Filosofia
August 22

O Princípio da Não-Contradição enquanto Experiência do Real

INTRODUÇÃO

Numa era cheia de "psicologismos" creio ser importante voltarmos à Filosofia da Mente num esforço real de entender COMO pensamos. Em certa medida, a História da Filosofia passou, por diversas vezes, pelo tema de "como experimentamos a realidade". todavia, o óbvio, de tanto deixar de ser dito, foi esquecido à ponto de termos de reforçar a tautologia de que "se percebemos o real é porque o real EXISTE". O que nos leva à questão: entendemos a realidade na MENTE a partir dos "primeiros princípios"; então, estes mesmos princípios também DEVEM estar (d)escritos na própria realidade ontológica das coisas?
O presente artigo pretende descrever e testar algumas razões que podem nos levar a pensar que SIM.

https://www.dio.me/articles/tautologia-contradicao-e-contingencia

DISCLAIMER

https://t.me/FilosofiaEAfins


Este artigo é uma construção coletiva do grupo de Telegram "Ágora de Filosofia & Afins" sendo, portanto, um documento escrito "por muitas mãos" e organizado por um dos administradores do grupo como forma de ordenar ideias para uma apresentação abrangente do assunto, sinalizadas as citações de origem nas discussões do grupo sempre que necessário; todavia não é falso dizer que as linhas gerais representam uma tentativa do organizador de sistematizar uma intuição individual sobre o tema, podendo nem sempre corresponder à mesma opinião dos queridos colegas que ajudaram a pensar estes temas - inclusive no espectro oposto (eu os saúdo!).
Este artigo terá 2 versões que, espero, passem a DIVERGIR entre si com o TEMPO: esta versão que apelidei de "versão Parmênides" será o texto original tal qual ficou quando me dei por satisfeito (seja por tê-lo terminado ou por minhas limitações intelectuais e de tempo não me permitirem ir mais além), e a "versão Heráclito" será fixada como artigo do telegra.ph na Ágora me permitindo atualizá-la à medida em que eu acabe sendo corrigido por pessoas mais inteligentes que eu que, sabe lá Deus por qual motivo aleatório, tenham se interessado em ler este artigo (ou para que eu mesmo possa fazer correções posteriores em minha forma de pensar mediante motivos fortes o bastante para reconsiderar a direção dos argumentos aqui expostos até que a morte me obrigue a pôr um ponto final na perspectiva que tive sobre o tema em questão).

1. SOBRE VERDADE, LÓGICA, PRIMEIROS PRINCÍPIOS E INTELIGÊNCIA

a) VERDADE

https://telegra.ph/file/fffb550b89f9549729608.jpg

Muitas vezes nos deparamos com pessoas dizendo frases como “Não existe verdade absoluta”, ou “Minha verdade é diferente da sua!”, ou ainda “Cada qual tem sua verdade e não podemos questionar isso...” Será?
E se eu dissesse para vocês que existe uma ciência que se ocupa de “estudar a verdade” e outra responsável por estudar a “estrutura do conhecimento”? Estou falando, respectivamente, da Lógica e da Epistemologia. Vocês sabiam que essas ciências são usadas em áreas desde programação de computadores, passando pela matemática, até a validação de estudos nas bancas examinadoras de trabalhos científicos nas Universidades? O que então elas têm a dizer sobre o que é a verdade? Vejamos juntos:

Verdade Provável (aquela que depende do "quê" da situação) - São as verdades da coerência, as possíveis-prováveis (tudo que é provável é possível, mas nem tudo que é possível é provável). Contudo, verdade não é apenas o que é coerente, abrangente, provável ou que funciona para se executar uma tarefa ou explicar algo (o nome pra isso é “teoria” no primeiro caso e “hipótese” no segundo). A chamada "verdade provável" é construída a partir de dados experimentais, preditivos, indutivos e sempre depende de algum estudo estatístico ou método de medição. O que é muito útil, mas apresenta algumas limitações: precisa de constante reciclagem, é passível de mudança súbita mediante novas descobertas, etc. Um caso clássico é quando um candidato é apontado como favorito na disputa eleitoral e perde. Supondo que não houve desonestidade na pesquisa, a explicação fica simples: toda pesquisa é feita com uma “amostra” da população ou de “alguns casos” envolvendo o objeto de estudo (que pode ser uma doença, uma tendência de mercado, ou até mesmo uma opinião convicta baseada nas experiências pessoais de sua vida). Como a pesquisa, no exemplo eleitoral acima, apresentou um resultado equivocado, a explicação mais provável é que tenham entrevistado, por acaso (ou por falha metodológica), uma amostra de pessoas que era favorável ao candidato derrotado, mas que não representava a maioria dos eleitores.

Verdade Substancial (aquela que depende do "quem" da situação) - É a verdade de um fato concreto ou daquilo que é, ou que ocorreu unicamente com alguém em alguma época e em algum lugar. Filmes como Matrix ilustram como pode haver um disparate entre a realidade e o que nós achamos ser real. Se eu digo: "Hoje, dia 30 de setembro de 2006, às 16h e 21min, eu, Jean, sinto frio." - trata-se de algo verdadeiro pra mim se eu realmente estiver sentindo frio (coisa que só eu sei), mas não é verdadeiro se estiver se referindo a, por exemplo, você, ou a alguém que esteja no Equador na mesma data e hora, ou de alguém que esteja muito bem agasalhado e tomando chá quente sentado diante de uma lareira. É o famoso "cada um, cada um". Essa é a categoria de “verdade” onde ficam enquadradas nossas opiniões e experiências pessoais, mas o fato de cada um ter a sua não quer dizer que todos estão certos ao mesmo tempo num mesmo sentido nem muito menos que não existam verdades inquestionáveis.

