Legado & Sina
June 14, 2023

CAPÍTULO XXXVIII: DE PAI PARA FILHOS

Matheus

– Mais uma vez, vocês conseguem.

Disse a professora Moraes nos mandando empilhar mais uma pilha de blocos de rocha pura do tamanho de nossas camas.

– Não acho que brincar de lego vai nos ajudar.

Lexa comentou irritada, mas todos estávamos de mau humor na verdade.

Era nossa quarta sessão no círculo de conjuração somente essa semana, e sempre fazíamos as mesmas coisas. Entravamos neles e testávamos feitiços atrás de feitiços e na outra parte do tempo levitávamos coisas pesadas. Tudo isso enquanto tentávamos usar a energia dos seis em conjunto para aumentar nossa sincronia.

– Como bruxos vocês precisam aprender novos feitiços e como utilizá-los de diversas formas, mas contra demônios no seu estado atual vocês não terão tempo de elaborar planos mirabolantes e executar complicados feitiços que ainda não entendem, então sua telecinese e seus dons serão sua maior vantagem, e precisam aprender a controlar essa energia.

Respondeu a professora.

– Mais ou vez?

Josh perguntou pingando de suor, quase suplicando para ouvir um não.

– Sim, mais uma vez, agora empilhem três blocos no canto oeste.

Todos nos viramos e miramos nossas mãos para os blocos. A telecinese havia sido complicada no início. Amora e Lexa tinham destruído metade do teto na primeira vez tentando usar seus poderes combinados. Roman aprendeu a flutuar com a telecinese mais quando tentamos todos juntos nos tornamos uma bola de neve caindo morro abaixo de tão amalgamados que ficávamos, sem contar a falta de controle.

– Não pode nos dar outra coisa para fazer então?

Pedi, passando a barra da manga do uniforme de ginástica na testa e na nuca. Aquele suor todo me dava ânsia.

– Algo mais interessante, talvez.

Killian acrescentou.

– Ou menos entediante, pelo menos.

Roman completou.

– Tudo bem – disse ela sorrindo – O que acham de jogar futebol?

– A senhora sabe que mais da metade de nós não tem músculos o suficiente para isso, não é?

Lexa perguntou quase ofendida com a proposta, o que era estranho, ela gostava de futebol.

– Não futebol americano, senhorita – explicou fazendo uma bola redonda surgir na palma da mão – Quero que agora refinem o controle que ganharam da sua telecinese. Já me mostraram que podem controlar grandes pesos, mas conseguem fazer todo esse poder ser preciso?

– O que vamos ter que fazer?

Amora perguntou desfazendo seu rabo de cavalo.

Seu cabelo agora quase ultrapassava os ombros, e eu me pergunto quando foi que ele cresceu tão rapidamente?

– Assim.

Disse a professora lançando a bola no chão, logo depois ela começou a deslizar por ele, primeiro achei que ela a controlava com sua mente, mas não, ela controlava o chão. Criando uma espécie de rachadura viva que empurrava a bola para onde ela quisesse que fosse.

– Podem fazer isso?

Perguntou desdenhosa, mas Killian a respondeu com ação.

Ele pôs a mão para frente e com os dedos criou uma rachadura que roubou a bola da professora.

– Claro que sim.

Respondeu com um meio sorriso.

Somos uma péssima influência para ele.

Comentei rindo.

Pelo contrário mano, somos uma ótima influência.

Acrescentou Lexa pulando na minha frente, outra rachadura surgiu e a bola de Killian foi roubada dele.

– Tentem me alcançar.

Gritou Lexa correndo.

– Mas espera, qual é a finalidade do jogo, fora o controle?

Perguntei.

– Façam uma, é a sua energia que está sendo utilizada.

A professora esclareceu.

– Podemos criar uma trave com as rochas.

Joshua comentou.

– Então façam...

