June 23, 2024

23.06 - NEFARIOUS.

“This is the future you have created

This is the world you have set ablaze”

— .execute.

Numa expectativa silenciosa a plateia aguardava as luzes se acenderem. Fatos são que quem estava ali, já tinha uma noção do que esperar. Quando o primeiro flash vermelho piscou em anúncio do começo da apresentação. A palavra falada ecoando sonoramente, mesmo que interferida pela estática e sons propositalmente desafinados da guitarra.

A arte não é apenas sobre beleza e a Nefarious sabe bem disso. Em um fade-in progressivo, a introdução se desenrola, ainda com o silêncio da plateia que aparentemente tenta decifrar o que a música tenta os dizer com toda a sobreposição. Isso é, até o ecoar da primeira baqueta de Miles. Nesse momento, a primeira reação foi arrancada em forma de coro. Foi modesta, mas ainda era a Nefarious no palco, afinal.

Quando a primeira frase na cacofonia se faz entendida - ”All freedom is lost, all hope is gone.” - luzes se apagam novamente e agora sim, com o fim da introdução, o show pôde começar. Ao som da guitarra do primeiro membro fundador, com o primeiro holofote ligado sobre si, logo todo o resto do palco se ilumina em vermelho para mostrar os demais, acompanhando de maneira harmoniosa a dissonância inaugurada por ele, guiados pela percussão poderosa do outro criador.

“What if God doesn’t care?”

— Gematria (The Killing Name)

A voz se faz ouvida com a típica rouquidão do gênero. Com a fumaça enevoando o chão do palco, mas com o suor dos membros brilhando em suas testas  embaixo das luzes quentes. A agressividade do som e da apresentação não dá muito espaço para interações diretas entre os membros, que se preocupam apenas em entregar a performance mais desconfortável para seu público.

A música segue conforme o esperado, entremeada pelas guitarras agressivas, Rakan com seus sintetizadores afiados, o baixo de Honggi cuidadosamente guiando cada passo enquanto a percussão de Miles dita toda a pegada do momento. A música autoral, carregada com o ressentimento lírico e a pegada forte da banda, seria apenas a escolha óbvia para a abertura do show de maneira própria dita. Com um vocativo do guitarrista em seu microfone, seguido pela voz do vocalista.

“Soundwave…” Jiho clama, com um sorriso cínico no rosto, seguido por Otto. “What if God doesn’t care?”, o tailandês completa, finalizando o primeiro ato do show com as vocalizações graves. As luzes clareiam novamente, revelando cada um dos 5 integrantes, encarando atentamente a plateia.

“Nihilistic rage”

— Brave New World

Num intervalo de menos de um minuto, apenas para poderem respirar e beber água, os membros apenas olham com meios sorrisos para o que está a sua frente. Estar num festival ainda parece surreal para a Nefarious, no fim de tudo. Sob uma iluminação fria, a próxima faixa começa, embalada pela voz melodiosa de Otto, diferente da última, mas iluminada pelos sintetizadores de Rakan. Após o primeiro refrão, porém, a figura muda radicalmente, voltando à luz vermelha e à voz rugida do vocalista, entremeada pela do guitarrista, só então finalizando a terceira música para o fade-out que engata na próxima quase que imediatamente.

“Total nightmare!”

— God Hates Us

Se ainda não estava claro para quem não conhecia a Nefarious, a oposição da banda à religião é um tanto óbvia. Até mesmo em letras mais reduzidas e simples, a repúdia é clara e a intenção é exatamente essa. Não querem saber de convencer os outros, apenas explicitar o quão contra são contra tais instituições. Em mais um dos típicos solos de guitarra divididos pelos dois membros, a quarta faixa chega ao fim.

“I didn’t need, it needed me”

— Like a Villain

É até mesmo difícil compreender a banda sem se ligar ao ressentimento das suas letras. Após um breve intervalo, onde Jiho e Honggi trocam os instrumentos casualmente, a música abre com uma pegada mais relaxada em contraste à abertura explosiva do palco, o momento é ideal para aproveitar a mensagem que é cantada pela banda. As posturas mais relaxadas transparecem mais confiança agora, sem abrir mão da imposição que colocam sempre que põem os pés em qualquer palco. No entanto, a performance brilha ao final, quando o baixista, agora munido da guitarra, assume a frente do palco em meio ao último refrão, se colocando no centro para embalar o ápice da música com a maestria que só ele poderia trazer.

“Leave your flowers and grieve

Don't forget what they told ya”

— Parasite Eve

Mantendo a linha da faixa anterior, quase como um oásis para sua plateia retomar o fôlego antes de prosseguirem para o que realmente importa. Os versos, revezados entre todos os membros em suas notas mais baixas, quase como se cantassem as palavras, é o ponto alto da apresentação, dando ao público um gosto da voz de cada um além da de Otto, que ainda é o responsável por carregar o resto da música.

“Soundwave! Vocês sabem quem nós somos, não é?” O vocalista chama, tirando o microfone do tripé, sorrindo para o público, dando meia volta em direção ao palco e as luzes abrindo mais uma vez para colocar todos em evidência novamente.

“Oh, Lord, yeah!/Can you fix the broken?”