Verdade Inegável (verdade inquestionável) - De tão verdadeira, não pode, sob hipótese alguma, ser refutada ou negada. É através dela que definimos a realidade e está diretamente ligada à linguagem (50%) e à estrutura do pensamento (50%). Sem ela não poderíamos sequer construir um simples pensamento. Ex.: Se eu observo um triângulo e quero explicar pra alguém o que é um triângulo eu digo que “triângulo é todo objeto que tem 3 lados”; se falo de uma bola, esta nunca poderá ser quadrada; se falo que 2+2=4 isso nunca será 2+2=5; se falo de um morto, ele não pode mais estar vivo; se me refiro a um homem casado, ele não pode mais estar solteiro. São todas verdades inegáveis porque a própria definição daquilo que eu afirmo não permite outro significado nem nenhuma outra interpretação senão a descrição precisa e exata das coisas.

Verdade Necessária (verdade absoluta) - Ou verdade ontológica, é uma verdade que não só é impossível de ser negada como é também impossível de não existir, já que dela implica a existência de todas as outras categorias. Lembrando que “intenção, crença ou desejo não são verdades absolutas” (afinal, atire a primeira pedra... quem nunca falou algo que achava estar certo e errou? Ou ainda, quem de nós nunca mudou de ideia sobre algo que antes gostava? Ou mesmo, quem de nós nunca acreditou numa mentira?). Se o mundo existe e podemos pensar sobre ele, do mesmo modo como para cada desejo existe uma forma de satisfação, se eu digo algo como “não existe verdade” é o mesmo que dizer: “a verdade não corresponde à realidade”, mas isso também é uma tentativa de explicar algo que correspondente à verdade (pois é o mesmo que tentar explicar a realidade dizendo que a realidade não existe!). Logo, essa frase é falsa! O ser humano pensa através de comparações, isso nos mostra que “verdade é a correta descrição do assunto sobre o qual se fala”. A “verdade necessária”, da qual decorre todo o conhecimento e que todos nós usamos para compor cada pensamento nosso, é sempre que: “alguma coisa existe, portanto alguma coisa é Verdade Absoluta”... Ainda que você não saiba ou não queira saber que Verdade é essa.

Sugestões de livros para saber mais:
https://g.co/kgs/3exEwb - Enciclopédia de Apologética Norman Geisler
https://bityl.co/6Hm2 - Curso de Filosofia Régis Jolivet

📝Texto originalmente publicado em:
https://proibidopensar1.blogspot.com/2010/09/tipos-de-verdade.html?m=1

b) LÓGICA

(1) Lógica é a arte de organizar um conjunto de relações válidas entre conceitos/axiomas, argumentos e proposições/conclusões tanto sobre entes reais quanto sobre entes abstratos, de modo a derivar conclusões/descobertas válidas a partir dessas relações.


(2) Só porque é possível separar formas lógicas de seus objetos, disso não decorre que a lógica opere sempre e unicamente a nível abstrato. Por exemplo, ao propôr que as formas estão manifestas nas coisas (ao invés de "emanar" de um mundo das ideias como supunha Platão), pelo menos no que tange à representação de coisas concretas, Aristóteles "une" os conceitos de "forma/essência" à "matéria" - são passíveis de distinção, mas nem sempre distinguíveis. Ex.: A Beleza tem origem metafísica tal qual um bolo: nenhum dos dois existe na natureza, tiveram de ser originados na mente até serem atualizados/efetivados numa coisa material. Nestes casos, temos hilemorfismo: a própria ideia da coisa EXIGE uma forma corpórea (ao contrário de noções puramente abstratas e auto-evidentes, que não carecem de "corpo" pra existir, como os "primeiros princípios").

(3) Derivar que a Lógica possa operar sem prejuízo a despeito das coisas é uma forma de nominalismo e está sujeita a "alucinações" (análogas a alucinações de IAs). Este é o "gap" entre "o que se diz/se pode dizer de um ente" (Linguagem) e "o ente tal e qual" (Ontologia).*

(4) Lógica e Metafísica são sinônimos.

(5) Entes físicos e abstratos existem, mas não são de mesma ordem. Assim sendo, existir em uma ordem não implica necessariamente em existir na outra. Ex.: O que existe na imaginação pode não ter sido atualizado na matéria ("inventado" ou "criado") e o que existe na matéria pode ainda não ter sido conhecido na mente como mistérios, "cisnes negros", outros mundos desconhecidos(habitáveis talvez?), etc.

(6) Sendo a lógica, ainda que parcialmente, derivada de entes reais, disso decorre que "contradições reais não são impossíveis" (embora esta demonstração TALVEZ careça de prova... aliás, assim como exemplos não são demonstrações, provas e demonstrações também não são sinônimos).¹

https://cmapspublic2.ihmc.us/rid=1KNHKPZPS-RJ4WMQ-1QZQ/L%C3%B3gica%20Proposicional.cmap

*Obs.: Os itens (2) até o (6) não são consenso. Para prosseguir a argumentação deste artigo estamos pressupondo estes itens por motivos que, espero, fiquem claros ao longo do texto. Se entendermos a filosofia como "amor à sabedoria", o conhecimento por presença será composto de coordenadas como forma/proporção e matéria de modo a permitir o movimento num espaço geométrico com relações entre elementos distintos, no mesmo conjunto de realidade, que se afetam mutuamente e se comunicam de algum modo (linguagem). Todavia, a essência da linguagem não é material por ser um fenômeno. Entes reais que não são materiais "são entes de razão" e podem ser inteligidos (quando suas características são divididas na mente) ou imaginados (quando suas características são somadas/sobrepostas). "Entes reais de primeira intenção" são captados pelos sentidos externos (referem a um ente real), "entes reais de segunda intenção" são metafísicos. Alguns entes reais são auto-evidentes (primeiros princípios). E nem todo "ente metafísico" é um "ente real" pois sua potencialidade pode não-ser (ex.: coisas MATERIALMENTE impossíveis, como "fogo congelado" ou LOGICAMENTE absurdas como um "quadrado de 3 lados") ou simplesmente porque sua potência não foi atualizada (possibilidades que não aconteceram e que, portanto, não existem ontologicamente, mas existem metafisicamente por não serem intrinsecamente impossíveis).

c) PRIMEIROS PRINCÍPIOS

Os primeiros princípios são os limites da cognição humana, são basicamente a descrição de como nossos pensamentos operam a nível de como computamos a informação. Algo como as três leis da robótica nos livros do Asimov. O que caracteriza os "primeiros princípios" é que você os usa até ao tentar negá-los.