Começou ela a dizer até ficar muda, e eu reconheci aquela expressão perdida, como se estivesse falando com alguém na nossa frente, e essa pessoa não existisse, era a que eu e Lexa tínhamos, e que logo os outros teriam, ela estava falando com alguém do seu círculo pelo elo telepático.

– Senhor e senhorita Herveaux, creio que vocês dois tem uma visita inesperada.

Disse a professora em tom sério.

– Quem pode ser?

Lexa perguntou.

– Deve ser os nossos avós.

Respondi confuso.

– Vão ver logo.

Amora completou.

– Todos podemos ir?

Perguntei.

– Claro, estão dispensados.

Respondeu, e todos atravessamos o portão sul em seguida e fomos levados diretamente para as portas da Casa Cinza, saindo no grande gramado, por onde entramos pela primeira vez aqui.

– Quem estamos procurando exatamente?

Amora perguntou com tom exausto, estávamos agora com nossas roupas convencionais novamente, e já era fim de tarde de quinta.

– Procurem nossos avós.

Disse Lexa até que eu consegui visualizar aquela imagem parada com seu ombro encostado em uma árvore. Facilmente podendo se passar com alguém com pouco mais de trinta e cinco anos, com a mesma aparência do dia que nos separamos como se os quase treze anos nem tivessem acontecido, e para bruxos realmente era quase isso.

– Pai?!

Disse por fim travando a atenção de todos em mim.

Lexa virou abruptamente, a tempo de vê-lo se virar em nossa direção é abrir um sorriso largo e amigável que me deixava desconfiado.

– Oliver, Lexa. Como estão?

Perguntou, andando em nossa direção em passos largos.

Papai era grande, alto e de porte atlético assim como Killian.

Ele tinha cabelos de um castanho quase preto e olhos azuis. Pele bronzeada e covinhas nas bochechas. Um perfeito enganador.

– Esse é o seu pai?

Josh perguntou em tom baixo.

Respondi que sim com a cabeça, sentindo o corpo de Killian se aproximar de mim em forma defensiva. Como se meu pai fosse uma ameaça em potencial.

Abri a boca para falar algo que o convencesse do contrário, porém, algo estava apitando na minha cabeça.

– Faz muito tempo.

Disse ele agarrando minha mão e a da Lexa com as luvas grossas. Elas eram frias.

Comentei sem perceber se estava hipnotizado ou não por tudo aquilo, mas não de uma forma boa.

– É verdade, vou começar me desculpando pelo Natal, ocorreram coisas além do meu controle. Vou tentar aparecer mais agora.

– Vai conseguir cumprir essa promessa, papai?

Lexa perguntou com um sorriso de adoração no rosto, quase meigo. Ela o adorava, muito mais que eu. Ele era tudo que ela queria ser, independente de tudo e todos. Até mesmo de nós, diga-se de passagem.

– Vocês poderiam me apresentar a seus amigos, eles parecem curiosos para me conhecer.

Acrescentou sem respondê-la.

– Claro, claro – disse ela animada, saltando para trás e pegando Roman pelo braço – Esse é Roman Leonov-Grant, meu namorado – a careta do papai foi engraçada, ele não sabia dessa novas informações – O ruivo parado ali como um drone de proteção policial do futuro é o Killian Kane, o namorado do Math, aliás – disse ela mais rápido do que o meu cérebro foi capaz de processar, e só então percebi o sangue se acumulando nas maçãs do meu rosto e o torpor me encher de vergonha, papai olhou para Killian com uma expressão séria e responsável, uma a qual ele não tinha lançada em Roman, meu estômago enjoou na mesma hora, Killian por outro lado só o encarou – Os outros dois são Joshua e Amora, que não são tão importantes. São respectivamente por sexo, nossos melhores amigos, totalmente dispensáveis.

– Hey.

Amora entoou ofendida, Joshua só riu sem graça.

– Joshua Strider e Amora van Allen.

Comentei com meu rosto congelado no chão.

