perguntou Roman.

– Informação seletiva – Joshua comentou brincando com a comida – É isso que estão fazendo. Não chega a ser omissão, mas também não parece certo.

– É curioso pelo menos.

Killian acrescentou.

– Vamos questioná-los então, dessa vez não vamos deixá-los fazer joguinhos conosco. É o nosso futuro, e a nossa união que vai salvá-los, e isso nos dá direito de saber tudo que temos que saber.

Math completou decidido.

– Eu apoio, estou de saco cheio de ser deixada de lado e acabar esbarrando contra demônios sem estar preparada.

Exclamei.

– Vai ser isso então que vamos fazer hoje, na aula?

Joshua perguntou.

– Você tem uma ideia melhor, parceiro?

Roman perguntou.

– Não, e isso me incomoda.

Respondeu fitando o horizonte atrás de nós.

Segurei com força na mesa e me levantei decidida.

– Então vamos atrás dessas respostas. Simples, quanto mais cedo melhor, eles estão nos esperando de qualquer maneira.

Respondi convencida.

– Tem certeza disso?

Killian perguntou.

– Não, mas algum de nós tem certeza de alguma coisa, por acaso? Eu adoraria saber.

– Não seja má, Lexa.

Math retrucou.

– Desculpe, é só a empolgação. Agora levantem, temos trabalho a fazer pessoal.

Exclamei.

Jogamos os restos do nosso jantar na lixeira e empilhamos as bandejas de plástico coloridas e atravessamos a porta do refeitório antes que mais alguém quisesse pegar carona conosco, mas diferente das outras vezes não fomos levados a Sala Circular como de costume nos dia de aula, mas para outro lugar, um lugar que não via há meses.

– O que estamos fazendo aqui?

Math perguntou, reconhecendo o lugar que estávamos, o mesmo onde havíamos treinado com a professora Santiago para controlarmos nossas descargas de energia, o tablado de rocha pura onde havia um círculo esculpido no chão.

– Olhem as marcas no chão!

Disse Joshua tão animado quanto Math na primeira vez.

– É a marca da união.

Roman comentou surpreso.

– É um círculo de conjuração gigantesco, esculpido em rocha solida, feito em solo consagrado. Treinamos aqui algumas vezes com a professora MiMi, para controlar nossas descargas de energia.

Math explicou para os outros.

– Por que nos trariam para cá?

Amora entoou, mas foi respondida logo em seguida pelas sombras.

– Para testá-los – disse o professor Siegfried surgindo – Vocês sabem tão bem quanto eu, e quem sabe podem sentir, que o dia está próximo e logo Astaroth tentará romper o primeiro selo e se pretendem unir o círculo para enfrentá-lo, vocês terão que estar preparados para o poder que isso vai dar a vocês. Nós achávamos que teríamos tempo de ensiná-los a fazer isso direito, com vocês já unidos, mas não temos tempo, a guerra vai começar mais rápido do que estávamos preparados, e mesmo que Pippa estivesse sendo drástica demais no passado, ela estava certa em dizer que precisamos que se unam o mais rápido possível e enquanto isso não é possível, tentaremos ensiná-los a ter mais controle de seus novos poderes e a nova quantidade de energia que essa união dará a vocês, usando esse local como amplificador.

– Okay – disse Amora rispidamente – Mas o que foi aquilo lá?

Perguntou, e era óbvio saber do que se tratava.

– A verdade senhorita, sua linhagem materna tem o poder para matar demônios, só isso.

– Mas por que não me contaram isso antes?

Perguntou ofendida.

– Iria adiantar em alguma coisa senhorita van Allen? Quanto tempo demorou para aceitar sua linhagem feérica de verdade? E quanto desse poder você sabe controlar? Alguma vez já usou o lamento da carpideira? – disse ele tão calmamente que chegava a ser ainda mais irritante do que o senhor Garrett. Amora não soube o que responder – Enquanto você não estivesse pronta para aceitar essa parte de você, bombardeá-la com essa informação não serviria de nada.

Acrescentou.

– O que é o lamento da carpideira?

Roman perguntou.

– Uma habilidade ofensiva das banshees que se categoriza pelo toque, pelas lágrimas ou pelo grito. Isso é o lamento da carpideira.

Amora explicou.

– Exatamente, é por causa desse poder que elas são conhecidas como guardiães da morte. Tanto com a habilidade de impedi-la como de provocá-la. E a morte atinge a todos minha querida, até mesmo os demônios.

Completou.

– Certo – disse por fim me metendo – Pensei um pouco sobre isso depois da aula e achei uma coisa bem engraçada, senhor Siegfried, estaria interessado em saber o que?

– Claro, senhorita Herveaux.

– É simples. Veja só, temos a fênix, a banshee, um curandeiro, e até mesmo um atirador, sem esquecer dos gêmeos-maravilha. Nascemos com o poder e as habilidades necessárias para isso, quase como se fosse coincidência demais estarmos aqui. Não parece maluquice?

– Não senhorita Herveaux, por que não é. Já dissemos a vocês antes, cada um de vocês tem habilidades especificas e que juntas se tornam imprescindíveis para essa guerra. E são esses dons que vão nos salvar. Feri-los com fogo místico, um grito supersônico ou com uma bala de prata são só maneiras, porém, todas dominadas por vocês e seu imenso poder. Por isso se unir é tão valioso para essa cidade e para a proteção dos selos. E por isso a magia decidiu uni-los como um.

– Ou talvez o grande conselho do clã tenha feito isso, por ela.

Disse Killian surgindo atrás de mim com um suporte que eu não esperava.

– Killian...

Math tentou dizer, mas a expressão de Killian era séria e clara.

– Não fale isso senhor Kane, você mais que qualquer um aqui deveria respeitar o Grande Conselho, pois cresceu ao redor deles a vida toda mesmo que indiretamente. E mesmo eles, tão cheios de poder não tem a capacidade de fazer isso. De provocar a marca da união em vocês e forçá-los, somente o destino pode e isso nem o Grande Conselho pode mandar.

– Então temos que simplesmente acreditar que é verdade?

Matheus perguntou de braços cruzados.

– É magia, senhor Herveaux. A maior parte dela é acreditar, e vocês sabem disso.

Completou.

– Não, magia é cinquenta por cento poder e cem por cento de vontade, acreditar ou não é ocasional, é opcional. Temos o poder querendo ou não e isso não é justo.

Retruquei.

– Justiça? Minha querida. Acha mesmo que queremos lançar seis jovens em uma guerra quase sem nenhum preparo? Claro que não. Se pudéssemos absorver seus dons e lutar em seu lugar, lutaríamos, mas não podemos. Eles não foram dados a nós, mas foram dados a vocês porque só vocês podem fazer isso e ninguém mais. Mas caso as coisas mudem, ótimo. Porém, até agora nada mudou, e eu preciso que vocês estejam comigo aqui. Nesse círculo. Treinando e aumentando seu poder. Enderam?

– Sim.

Respondemos em uníssono. Treinar era a única coisa que restava.