(A) Princípios Fundamentais da Lógica

(1) Princípio da Identidade

* "A é A."
* Todo objeto é idêntico a si mesmo em todos os momentos.

(2) Princípio da Não-Contradição

* "Não é possível que A seja A e não-A ao mesmo tempo e no mesmo aspecto."
* Uma proposição não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente.

(3) Lei do Terceiro Excluído

* "Ou A é A ou não-A."
* Para qualquer proposição, ela é verdadeira ou falsa. Não há um terceiro estado intermediário.

(B) Silogismos

Um tipo comum de argumento lógico é o silogismo, que consiste em três frases:

* Premissa maior: Uma declaração geral que estabelece um princípio.
* Premissa menor: Uma declaração que aplica o princípio a um caso específico.
* Conclusão: A dedução lógica das premissas.

Exemplo:

* Premissa maior: Todos os humanos são mortais.
* Premissa menor: Sócrates é um humano.
* Conclusão: Portanto, Sócrates é mortal.

(C) Leis do Silogismo

* É OBRIGATÓRIO que tenha EXATAMENTE 3 termos para ser válido.
* Se A implica B e B implica C, então A implica C.
* Os princípios lógicos podem ser combinados para construir argumentos válidos.

Premissas e Conclusões

* Premissas: Declarações que fornecem as bases para uma conclusão.
* Conclusão: A afirmação inferida das premissas.

Validade e Sanidade

* Validade: Um argumento é válido se a conclusão seguir logicamente das premissas.
* Sanidade: Um argumento é sadio se as premissas forem verdadeiras e o argumento for válido.

(D) Regras do Quadrado lógico

Imagem de https://is.gd/gmS2eV

Na lógica aristotélica, existe ainda uma diferença de compatibilidade entre proposições relacionadas na forma de "contrárias", "subcontrárias" e "contraditórias":

(1) Contraditórias (se uma é verdadeira, a outra é falsa);
(2) Contrárias (não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo no mesmo sentido, mas podem ser falsas ao mesmo tempo pois comportam mais de 2 possibilidades entre si);
(3) Subcontrárias (não podem ser falsas ao mesmo tempo, mas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo).

d) INTELIGÊNCIA

Inteligência é a capacidade de associar entes reais ou abstratos através da mente. Todavia, da inteligência nem sempre se segue a Verdade, seja por confusão, premissas falsas, erro sincero, corrupção da inteligência, enviesamento, pecado, etc, apenas para citar alguns entre tantos exemplos de como a inteligência pode nos induzir ao erro se não for exercitada em sua vontade de encontrar e se harmonizar com a Verdade.

2. O QUE É O PRINCÍPIO DA NÃO-CONTRADIÇÃO?

Imagem de https://i.ytimg.com/vi/j0jmTWZAr6E/maxresdefault.jpg


A lógica tradicional (https://t.me/FilosofiaEAfins/47510) se estrutura a partir dos "primeiros princípios (https://t.me/FilosofiaEAfins/44654)" que, para São Tomás, se sintetizam no "princípio da não contradição (https://t.me/FilosofiaEAfins/48666)" que pode ser explicado pela velha fórmula de Parmênides (https://t.me/FilosofiaEAfins/47791): "O Ser É, O Não-Ser não É."

Mas paradoxos (https://t.me/FilosofiaEAfins/30973) acontecem em sistemas baseados na lógica tradicional. Então, como tenho influências de pensamento oriental (https://t.me/FilosofiaEAfins/44681), fui avaliar um pouco sobre "lógicas paraconsistentes (https://t.me/FilosofiaEAfins/48920)" após a nota de falecimento do filósofo Newton da Costa (https://t.me/FilosofiaEAfins/48919).

Se a lógica tradicional está fundada no "princípio da não-contradição", as lógicas paraconsistentes lidam com sistemas em que se admite P ^ ¬P ao mesmo tempo (simplificando MUITO a coisa toda). Na prática, normalmente quando temos uma afirmação "A" e sua negação "não A", então uma delas tem que ser verdadeira e a outra falsa. Mas, na lógica paraconsistente, "A" e "não A" podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Só que aqui isso não é absurdo e é possível entender esses casos. Por ex.:

Na frase "Esta frase é falsa", se a frase for verdadeira, então ela é falsa. E se ela for falsa, então ela é verdadeira. Essa frase cria um PARADOXO que a Lógica Clássica não consegue resolver mas que na lógica paraconsistente se "resolve" aceitando que a frase pode ser "verdadeira" e "falsa" ao mesmo tempo. Resolvendo de verdade o problema no nível da linguagem mas não no nível lógico quando comparado com a ontologia da lógica tradicional.

Eu já disse na Ágora, em outro momento, que a lógica pode, mas não deveria, ser separada da ontologia (https://t.me/FilosofiaEAfins/43572) (até porque, o axioma dado por Parmênides em "O Ser É, O Não-Ser não É" precisa ser lido à luz de "O Ser o Pensar são Um"). Então, à primeira vista, o "problema do discurso falso (https://t.me/FilosofiaEAfins/41794)" e o "problema do uno e dos múltiplos (https://t.me/FilosofiaEAfins/47366)" estão em níveis diferentes com um "gap" entre sua correspondência (https://t.me/FilosofiaEAfins/44804), então "ou o Ser e o Pensar NÃO SÃO UM" na ontologia ou o "Ser e o Não-Ser" não se aplicam à linguagem (e esta segunda acepção me parece mais adequada). Vide, o problema do "nada", mais adiante no texto.