– Muito prazer, senhor.

Disseram os dois ao mesmo tempo.

– Ah, aparentemente eu perdi muita coisa – comentou fazendo piada, Lexa riu, eu tentei também – Muito prazer a todos. Mas ficaria muito grato em conhecer mais vocês dois.

Disse ele apontando para Killian e Roman.

– Claro, senhor – Killian respondeu estendendo a mão para ele com um olhar sério e cheio de poder, aquilo tirou um suspiro de alivio de mim, Killian diferente da maioria não deixava seduzir, e talvez um olhar que não fosse tendencioso pelo amor incondicional da minha irmã ou as suspeitas talvez infundadas da minha parte fosse o que eu precisava – Agora, vamos dar licença a vocês, devem ter muito o conversar.

Meu pai apertou a mão de Killian, e pude vê-lo franzir a testa rapidamente para o aperto de mão, era forte, eu sabia com certa.

Roman fez o mesmo, e Josh e Amora acenaram com as mãos antes de desaparecerem pelas portas da Casa Cinza.

– Mas o que o senhor está fazendo aqui, pai?

Lexa perguntou.

– Visitando vocês. Todas essas novidades me deixaram preocupado.

Disse ele e nossos olhos se cruzarem, o que ele sabia?

– O que quer dizer?

Perguntei, mas ele pegou nossas mãos direitas e virou nossas palmas para cima.

– Da guerra, é claro. Todos os pais foram notificados, aliás. Estamos cientes do que vocês vão se tornar.

– Isso é verdade? – Lexa perguntou para mim, acenei com a cabeça, meu pai não havia mentido – Desde quando vocês sabem de tudo?

– Há bastante tempo. Antes de entraram aqui.

Esclareceu.

– O que?!

Perguntamos ao mesmo tempo.

– Todos vocês já sabiam disso, desde antes de entramos aqui?

Perguntei.

– Exatamente

– Isso explica por que os pais de Roman deram aquele endereço para ele – Lexa acrescentou – Vovó e vovô também?

– Eu pedi a diretora que não informasse aos seus avós e deixasse isso comigo, então informei somente ao seu avô. Sua avó ficaria preocupada demais se soubesse a verdade desde o início.

– Agora ela sabe, por acaso?

Perguntei.

– Acho que sim, seu avô disse que iria contar a ele quando à hora chegasse, não falei com eles depois disso.

– E eu achando que nunca pararia de nos surpreender, doce academia.

Lexa comentou revirando os olhos.

– Não tivemos escolha, quando um grupo como vocês é escolhido para formar esse tipo de aliança, nada e nem ninguém iria se opor a magia que os conecta. Não iria adiantar separá-los. Por que...

– A magia sempre encontra um jeito de acontecer.

Dissemos juntos, essa era a uma frase que nosso pai repetia muito e muito.

– Nós sabemos, pai.

Disse por fim, sem saber se ficava chateado ou não.

Mas se ele sabia disso tudo há tanto tempo, por que não nos visitou mais, estávamos praticamente marcados para morrer aqui, qual era o problema dele?

– Você sabe sobre os outros?

Lexa perguntou.

– Saber o que?

Perguntou confuso.

– Hamm, não sei. Como por exemplo, Killian tem o poder de uma fênix cravado em seu coração, Amora é meio banshee, e Joshua foi amaldiçoado ao nascer, entre outras coisas malucas.

Meu pai fez uma careta engraçada, ele com certeza não sabia de nada disso.

– Fomos informados que vocês estavam ligados ao círculo, até mesmo, nós os pais, nos conhecemos uma vez, mas não trocamos informações sobre vocês. Isso tudo para mim é novidade, e seu amigo – disse ele tremendo para pronunciar a palavra – Roman o que ele tem de diferente?

– Ele é o mais normal de nós, para falar a verdade.

Comentei, quase ofendido.

– Bom, acho que pelo menos um de vocês deveria ser pela estatística.

