December 3, 2020

#4 - Os Lusíadas do Tinder

Olá amigos, tudo bem?

No último episódio eu falei que comecei a assistir Alta Fidelidade.

Alta Fidelidade é uma série perigosa. Sabe porque? Porque Alta Fidelidade... Eu não sei vocês, mas eu quando assisto uma série entro muito no rolê da série e fico tentando colocar coisas legais da história pra dentro da minha rotina. Alta Fidelidade tem duas coisas legais: O lance de fazer playlists musicais como se fosse uma arte (e é, na verdade). E o lance dos "TopFive". Esse é um mote que vai durante a série toda e tem um em específico que é o mais perigoso de todos, que inclusive é a fala da personagem principal que abre a série, que é "Desert Island, all time, top five most memorable breakups".

E o que é isso? São os cinco términos mais marcantes. Um convite pra passear na avenida da mémória, em inglês "memory lane" e agora que eu traduzi eu vi que é uma das frases mais horrorosas já pronunciadas, pra premiar os 5 términos mais porradas (porrada, no sentido de impactante) da sua vida.

Eu também demorei pra soltar um episódio novo, né? E francamente foi pq eu fiquei bem desanimado. Sabe, desanimado? Eu fiquei desanimado pq toda vez que eu atualizava a página do twitter era uma desgraça nova que acontecia. Então essas coisas foram me desencorajando mais e mais a gravar porque sinceramente, o que eu falo aqui é irrelevante perto de todas as pautas que deveriam tomar o tempo e a atenção de alguém.

Só que minha analista falou que eu não estava roubando o espaço de atenção e tempo de ninguém. O meu podcast fica ali a disposição de quem quiser ouvir, ele exige uma postura mais ativa do ouvinte. E ai foi o que me tranquilizou a voltar a gravar.

Falando em analista, recebi acusações de não ter sido claro no episódio passado quando comentei sobre a Pugli e a festinha do fim do mundo. Olha só, vou deixar essa aqui pra você: o Lacan dizia que a essência da comunicação é o mal-entendido. Quanto mais não compreendido, mais você compreendeu.

É que você não sabe que você entendeu porque eu tive uma robustez elevada na transmissão dessa mensagem. Mas não se preocupa não, você entendeu tudo!

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Eu comecei a fazer um curso online naquele site Udemy - Não sei se todo mundo conhece - enfim, era um curso sobre edição. Pensei "ah não vai ter problema, né? Vou aprender umas técnicas novas no software que eu já uso, nada muito além disso." Não é?

Quando eu já estava chegando no vídeo 10 (o curso é dividido em vários vídeos) notei que até aquele momento o cara não estava falando de mais nada a não ser aquele papo de coach do tipo "trabalhe enquanto eles descansam" e eu já estava fazendo cara de vômito pra tudo o que ele tava falando pensando "ok, isso aqui é a intro do curso. Pelo índice, ele parece interessante então eu vou ignorar tudo isso e focar no que ele vai passar sobre o software". Mas ai ele mandou a seguinte "eu trabalho em casa e eu comecei a não perder tempo com coisas triviais pra poder focar em trabalhar mais e melhor. Por exemplo, cortar "amigos inúteis" da minha vida (eu juro por Deus que ele usou essa expressão), evitar sair tanto... Eu até deixei de jantar pra não perder tempo de trabalho."

"Eu até deixei de jantar pra não perder tempo no trabalho"?

Meu amigo, você tem certeza que você tá bem mesmo? Essa conversa toda me remete muito à uma linha de raciocínio de coach que é "A jornada é interessante porque ela não é fácil". Que é essa coisa super moderna de que você tem que conquistar tudo. Tudo tem que ter um grande esforço por trás pra ser válido, do contrário você não se esforçou e portanto não merece o resultado ou até merece mas não é digno de tanta admiração.

É a mais nova tendência do capitalismo: Tornar o cansaço uma coisa descolada, cool. Quanto mais você cansa, mais você vale. E não me entenda mal, eu não quero dizer que a gente tem que tudo ser uns slacker e viver ouvindo música grunge (apesar de que, na real, isso parece bem massa) mas o que eu acho que deveria ser proposto é um equilíbrio: Não é trabalhe enquanto eles descansam, mas trabalhe até cansar e depois descanse também! Você não é maquina, poxa. Não é crime, não é errado querer não fazer nada. Eu lembro muito de uma fala da Mickey, em Love (vocês podem perceber que eu tenho muita bagagem de séries, né?) enfim, uma fala da Mickey que é "Eu não quero conquistar, só quero ter." E eu acho que é isso. Claro que algumas coisa, naturalmente, serão conquistas, mas isso não significa que TUDO tem que ser uma conquista.

Às vezes é isso mesmo, você tem vontade, você vai lá e compra. Fim.

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Outro dia eu vi uma notícia sobre algum músico, não lembro qual agora, e ele dizia algo sobre ter sido muito importante na sua época e que as pessoas deviam pensar nisso antes de criticar os trabalhos novos dele.