SIRE, James W. O Universo ao Lado: Um catálogo básico sobre cosmovisão. Editora Monergismo, 2018.

E SE as cosmovisões e sistemas filosóficos que são construídos nem sempre estiverem encaixando "verdades compatíveis" entre si, mas sim encaixando "convenções e impressões" às verdades?

O que as religiões dizem x O que eu aoredito

Normalmente se encara um "paralogismo" em Lógica/Filosofia como "um raciocínio errado feito de boa fé" (o oposto de "sofisma", que já se propõe desde o princípio a enganar), mas não entendo que seja assim: acredito que paralogismos são inconsistências resultantes do "volume de dados" considerado a partir de incompatibilidades reais entre "o que É" e "o que se DIZ" (assim como no exemplo que mencionei de uma "possível" incompatibilidade plena entre o "princípio da identidade" e o "princípio da não-contradição") e digo isso, inclusive a partir da minha experiência de "travar" diante do tema: foram tantos os pontos que precisei manter coesos entre si que, nas primeiras tentativas de escrever e organizar este artigo, eu TRAVEI! É como se, na realidade, tivéssemos dois sistemas distintos atuando ao mesmo tempo, mas NEM SEMPRE em conjunto: o "ser" o "logos" estariam em níveis diferentes, entendem? Os paralogismos seriam apenas a atitude de "abraçar duas verdades nem sempre conciliáveis nos dois níveis" (ontológico e cognitivo).

Por acreditar que a complexidade do tema merece um pouco mais de contexto, segue abaixo a transcrição do exato diálogo inicial na Ágora que me levou a escrever o presente artigo:

2024/7/1
Eu: - Bom dia pessoal! Espero que estejam todos bem!
Me permitam confessar uma coisa e, quem puder me auxiliar, estou pedindo ajuda num tema:
Faz alguns dias, resolvi que iria escrever um artigo de meu próprio punho sobre como enxergo o "princípio da não-contradição" dentro do meu sistema filosófico de pensamento (é uma questão pessoal minha, eu acredito que eu tenha que fazer isso, meu "daemon" me incomoda a fazê-lo) e aí... eu "travei".
(...)
Eu não sei se estou falando besteira e "viajando na maionese", mas parece que o "princípio da não-contradição" e o "princípio da identidade" não são totalmente compatíveis entre si.
Minha primeira impressão sobre isso foi justamente ter notado na prática, em mim e nos outros, uma tendência a avaliar alguns assuntos a partir de sistemas de pensamento diferentes. Exs.:
1) Wittgenstein tem 2 abordagens (aparentemente) incompatíveis para a teoria da linguagem: a da primeira e da segunda fase;
2) Kierkergaard, em "O Conceito de Angústia"), aponta que existem contradições presentes na lógica que não se verificam na realidade (e vice-versa);
3) Um mesmo hardware pode ter em si 2 (ou até mais) sistemas operacionais instalados em si e esses sistemas DE FATO tem habilidades específicas em que uma tarefa pode ser feita em um e não pode ser feita em outro;
4) Na Física, tanto a interpretação de Copenhague quanto a de Bohm coexistem e são usadas para resolver problemas reais mas partem de pressupostos diferentes e, ainda assim, são intercambiáveis para resolver problemas pontuais.
...Tipo, como assim?! Partindo de premissas diferentes chegar a um mesmo lugar "ok", mas premissas "incompatíveis"... soa ABSURDO!
E SE as cosmovisões e sistemas filosóficos que são construídos nem sempre estiverem encaixando "verdades compatíveis" entre si, mas sim encaixando "convenções e impressões" às verdades? ⏬
https://t.me/FilosofiaEAfins/48921
(...)
O que me levou a estudar lógica, em primeiro lugar, foi a necessidade de não ser enganado, mas a isca que me fisgou foram os paradoxos... E paradoxos existem nos dois sistemas, só que a lógica paraconsistente os ASSUME.
Essa mensagem vai ser editada para linkar as referências que estou usando dentro do texto (recomendo que quem se propuser a me ajudar RELEIA o texto após eu inserir os links das referências ao longo do texto).
Alguém se propõe a comprar essa briga e me ajudar?
(...)
https://t.me/FilosofiaEAfins/48922
Evandro: - Realmente, é hard a sua dúvida. Eu sou descrente em contradições reais, mas apenas aquelas que uma "lógica" ad hoc resolve não resolver, mas apenas "assume" que V e F coexistam sob o mesmo aspecto, de modo que "uma coisa possa ter e não ter o mesmo atributo, sob o mesmo aspecto/sentido/significado, em ato. Pois acredito que a coisa possa ter e não ter o mesmo atributo/predicado, no mesmo aspecto, P em ato e não-P em potência, simultaneamente, mas segundo aspectos distintos de ato e potencia. Ficou prolixo, mas foi para ficar mais claro. Indo mais a fundo, creio que ela resolve assumir na linguagem o que não resolve onto-logicamente, ou seja, assume (finge) que há contradição ao abstrair a ontologia do ato e potencia para fins estritos. Mas continuará dentro da "doutrina do ato e potência" e da logica classica, inescapavelmente por "conhecimento por presença", ou seja, como um suposto velado condutor dos raciocínios reais de sua logica (sintática), para-constistente. O operador da paraconsistência maqueia, ou mantém em segundo plano, os princípios clássicos por conveniência pragmática. Uma vez, assisti um colóquio do Newton da Costa onde ele exemplificou que a logica paraconsitente poderia ser utilizada em sistema de radares em que o objeto detectado fosse ambíguo e os dados incompletos para saber se o objeto era um míssíl ou aeronave. O que se dá é que sempre estamos na prática tendo que trabalhar ou lidar com informações incompletas e estas lógicas são ferramentas que tentam contornar tais coisas, embora não seja somente isso, pois acabam ganhando vida propria como uma matematica abstrata ao quadrado ao cubo...O caso dos paradoxos frasais são apenas jogos de linguagem que não usam referentes reais, e em seu lugar outro signo de modo circular autorecorrente.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48925
Eu: - Evandro, quais motivos você considera que pesam contra a existência de "contradições reais"?
https://t.me/FilosofiaEAfins/48926
Evandro: - O motivo é que a não contradicão é deduzida da identidade
https://t.me/FilosofiaEAfins/48927
O que é não pode não ser, sob o mesmo aspecto, porque é o que é.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48928
Elbandollo: - No exemplo 3, vc usa o hardware para fazer uma analogia. Entretanto, vc percebe que, quando escolhe trabalhar com um S.O. vc exclui a possibilidade de trabalhar com o outro (ou outros)?
Tratando da lógica, vc entende que pode usar princípios da lógica difusa para tentar explicar seus argumentos, não é?
https://t.me/FilosofiaEAfins/48929
Evandro: - Única exceção à contradição é o Ser necessário, pois nem tem como dizer que não-Ser.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48930
Mas no mundo sublunar, o princípio não contradição é absoluto
https://t.me/FilosofiaEAfins/48931
sublunar é metafora que dividiam o mundo sublunar e o dos astros, rsts
https://t.me/FilosofiaEAfins/48932
Eu: - Ok. Acho que estou chegando a algum lugar agora.
No áudio eu mencionei o problema de "conceitos guarda-chuva". Se admitirmos que "a Identidade É" esse princípio não seria um "conceito guarda-chuva" já que "algo existir" não necessariamente quer dizer "o que algo é"?
Acho que pode ter algo aí. Até o presente momento penso que derivar a "não-contradição" do "princípio da identidade" PODE não ser uma dedução necessária, mas acidental e a posteriori.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48933
Evandro: - é de se pensar melhor... vou meditar melhor sobre isso que levantou...
https://t.me/FilosofiaEAfins/48934
Eu: - Creio que estou "destravando". Se o princípio da não-contradição tem exceção no Ser necessário então ele TEM EXCEÇÃO. Taí. Meio que é isso.
Vou continuar meditando e verei onde isso vai dar.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48935
Lógica difusa pode ser um caminho, mas confesso que ainda não estou bem conceitualmente familiarizado com os desdobramentos. Tenho que ler mais a respeito.
Poderia dar continuidade ao comentário ou mesmo sugerir obras de referência sobre Lógica difusa?
https://t.me/FilosofiaEAfins/48936
Elbandollo: - As obras referentes a esse assunto podem ser pesquisadas na internet, mas ela basicamente se simplifica na ideia do quanto algo é ou nao. Por exemplo.... Para avaliar se uma atitude é boa ou má. Dai parte-se do questionamento do "quão bom isso é sem ser tao mal". Em outras palavras, podemos dizer que existem variâncias entre o que é completamente bom e o que é completamente mal.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48937
Eu: - Acredito que minha analogia dos sistemas operacionais acabou não sendo das melhores. Eu poderia ter utilizado a analogia de como aplicativos e programas podem ser escritos em mais de uma linguagem com propriedades diferentes e atuando de forma simultânea para executar uma tarefa, mas só me ocorreu fazer essa correção depois do seu comentário.
...Outra analogia que teria sido melhor seria se eu tivesse mencionado a questão das máquinas virtuais, pois você consegue "emular" um sistema operacional dentro de outro sistema operacional. 🤷🏻‍♂
https://t.me/FilosofiaEAfins/48939
Evandro: - vou tentar resumir a tese assim: seja qual for a lógica assumida, o princípio de não contradição vai ser o balizador das inferências internas respectivas, de modo a não validar uma mudança de regras assumidas por ser contraditório. O lógico não pode começar assumindo regras de inferencia paraconsistentes A e terminar ou no meio do caminho alterar de regra A para não-regra A de inferência, pois será contraditório.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48940
Mas temos que atentar que para averiguar essa exceção usamos o proprio princípio, ou não?
https://t.me/FilosofiaEAfins/48941
Eu: - Boa! Isso situaria o problema que conversamos como um problema das "lógicas informais" por conta da polissemia. Já dentro da criação de sistemas lógicos, em qualquer sistema que se realizasse seria preciso um "princípio de não-contradição".
Mas a nível psicológico tenho alguns problemas com isso justamente porque o princípio da não-contradição se estabelece a partir da diferenciação entre o "eu" e o "outro", portanto psicologicamente "a posteriori".
É um ponto passivo na Psicologia a crença que a criança se entende como "parte da mãe" e a vai se individualizando num processo "a posteriori".
O Joe Rogan alega ter tido uma experiência mística nesse sentido quando entrou um tanque de privação sensorial: na ausência de sentidos ele diz que se viu como "em unidade com um TODO maior".
https://t.me/FilosofiaEAfins/48942
Evandro: - Talvez o principio de não-contradição é adequado à tudo que é contingente, mas não ao único Ser necessário, sem que isso seja uma exceção real, mas simplesmente por ser incabível aplicar ao que não pode não ser contingencialmente.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48943
Ele não pode não ser absolutamente e portanto sob nenhum aspecto. E o princípio já começa subtentendo aspectos contigentes, me parece.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48944
só uma última pontuação pra esclarecer: "Conhecimento por presença" é esse tipo de suposto envolvente que temos que assumir mesmo quando não temos consciencia ou quando negamos ou assumimos diversamente, vamos dizer "só da boca pra fora", mas na fenomenologia concreta levamos em conta sempre sua presença. Por exemplo, a doutrina da causalidade e a do ato e da potencia é um suposto presente sempre a meu sentir e, naturalmente, a não-contradição.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48947
Eu: - Deixa eu tentar organizar algumas coisas aqui pois me parece que temos uma hierarquia entre os primeiros princípios.
Metafísicos (O Ser):
1 - Princípio da Identidade = Ser
2 - Princípio da necessidade existencial = O Ser necessário É
3 - Princípio negativo da modalidade = Um ser necessário não pode causar um ser necessário
Transicionais (Potência ao Ato):
4 - Princípio do Terceiro Excluído = Ou Existir Ou Inexistir
5 - Princípio da Causalidade = Inexistência não pode causar existência
6 - Princípio da Necessidade = Apenas um Ser necessário pode causar um ser contingente
Acidentais (Não têm existência necessária):
7 - Princípio da Não-Contradição = Existir é não inexistir
8 - Princípio da Contingência: O contingente deriva sua existência do Ser necessário
9 - Princípio da Existência = A existência existe
10 - Todo ser contingente é causado por um Ser Necessário
11 - Princípio da analogia = O efeito guarda alguma semelhança com sua causa
12 - Princípio da contingência existencial = o ser contingente existe
https://t.me/FilosofiaEAfins/48949
Evandro: - "Existência é o resultado de se ter o ser, não é ato, mas fato". Nesse enfoque, o ato de ser de um ente é um fato participado do puro Ato, limitado pela sua natureza. O princípio de não-contradição é necessário para algo ser (árvore de Porfírio), só por isso não colocaria como acidental, mas metafísico mesmo, no 2, como necessário para algo existir. Ter aptidão para existir tem de ser não-contraditorio consigo mesmo (sua essência). Algo é impossível ou possível de existir; se possível, é inexistente ou existente, se existente, é necessário ou contingente.
PS: minha opinião é que a classificação do modo da árvore Porfírio ganha destaque devido a diferenciar as coisas da forma mais apodítica e certa que é por contradição e não por meros contrários, e isso implica no uso desde o início da não-contradição para predicar e chegar às diferenças específicas (espécies). A divisão primordial é por contradição (no sentido da não-contradição) e não por contrários. Mas ainda em formação essa sugestão intuitiva...
https://t.me/FilosofiaEAfins/48950
Eu: - Entendi. Aceito o critério de que "o princípio de não-contradição é adequado à tudo que é contingente, mas não ao único Ser necessário, sem que isso seja uma exceção real (...) por ser incabível aplicar ao que não pode ser contingencialmente."
Não estava claro pra mim o que fazer com o princípio de não-contradição sendo que é ele que (com o perdão da expressão imperfeita) "divide" o Ser nos entes.
Trocando em miúdos: "se existem entes, existe o princípio da não-contradição" porque coisas passam a existir (além e) a partir do Ser. O Ser deixa de ser tudo que há para abarcar também os entes.
...Vou reler isso tudo para verificar se ainda tem alguma coisa para amarrar.
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Logo de cara, o problema que parece permanecer é justamente alguma distância entre o "Logos" e o "Ser".
Admitindo que o princípio da não-contradição estabelece metafisicamente a divisão das coisas (ontologicamente) de um lado, por outro ângulo, a linguagem pode incorporar (e, de fato, incorpora) as contradições na forma de loopings / paradoxos.
Já postei anteriormente na Ágora que imagens/gestalts também podem ser paradoxais (inclusive, suspeito de que em vários aspectos sensíveis, tanto no "prazer pelo mal" quanto nos sentidos mesmo, como em loopings visuais ou musicais).
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Evandro: - Será que essas aporias não se resolvem se mostrar-se necessária uma divisão extra para comportar o que não se previa? Mas fico em reserva mental quanto às questões psicológicas ou de gestalt pois não me inteirei delas para responder a você que entende melhor por ser da área👍
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Eu: - Ajudou muito!
Vou retomar a escrita e verei se consigo inserir essa categoria extra.
Valeu!
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Dado o contexto, é importante citar que, "paradoxos frasais" são apenas jogos de linguagem operando de modo circular num mecanismo de autorreferência. Então... o que viria a ser um "paradoxo real" ou, como costuma ser dito, uma "contradição real"? Se os princípios pelos quais entendemos a experiência da realidade residem "in res" (nas coisas) isso parece derivar que "contradições reais" ou (ao menos) "paradoxos reais" também existem nas coisas (e não apenas nas ideias ou na linguagem). Seria isso verificável? Tentaremos responder a esta pergunta construindo uma rede de (talvez) exemplos de "exceções" ao princípio da não-contradição no capítulo a seguir.