Ai, essa doeu. Será que ele sabia que estava sutilmente nos chamando de estranhos?

– Vamos ficar aqui por muito tempo? Porque está escurecendo.

Lexa perguntou olhando para o céu.

– Não, não. Vou levá-los para um jantar, sua diretora já autorizou, mas enquanto vão se arrumar poderiam chamar seus amigos – novamente com o tremor na voz – Queria conversar com eles, gostaria de saber o que é essa novidade toda.

– Papai, Roman não é o meu primeiro namorado, sabe disso, não é?

Lexa perguntou, achando graça de tudo.

– Sei disso, mas não faz mal averiguar.

Comentou.

– Você vai gostar do Killian.

Tentei acrescentar, mas minha voz saiu fraca e falha. Mas ele não respondeu.

Algo em mim queria repetir o que falei em voz alta, e forçá-lo a responder, outra queria perguntar se ele havia ouvido. E agora eu me recordava da sensação que permeava sempre que estávamos os dois juntos no mesmo local por mais de cinco minutos, a sensação de total e completa de ser ignorado.

– Vamos Math, vamos logo.

Lexa completou agarrando meu braço então começamos a andar, porta adentro.

Quando atravessamos a porta nossos braços se separaram e fomos cada um para um lugar diferente.

Quase tropecei em um sapato perdido até perceber que não estava no meu quarto, mas nos de Killian e Roman.

– Tudo bem?

Killian perguntou.

– Papai vai nos levar para um jantar, mas antes quer conversar com vocês dois.

Disse sem entender muito bem o que era aquilo tudo.

– Tudo bem.

Disse Roman terminando de trocar e blusa.

– Ele está lá fora, no mesmo lugar.

Acrescentei, Roman passou por mim fitando Killian, não consegui decifrar o que aquela conversa rápida tinha significado, ignorei então.

– Está tudo bem com você, Ollie?

Perguntou ele aproximando seu rosto do meu quase como se fosse me beijar.

– Tem algo estranho nisso tudo, sei que tem.

Respondi.

– Nos seis juntos podemos lidar com tudo, você sabe disso, não é?

– Sei. Eu não conheço meu pai tão bem quanto Lexa, mas ele é esperto e acho que ele não gostou muito dessa novidade toda. Nossa novidade, para ser mais específico, e ele sabe sobre o círculo e a guerra. Todos os pais aparentemente sabem.

As informações não pareceram surpreendê-lo.

– Vou tomar cuidado. E não se preocupe, não me importo com ele. Enquanto ele te fizer bem, ele me faz bem. Quando isso deixar de acontecer, ele vai sofrer todas as consequências, okay?

– Okay. Chute a grande bunda velha dele.

Entoei rindo.

– Eu realmente posso?

– Claro que não, pelo menos fisicamente. Agora vai, e tente surpreendê-lo. Se eu amo você, ele também deveria.

– Nunca gostei muito de pais, mesmo.

Disse ele, com aquele tom de voz que ele só usava para uma pessoa, seu próprio pai.

Atravessei a porta e me locomovi até meu quarto, Joshua estava lá parado, com aquela expressão de preocupação estampada em neon.

– Você está bem?

Perguntou rapidamente.

– Não sei. Ele nos pegou de surpresa. Ou melhor, me pegou de surpresa. O que diabos o meu pai faz aqui, agora?

Perguntei por fim irritado.

//

Nos aprontamos em tempo recorde, com Lexa buzinando milhares de informações na minha mente, mas sem se preocupar em ouvir nenhuma das minhas. Totalmente distraída com a ilustre visita de nosso pai, mas de qualquer maneira, talvez tudo não passasse de algo na minha cabeça. Uma paranoia infundada criada a partir das lacunas emocionais que possuíamos.

– Para onde vamos?

Lexa perguntou terminando de ajeitar seu rabo de cavalo.