Em primeiro lugar, qualquer coisa né meu amigo? A gente não vê, por exemplo, o vocalista do Weezer falando que as pessoas tinham que valorizar mais a banda pq eles gravaram dois discassos logo de cara no início da carreira. Muito pelo contrário: A gente só vê eles gravando disco ruim, um pior que o outro tocando um "foda-se" total.

Mas aí um cara comentou na notícia desse músico que eu não lembro o nome que ele estava vivendo a Síndrome de Matthew Perry mas ai eu não concordo não.

Eu quero dizer que o cara usar isso pra desmerecer o músico (e a fala dele só merece desmerecimento mesmo) acho que não tem nada a ver. Porque o cara falar que ele tá sofrendo a síndrome de Matthew Perry é falar que o cara, nos anos 90 esteve envolvido em algum produto de cultura pop e foi muito querido pelo público.

Afinal, a gente não pode negar que apesar do antro de sexismo, preconceito e privilégio branco que foi o Friends - uma série que dava voz pra personagens tipo Ross - O Chandler era um personagem muito querido (de novo, apesar das piadas algumas vezes machistas. Eu tô olhando ele dentro do contexto da própria obra, pela ótica dos valores da época, não colocando ele no contexto atual pq ai não é nem justo né?)

Aliás, isso é outra coisa que eu fico meio irritado: Vira e mexe sai na Rolling Stones que algum ator ou atriz que trabalhou em Friends admite que a série foi racista ou misógina e complementa que hoje em dia a série não daria certo. Porra, é óbvio que ela não daria certo. Por isso ela deu certo nos anos 90 e, por ela ter dado certo nos anos 90, a gente HOJE reconhece tudo de errado que tem nela e não repete de novo.

Pelo menos, em teoria.

E ai dizer que o cara sofre da síndrome de Matthew Perry sugere que ele também era querido e agora não é mais. Mas um cara que diz que foi muito importante na sua época e que as pessoas deviam pensar nisso antes de criticar trabalhos novos dele com certeza não era um cara querido nem na sua própria época.

Devia ser só um babaca arrogante, tipo Roger do Ultraje a Rigor. "Ah, o maior QI do rock nacional" eu gostaria de ver uma recontagem desses votos.

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Esses tempos ando zapeando o tinder e queria comentar as melhores descrições, que vi pelo app:

"Apaixonada pela vida"

Eu acho muito interessante esse posicionamento da pessoa apaixonada pela vida pq mostra que ela é ou muito despreocupada ou muito burra. Porque a pessoa apaixonada, principalmente no começo, ela tende a relevar muita coisa que incomoda. Ela fica lá abobalhada, achando tudo lindo sem fazer distinções ou considerações. Então, a pessoa apaixonada pela vida é aquela pessoa que "tá tudo bem". Não importa o que acontece, tá tudo bem. É uma pessoa que não exige muito mas que tbm não espera muito pq a vida "já é boa". É tipo a Dona Helena, mãe do Samuca d'O Proxeneta que sempre aparecia com uma venda nos olhos dizendo "Isso não é nada, tá tudo bem".

"Menina risonha, que ri e que sonha".

Esse aqui me desperta um asco. Sabe aquele efeito de vídeo de festa de 15 anos que é um coração 3D com asas voando sobre a imagem? Então, poesia urbana é tipo isso. É um tipo de texto que foi feito com a finalidade de ser tosco. "Felicidade. Feliz - idade" não consigo entender porque desmembrar palavras em outras palavras é poético... Acho que a única pessoa que consegue fazer isso com maestria é o Michel Melamed nas introduções do Bipolar Show. Bipolar Show, aliás, um dos programas mais legais da televisão brasileira a cabo.

"A beleza só importa nos primeiros 15 minutos. Depois vc tem que ter algo mais a oferecer"

Eu li isso pra uma amiga e ela disse "15 minutos? Que spam de atenção é esse, isso é muito pouco! Acho que a beleza tem que durar mais sim." Faço minhas as palavras dela.

"Eu não preciso saber da tua idade, nem onde mora ou com quem trabalha. Quero saber da tua relação com as estrelas, o quanto de cura tem seu sorriso e se há amor em tua fala. Me chama pra sorrir que eu vou."

Bom, essa dai eu não vou nem comentar né? Essa ai é um épico, "Os Lusiadas" do Tinder. Dividida em atos. Essa descrição tinha que ter resenha em mídia especializada.

"Não nos deixei cair em tentação. A menos que valha a pena, ai deixeis!"

Ai, tá vendo, é esse o tipo de comportamento que eu espero de uma pessoa em pleno século XXI. E essa pessoa ainda preza pelo entretenimento do leitor que tá ali pulando de perfil em perfil, porque ela estabelece uma realidade pra personagem principal no início do texto e depois subverte essa realidade. Isso ai é cuidado com a punchline que chama. É o gancho, se fosse uma série. Essa pessoa ai é conteudista.

"Perdi uma aposta e sou obrigado a ficar no tinder durante 1 mês... Acontece..."

A gente chegou a esse ponto?

"Pq Tinder?"

Vou deixar essa pro ouvinte.