3. EXISTEM EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA NÃO-CONTRADIÇÃO?

Vamos pensar um pouco...


Explicada nossa base lógica e delimitado o que é o "princípio da não-contradição", entraremos ao tema das violações ao princípio da não-contradição e, por conseguinte, se há possibilidades ou ocorrências de "contradições reais" (não apenas na linguagem mas na realidade ou na experiência do real. Analisemos uma lista por mim elencada de possíveis candidatos a "exceções" a este princípio separados por categorias (sinalizadas por §)... e façam suas apostas!

§EXCEÇÕES METAFÍSICAS?

https://fastcompanybrasil.com/wp-content/uploads/2023/07/imaginacao-radical_Juliana-de-Faria.jpg

A) Imaginação

TESE: Talvez a maior violação do princípio da não-contradição seja justamente a possibilidade de suprimi-lo através da imaginação. Tomemos a ideia tomista de "substância simples" (homogênea e não divisível em partes), esta pode ser admitida como "logicamente necessária" na cadeia causal e, ainda assim, ser uma manifestação da imaginação por não encontrar referente material. Se algo imaginado pode violar, por exemplo, as leis da física, também pode violar o princípio da não-contradição, o que parece advogar que OU a metafísica da imaginação tem primazia (é "a priori") em relação ao princípio da não-contradição OU que a imaginação opera isoladamente à margem do mesmo. Um exemplo disso seria a própria divindade. Vide o tópico "Imaginação" mais à frente, na lista de § EXCEÇÕES PSICOLÓGICAS.