– Vocês moram aqui agora – nosso pai respondeu – Vocês deveriam me guiar.

Estávamos na frente da garagem agora, Roman tinha emprestado seu jipe, já que nosso pai não trouxe o carro dele para cidade. Os três simplesmente parados sem saber para onde ir.

– Não saímos tanto assim da academia quanto o senhor pensa.

Lexa respondeu tentando desviar o assunto.

– Achei que tivessem permissão para sair todos os dias.

Comentou.

– E temos – respondi – Mas ironicamente não é algo que façamos. Aprendemos que há coisas lá foram que querem nos matar.

– Não podem ficar achando isso o tempo todo, não é tão literal assim. É uma bela cidade.

– Não é metafórico papai – Lexa acrescentou – Literalmente tem coisas lá foram que já tentaram nos matar, umas três vezes. Aprendemos que estar lá fora em alguns momentos pode nos colocar em meio a uma batalha e da última vez quase não conseguimos, e outras pessoas já morreram em nosso lugar.

Completou se lembrando de Demetria.

– Não foi nossa culpa.

Respondi por fim, papai não acrescentou nada depois disso era nítido que ele não estava a par do restante dos fatos seja por falta de interesse dele ou por falta de responsabilidade da academia em informa-lo, eu não saberia dizer.

– Eu deveria ter alugado um carro, vou parecer ridículo dirigindo um jipe.

Comentou fazendo piada.

– É o carro do meu namorado pai, não é tão ruim. Mas o senhor talvez pudesse nos dar um de presente, assim poderia escolher um do seu agrado para usar aqui quando viesse para cidade.

Disse ela sorrindo sem perder a oportunidade.

– Você não vai conseguir querida, não tente.

– Ah, pai! Giovanni deu um para Roman, o senhor poderia nos dar um também, tem dinheiro para isso.

Disse ela suplicante.

– Acho que na verdade foi o Michael que deu o carro ao Roman. Giovanni queria dar a ele um quadriciclo.

Comentei me intrometendo. Eu não queria um carro mesmo.

– Michael? Giovanni?

Meu pai perguntou confuso.

– Os pais do Roman, Michael Grant e Giovanni Leonov.

Lexa o respondeu enquanto olhava no retrovisor.

– Claro, claro. Me recordo agora. O humano que sabe sobre nós e o cigano da tatuagem.

Comentou virando o rosto e franzindo a testa.

– Então vamos?

Lexa perguntou já dentro do jipe, no banco da frente.

Entramos e demos partida, a porta da garagem levantou e logo estávamos do lado de fora dos portões e um aperto cruzou minha barriga.

Sentiu isso?

Perguntei a Lexa através do elo, nem ela poderia ignorar, havia sido uma forte sensação esmagando nossos estômagos.

Senti, o que é?

Perguntou segurando a barriga, a sensação aumentava. Não parecia explosiva, mas parecia carregada de preocupação.

A cidade.

Comentei por fim.

Lexa encontrou um restaurante de comida brasileira pelo aplicativo de restaurantes no celular e guiou nosso pai pelo GPS, entre conversas aleatórias ela o atualizava sobre as coisas que aconteceram aqui, deixando os detalhes mais mórbidos de lado.

Talvez para preservá-lo ou quem sabe para preservá-la de ter que sentir alguma coisa que não fosse essa coisa que ele exercia sobre ela agora.

Entramos no restaurante e conseguimos uma mesa, ele não estava muito cheio, mas era também uma simples quinta-feira.

– Podem pedir qualquer coisa que quiserem.

Disse ele quando o garçom nos entregou os cardápios.

– Como vão as coisas, então pai?

Perguntei tentando me incluir em todo o núcleo familiar que acontecia ele e Lexa.

– Estão boas, eu acho. Algumas complicações que eu tentei evitar por um logo tempo, mas que estão me perseguindo agora. Porém, eu sempre consigo dar um jeito, né?

– Claro.

Lexa acrescentou.