— War Pigs/Can You Feel My Heart

(cover)

“Mas vamos às formalidades.” Otto chama, virando-se de novo para a plateia. A nova música sendo tocada pelos membros, mas em backtracking ligeiramente mais baixa. “Boa noite, Soundwave!” Ele grita, correndo pelo palco, acompanhando a canção com os vocais mais ofegantes, divertindo-se no momento.

“Primeiro de tudo, boa noite para nosso baixista! Honggi!” Ele aponta, o holofote se virando para o membro em questão. No mesmo momento, o restante dos instrumentos diminuem ainda mais, deixando apenas as cordas graves do baixo ecoarem pelo palco até o começo do próximo refrão. “Foi na garagem desse cara que a gente nasceu. Agradeçam a ele.” Otto explica, sorrindo e o oferecendo o microfone. “Soundwave!” Honggi responde, levantando o braço em animação.

E em disparada para a próxima parte do palco, para ao lado do tecladista, estendendo o próprio microfone para Rakan. “Soundwave! Boa noite!”, o rapaz grita, sorrindo, tendo a própria chance de fazer o próprio solo, brincando um pouco mais com as batidas que seu sintetizador ajuda a reproduzir. “Esse aqui não tem só a cara. Ele é nosso bebê mesmo!” Brinca, sorrindo abertamente para seus membros e para a plateia abertamente.

Voltando para a frente do palco, o tailandês para ao lado de seu colega guitarrista e vocalista, não precisando estender o microfone. “Não precisa me apresentar.” Jiho brinca, dando uma cotovelada leve em Otto em tom de brincadeira. “Soundwave! Boa noite do guitarrista mais gostoso desse festival.” Com uma piscadela para a plateia, o mais velho da banda se coloca a fazer mais um solo de guitarra, ao que se aproxima do fim do primeiro cover, tirando os fios, úmidos de suor da frente do próprio rosto e sorrindo largo para a grande plateia à sua frente.

Em mais uma corrida, agora para a parte posterior do palco, Otto quase se reclina sobre a bateria de Miles. “E esse… É o outro que fugiu da igreja comigo. Miles Moon, em carne e osso pra vocês, Soundwave. Conseguem ouvir a batida do coração dele?” Anunciando a próxima música, Otto se afasta, voltando ao seu posto para pegar novamente a guitarra, mas com o palco apagado apenas para iluminar o baterista, que praticamente leva a primeira metade da música com sua percussão.

A plateia finalmente poderia ouvir o silêncio que a música canta. Porém, Otto, com seu microfone devidamente posicionado, é interrompido pelo tecladista, com seu próprio microfone em mãos. “Achou que ia fugir, Otto?” Rakan pergunta, rindo. “Deem boa noite pro nosso frontman. Esse homem lindo aqui que nos trouxe aqui pra vocês, Soundwave. Otto!” O rapaz chama, levantando mais uma salva de aplausos. Entre olhares confiantes e assentimentos, a banda se prepara para finalizar o cover do clássico, progredindo para a reta final do show, agora tendo certeza que toda o festival saberia seus nomes.

“Hey, don’t let me out your sight”

— DArkSide

Agora sim, a Nefarious estaria no seu melhor lugar. Se tem algo pelo qual a banda sempre foi reconhecida é pelo uso inovador e marcante de sintetizadores - créditos do tecladista, afinal. Guardando as cartas na manga para o final, Rakan, atrás dos aparatos, quase assumiu a responsabilidade. A música, mais apaixonada que as anteriores, mas um sleeper hit da discografia, jogou as energias para as alturas após o pequeno break para a apresentação dos membros.

Com uma intercalação bem pensada da voz grave de Jiho e dos rosnados agressivos de Otto nos vocais principais, DArkSide serve apenas para preparar terreno para o gran finale. “Não é um tchau, ainda.” Otto diz, com o palco completamente silencioso. “É só um boa noite para vocês dormirem com esse som na cabeça. Até porque… Estamos cansados.”

“Cause everything that you thought I would be

Has fallen apart right in front of you”

— Tired

Não poderiam fugir do estereótipo, afinal, a música era capaz de inspirar um misto único de orgulho e raiva nos membros, mas a real é que nenhuma outra música seria capaz de levantar um festival tal qual Tired. Novamente, com os 5 trabalhando como um só, a memória muscular dos membros é quase automática para performar essa faixa.

Porém, a vibração da plateia é mais que o suficiente para sufocar qualquer sentimento agridoce que o hit da banda poderia trazer. Em meio aos sussurros do pré-refrão de Jiho e a voz poderosa de Otto embalando a música, cada membro mostra exatamente a razão da Nefarious ser a Nefarious, além de toda a vontade de fazer esse nome prosperar e alugar a mente de quem os ouve.

Com explosões de fumaça e detalhes de faíscas adornando o palco para a ponte da música, era apenas a noite de inauguração para a banda, que já tinha as energias completamente renovadas apenas pela vibração do público e a realização de estarem finalmente no palco. “I’m so tired of being what you want me to be”, as vozes harmonizam, sinalizando o final da música.

“Soundwave! Até a próxima!” Otto grita, ofegante, com um punho para o ar, ao que as luzes se apagam. “Nefarious, câmbio e desligo” Jiho murmura, sorrindo ao que a primeira noite da banda fecha, ao ver dos 5, com chave de ouro.