ANTÍTESE: A imaginação opera à margem do princípio da não-contradição porque atua pela sobreposição e combinação de imagens dos sentidos. Portanto, opera a partir de referente(s) material em apenas 2 dimensões (apesar da impressão de operar em mais dimensões), o que explica a aparente violação do princípio da não-contradição. A imaginação é uma "sobreposição de decalques da realidade" e não deve ser entendida nem como metafísica nem como violando o princípio da não-contradição já que IAs também "alucinam" e justapõem coisas incompatíveis usando de sobreposição. Por justaposição é possível abstrair coisas impossíveis das coisas possíveis. É um erro de raciocínio justamente por ser uma atuação à margem do princípio da não-contradição.

TRÉPLICA: Então por que diabos conseguimos imaginar coisas que não existem na realidade a ponto de serem criadas na realidade e de modo funcional?

B) O Problema do Mal (e do pecado) enquanto forma negativa

(Fonte: https://archive.ph/2uvwG )

Deus é o autor do pecado? Teria Ele criado "O Mal"? Teólogos normalmente respondem a esta pergunta com variações de um argumento que remete historicamente a Santo Agostinho em que Agostinho delineia que "o mal não existe" ou que "o mal é a ausência de um bem, mais propriamente, a ausência de Deus"... Bem parecido com aquilo que Aristóteles dizia a respeito do ser humano "pender para o bem", "buscar o bem", etc. São duas afirmações que a gente pode até considerar como complementares. Mas, depois de muitos anos usando esse tipo de argumento, me parecia sempre que faltava algo, e não parecia explicar as coisas direito, como se você estivesse descrevendo uma TV apenas do ponto de vista da tela e não conseguisse falar do que tem dentro ou atrás dela.

Minha primeira ressalva sobre esta definição do mal é: Como "o Mal" pode ser definido como apenas a ausência de um/do bem se a ausência de alguns bens pode produzir virtudes? Veja, por exemplo, a temperança, a paciência ou o domínio próprio, nenhuma dessas virtudes se desenvolve sem ausência de algo bom, sem privação. Na realidade, desenvolvemos virtudes basicamente a partir da ausência de algo. Não posso definir "o Mal" simplesmente como "a falta de um bem". Como "o Mal" poderia gerar uma virtude? Aliás, se o/um mal pode gerar uma virtude, ele é mesmo "Mal"? Estas questões, inclusive, foram descritas desde o primeiro texto desta série. No segundo texto descrevi como a relação entre a existência do Mal e a do livre-arbítrio (ou "capacidade de escolha", como você preferir chamar) é uma relação de causa e efeito.

Porém, o que eu queria demonstrar aqui (...) é basicamente o seguinte: será que realmente todo ser humano pende para o bem a ponto de inclusive fazer o mal buscando a realização de algo bom? Pe. Fábio de Melo, por exemplo cita que "o ódio é uma forma muito estranha de amar". Seria isso verdade? Me parece que as três alegações aqui referidas, a de Pe. Fábio de Melo, a de Aristóteles e especialmente a de Santo Agostinho meio que "beberam da mesma fonte", de alguma forma... e eu desacredito de todas elas!

Veja, como explicar, por exemplo a perversidade, o prazer em destruir e fazer mal simplesmente por fazer, "espalhar a ausência do bem". Tem uma música do Silverchair bem interessante chamada "Too much of Not Enough", literalmente "O excesso da insuficiência", ou "O excesso da falta". "Excesso" e "falta" são termos complicados de se usar na mesma frase porque criam paradoxo. E me parece que a realidade foi erigida a partir de um paradoxo.

Para entender melhor o tema talvez precisemos abordar levemente a questão do "Paradoxo do Discurso" ou, como prefiro chamar, "O Erro de Parmênides":

SEGATTO, AI. Wittgenstein e o problema da harmonia entre pensamento e realidade [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2015. ISBN 978-85-68334-62-1. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

"(...) Parmênides enuncia no fragmento II de seu poema as duas vias possíveis de investigação: “é, e não é possível que não seja; não é, e é necessário que não seja”.
(...) No fragmento III do poema, Parmênides avaliza essa necessidade ao fazer as condições ontológicas do ser coincidirem com as condições lógicas de inteligibilidade do ser: “é o mesmo que há para pensar e para ser”.4 Da conjunção do que é posto nos dois fragmentos, segue-se que sobre o não-ser nada se pode pensar e dizer, nem mesmo que não é. Quem pensa e diz, pensa e diz o que é. Um discurso, portanto, ou diz algo, diz o que é, sendo necessariamente verdadeiro, ou não diz nada, não tem sentido e não pode sequer ser chamado de discurso. O aparente beco sem saída que resulta daí é conhecido pelo nome de paradoxo do discurso falso: não parece possível que um discurso seja, ao mesmo tempo, falso e significativo.
(...) Pressionado pela concepção de Parmênides, que ameaça “acabar com qualquer espécie de discurso”, o Estrangeiro de Eleia, personagem que conduz o diálogo platônico, admite a presença do não-ser no discurso e é esse o primeiro passo para a desmontagem do paradoxo: Se [o não-ser] não se misturar [com a opinião e com o discurso], a conclusão forçosa é que tudo é verdadeiro; misturando-se, torna-se possível haver opinião falsa e também discurso falso, pois pensar e dizer que não é: eis o que, a meu ver, constitui falsidade no pensamento ou no discurso. (Platão, 1980 , p. 88-9 [ 260 b-c])".

Fonte: SEGATTO, AI. Wittgenstein e o problema da harmonia entre pensamento e realidade [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2015 . ISBN 978-85-68334-62-1 . Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. Acesso em: 22 ago. 2024.

Por que este trecho é importante? Porque toda explicação que se dá sobre alguma coisa é basicamente uma "narrativa" ou, como diria Wittgenstein, uma "figuração" da realidade, e essa figuração pode não corresponder muito precisamente à realidade porque existe numa escala de aproximação entre aquilo que se diz e aquilo que existe.