– Agora peçam, devem estar famintos.

– Podemos pedir sobremesa em vez de uma refeição de verdade? Não como sorvete desde o nosso aniversário.

Lexa perguntou.

– Claro, por que todos não comemos sorvete então?

– Por mim tudo bem.

Respondi com um sorriso falso, mas convincente.

Nosso garçom retornou minutos depois com um grande pote circular de sorvete, com bolas de todas as cores e sabores e três copos, um para cada um e um pote de calda quente.

Lexa parecia no paraíso, e enquanto eu provava os sabores, também parecia ir para lá. Pelo menos por enquanto.

– Como foi a conversa com os rapazes?

Lexa perguntou já na metade de nossa montanha de sorvete.

– Esclarecedora. Roman parece um rapaz de boa família. Bastante educado. Os pais – sua voz tremou, novamente – lhe deram uma boa educação. Acho que talvez possa gostar de vocês dois juntos.

– Que bom. Ele é bastante... – Lexa tentou dizer mas um sorriso cortou a sua fala – Ele é ótimo pai, e bem, o mais normal de todos nós. Faz bem estar com alguém assim às vezes.

– Sei como é isso. Às vezes só queremos ser como todo mundo, normais e adaptáveis ao meio. Faria bom tentar também, quem sabe.

Comentou, mas não para ela. Ele jogou no ar, como se pretendesse bater em mim.

– Ele sempre vê o melhor das coisas.

Acrescentei.

– É verdade pai, os músculos são só o externo. Por dentro é uma criança feliz e boba. Gosto disso nele.

– Posso ver futuro para vocês. E aqueles dois também estão namorando, certo? John e Dora...

– Joshua e Amora.

Corrigi desistindo de comer outra colher de sorvete.

– Exato, exato. Mas eles parecem mais novos que vocês, quanto anos tem?

– Amora é a mais nova de nós – Lexa o respondeu – Fez dezesseis anos mês passado, e Joshua tem dezessete, mas os dois são ingênuos em certos casos, mas ele não é burro. Pelo contrário, é um gênio.

– Isso é bom, vai ajudá-los com tudo que estão passando agora.

Comentou com um sorriso.

– Mas a tal Amora, é realmente uma mestiça? Nunca vi uma tão velha.

Perguntou curioso.

– Sim, ela é meio banshee. Não sabemos muito sobre a espécie da Amora. Mas estamos tentando.

Respondi.

– Na verdade tenho pouco conhecimento feérico, como um alquimista meus dons não se alinham muito com a magia feérica, e meu ramo historiador eu particularmente nunca tive muito interesse. Mas soube que são uma das mais poderosas ramificações das fadas em nosso mundo. Deve ser por isso que ela sobreviveu a vida toda, mas isso deve ter causado sequelas nela.

– Amora é diabética, mas honestamente não sabemos se isso é por causa da sua herança materna. Só que ela tem o dom de me irritar.

Lexa comentou fazendo careta.

– Achei que fossem melhores amigas.

Acrescentou confuso.

– E somos, só que ela não precisa saber

Lexa o respondeu rindo.

– Você é cheia de vida Lexa.

Respondeu ele sorrindo também.

– Sou a melhor papai, por isso estou com os melhores.

Comentou com uma risada levemente alta.

– Realmente filha, parece que você acertou dessa vez.

Acrescentou mais uma vez com aquela faísca de orgulho nos olhos.

E sim, Roman era um grande partido.

Era sociável, amigável, gentil, brincalhão, bonito, musculoso e tinha todo aquele porte de eu vou me dar bem na vida como se racismo e preconceito nem mesmo existissem ao seu redor, o que até mesmo dentro da nossa sociedade poderia existir, mesmo que fosse raro, pois ia de encontra ao que acreditávamos e principalmente de como vivíamos nos separando e nos dividindo entre países por todo globo. Partilhando nossas origens e culturas, e também nossa herança e DNA.

Mas nesse cenário Killian não parecia existir.

– Você quase não falou do Killian, pai.

Comentei nervoso.

– Ele parece bom também, para um adolescente – disse ele rapidamente trocando de assunto – Mas filha, essa nova mecha de cabelo, pretende manter por quanto tempo? Ficou bom em você.

– Er... Eu pretendia mudar a cor na verdade, logo.

Disse Lexa percebendo pela primeira vez que o que ele estava fazendo. Rodeios.

– Ele não é um adolescente. Ele vai fazer vinte anos em... Droga!

Acrescentei reparando em algo que tinha totalmente me esquecido. De um fato, que como namorado e amigo eu não poderia sequer me distrair.

– O que foi?

– Amanhã. Killian faz aniversário amanhã.

Acrescentei perplexo pelo meu esquecimento.

– Isso é impossível, o aniversário do Killian é só no final de março.

Lexa retrucou.

– E em que mês estamos, mana?

– Em... Maldição!

Respondeu perplexa.

– Isso não parece um bom começo filho, esquecer algo assim é sinal de pouco comprometimento.

Meu pai acrescentou quase como uma navalhada em mim.

– Claro que você sabe, não é? Fez isso a vida toda, desde que nascemos.

Retruquei e ele entendeu.

– Ele não quis dizer isso Math, né pai?

Lexa disse tentando consertar as coisas.

– Só estou dizendo que se você esqueceu algo do gênero deve significar algo.

Disse ele por fim.

– Você não gostou do Killian, né? Fala logo.

Perguntei finalmente aborrecido.

– Eu não diria isso filho.

– Então o que você diria? Já que ele não parece ser um bom rapaz como o Roman, ou quem sabe até o Joshua, se ele fosse namorado da Lexa também.

– Math...

Lexa tentou dizer, mas eu a cortei.

– Não, eu quero saber.

Exclamei.

– É só... Ele tem aquela sombra no olhar, entende?

– O que você quer dizer com isso?

Perguntei.

– Eu não duvido que ele seja um bom amigo, filho. Não mesmo, mas eu já vi aquele tipo de sombra, ou melhor, de faísca. Ele é determinado, até a última gota do seu sangue, e fará tudo pelo que acredita. Esse tipo de pessoa ao seu lado pode ser tanto uma benção quanto uma maldição. Esse tipo de amor cego e comprometimento absoluto é muito perigoso, e só isso.

– Isso nem faz sentido.

Disse batendo a mão na mesa, três pessoas viraram para nos encarar.

– Ele faz bem ao Math, papai. Como ninguém faz.

Lexa comentou, ela também tinha ficado confusa com a declaração.

– Eu só fico preocupado, tudo isso é novo para mim ainda. Deve ser isso.

Tentou dizer, mas isso já era de mais.

– NOVO?

Perguntei agora com meu tom de voz bem elevado, Lexa tentou segurar minha mão, mas eu rejeitei.

– Fique calmo, Oliver, não há motivos para se exaltar aqui.

Acrescentou sério.

– Não há? O que tem de novo aqui? Aparentemente você já sabia o que iriamos enfrentar antes de nós mesmo, eu já tive um namorado antes e me assumi há quase dois anos atrás, então o que é novo nisso? Porque eu pessoalmente não consigo entender.

Completei.

– Desculpe-me filho, mas você se assumiu para os seus avós, não para mim. Você sabe disso tão bem quanto eu.

Retrucou ouvindo só parte da conversa.

– Do que você está falando? Não finja que você não sabia, por que você sabia. Dava para sentir no seu maldito olhar, a reprovação quando eu tinha doze e não quis aquelas chuteiras idiotas. E como você queria que eu me assumisse para você? Que eu pegasse um avião e fosse atrás de você na Índia, ou na Rússia ou na França ou sei lá que pais do mundo você estivesse trabalhando para o museu? Ou que viajasse de ônibus por dias para te encontrar e ter dez minutos do seu tempo? Eu te via duas vezes por ano no máximo e mesmo assim era como se fosse um piscar de olhos. Então, não venha me dizer que eu não me assumi para você, por que essa escolha não foi minha, pai. Foi sua.

– Não fale assim comigo, Oliver.

Disse ele em tom sério, apontando para meu rosto com o indicador.

– Assim como pai? Com a verdade?

Retruquei.

– Sente nessa cadeira agora Oliver e fique calmo, você é meu filho e me deve respeito ainda!

– Filho? Você se lembrou disso agora?

Perguntei quase gritando.

– Math, acalme-se.

Lexa tentou pedir, mas aquilo tinha ido longe demais para minha mente aguentar.

– Eu quero ir embora, agora.

Pedi.

– Nos terminaremos esse jantar, depois disso, nós vamos Oliver.

Respondeu calmo como se retomasse o controle da situação.

– Pare de fazer isso. Pare de me chamar por esse nome e de fingir. Pela primeira vez na vida, me chame de Matheus e não do que você acha mais fácil de gravar.

Disse por fim no máximo de irritação que conseguia ter sem perder o controle dos meus poderes, então meu pai se levantou e veio até mim.

Seu olhar era sério, e principalmente severo.

– Nada do que você está falando está fazendo sentindo, e você sabe disso.

– Pelo amor de Deus pai, me deixa em paz.

Disse por fim tentando respirar, um garçom desavisado virou no exato momento no lugar onde meu pai estava parado.

Estiquei meu braço para empurrar o ombro do meu pai para lado, só o suficiente para que ele não esbarrasse na bandeja do rapaz de cabelo azul, porém, o que aconteceu foi totalmente diferente.

Meu movimento pareceu acionar um comportamento agressivo nele.

Com a proximidade do meu toque, meu pai se lançou para trás, batendo todo seu corpo contra o garçom, fazendo todos os copos caírem e se quebrarem no chão.

– O que foi isso?

Lexa perguntou se levantando em um pulo, tentando não se molhar com o resto dos líquidos dos copos.

– Você não fez isso.

Comentei sem acreditar.

– Math...

Minha irmã tentou falar.

– Ele esquivou do meu toque.

Disse por fim quebrado por dentro.

Meu próximo pensamento foi em sair dali, e eu fiz, atravessando os três garçons que surgiram atrás de mim para ajudar o colega que tinha sido atingindo.

– Você não fez isso pai. Maldição.

Disse Lexa antes que eu conseguisse anular por completo toda a minha audição.

Espera! Me espera...

Disse ela na minha cabeça, eu já estava fora do restaurante.

Você viu o que ele fez. Ele se esquivou. Ele tem medo de me tocar.
Math, desculpa.

Não é sua culpa.

Disse me virando para vê-la se aproximar de mim no outro lado da rua.

Parei embaixo de um poste de iluminação que fazia me lembrar os postes de bronze da academia, pois aquela sensação me acalmava.

– Está tudo bem – disse ela agora na minha frente – Ele não deveria ter feito aquilo. Mas está tudo bem. Ele vai entender alguma hora.

– Por que ele veio para cá agora? Não faz sentido.

Perguntei confuso.

– Nada faz. Só ignore, ignore o que ele falou e o que fez você sentir. Nada importa. Só a sua verdade deve importar para você.

– Obrigado. Acho que estraguei seu jantar perfeito com o papai.

– Não é perfeito, se não for para os dois. E de qualquer jeito, vou escolher você antes dele, não tem problema.

Respondeu sorrindo.

– Obrigado de novo, mas como voltamos para academia se não vamos com ele?

– Assim.

Disse ela levantando a mão e assobiando, três taxis pararam na nossa frente.

– Obrigada, amores.

Disse ela sorrindo e fazendo referência.

Eu sempre quis fazer isso. É tão americano.

Comentou me fazendo rir.