Que "o ser é e o não ser não é" é inquestionável, mas a falha de lógica em Parmênides ao propor uma noção de realidade cuja conclusão é de que é impossível mentir (porque tudo que se pode falar "é", e portanto existe) é do mesmo tipo que dizer que "o frio não existe, no entanto, pode te matar" e também que "o Mal não existe" (porque é apenas a "ausência do bem") embora estejamos cercados de um tão grande número de testemunhas de aflições e injustiças no mundo. Nenhuma destas afirmações pode realmente ser levada à sério porque esbarram no mesmo problema de definição imprecisa ou insuficiente. Dito de outro modo: discurso falso.

Talvez seja um reflexo de como nós, modernos e pós-modernos, fomos influenciados a pensar nos termos do Existencialismo: o Existencialismo erra ao dizer que "a existência precede a essência" porque não existe nada sem forma. Ora, aquilo que tem forma tem propósito e aquilo que tem propósito tem essência. O que dizer então sobre uma possível "essência negativa"? Explicarei esse conceito mais adiante.

Sabendo que o discurso falso é possível e que mesmo criações imaginárias podem ser definidas com maior ou menor aproximação de seu conceito e, mesmo assim, ser entes inexistentes em realidade, este importante problema de filosofia da linguagem nos impulsiona na direção da Metafísica para que possamos de fato entender e separar os conceitos imaginários, sem referente na realidade, das coisas que existem e devem ser descritas a partir das limitações da linguagem de modo a se aproximar da forma mais completa e concisa possível de seu referente. Palavras como "mal", na realidade abarcam uma série de conceitos dentro de si, sendo, na verdade, conjuntos semânticos agrupados em conteúdos dotados de matizes e gradações.

Na Ontologia, que é um braço da Metafísica (basicamente a doutrina do ser) procuramos explicar as coisas que existem olhando para todas as suas características, para a inteireza das coisas; sendo mais preciso, para a totalidade do ser. Ao tentarmos explicar as coisas, nossa linguagem pode ora ser pragmática e explicar bem algo e, no entanto, ainda assim pode ser uma explicação incompleta; e ora pode estar faltando algo importante ali configurando uma descrição insuficiente!

Anos atrás, como comentário ao vídeo "DEUS É O AUTOR DO PECADO?" do canal "Dois Dedos de Teologia", do YouTube, escrevi o seguinte:

https://www.youtube.com/watch?v=6nEzpwxZmn8

E quanto ao mal ser ou não ser a ausência do bem: dizer que o frio não existe "pois é apenas ausência de calor" nunca salvou ninguém de morrer de frio. O problema do Mal é similar. O mal não é simplesmente a ausência do bem ou deixar de fazê-lo, o Mal é o malfazer em toda sua forma, do mesmo modo que o zero não é a mesma coisa que -16.

É mais fácil entender o paradoxo da Soberania de Deus x Autonomia do Homem assumindo que Deus criou o mal ontológico (seja lá o que isso queira dizer) do mesmo modo que um autor cria uma história de terror e não pode ser responsabilizado pelos horrores descritos nos atos dos vilões do enredo, muito embora o autor tenha PROVOCADO tudo aquilo que escreveu na história.

"O mal é o mal fazer em toda a sua FORMA", e aqui eu quero usar "forma" no sentido platônico-aristotélico pois aquilo que tem forma também tem essência.
Vamos fazer uma comparação, por exemplo, com o conjunto dos números inteiros: no conjunto dos números inteiros temos números positivos, negativos e o zero. Zero não é a mesma coisa que -16. Zero é ausência (e, ainda assim, tem valor quando é colocado à direita). A "ausência" de que Santo Agostinho fala quando define que "o Mal não existe" equivale a dar ao Mal um valor de "não-ser", ou seja, um "não-X" em lógica: zero = não existe. Se entendermos "o Mal" como uma "caixa semântica" onde depositamos todos "os males", teremos algo mais próximo de uma escala negativa em relação aos bens na mesma relação de sentido em que temos +1 e -1 um, menos dois, menos três... menos dezesseis, etc. Portanto, de igual modo, teremos uma escala das coisas que compõem o "bem" e essa escala não é igualmente proporcional em todas as coisas nem pessoas. Algumas pessoas são piores do que outras, outras são melhores; igualmente as coisas. Se a escala de números inteiros positivos cresce, também a de números inteiros negativos decresce. Já o zero é outra coisa...

Foi então que eu tive contato com a Metafísica de Plotino através do livro homônimo de Jean-Marc Narbonne e, para minha surpresa, parece que concordamos em muita coisa!
Todas as citações numeradas abaixo pertencem ao livro em questão e foram retiradas diretamente de seus apêndices:

NARBONNE, Jean Marc. A Metafísica de Plotino [Tradução Mauricio Pagotto marsola]. São Paulo: Paulus, 2014.
[19] O mal é ou não uma verdadeira substância (οὐσία)? Plotino retornará mais tarde a essa questão, pronunciando-se de modo inequívoco pela substancialidade do mal: “Assim como o falso é o contrário do verdadeiro, assim a realidade substancial do mal é contrária à realidade substancial da natureza divina. De sorte que estabelecemos que não é universalmente verdadeiro que não haja nada de contrário à substância” (6, 46-48 , comparar com 53-54 ). O mal, portanto, é uma substância, mas uma substância paradoxalmente não-substancial (cf. 3, 38), na medida em que ela é a negação radical, mas essencial e não acidental, de tudo aquilo que decorre da definição e do limite, e, por consequência, da substancialidade. Mais que de uma substância, poderíamos então falar de uma anti-substância, isto é, de uma natureza (φύσις: 3, 32; 6, 33), de um algo (τι: 3, 31) que existe em si e cuja realidade é a negação de toda essência.

O tópico 21, inclusive, me chamou a atenção pelo fato de aparentemente convergir com uma opinião minha de que racionalidade vezes irracionalidade = irracionalidade, portanto, por exemplo, a filosofia irracionalista (Nietzsche, Schopenhauer, Emil Cioran & Cia) não seria filosofia, mas anti-filosofia:

[21] “se o semelhante se conhece pelo semelhante, também o indeterminado se conhece pelo indeterminado. Assim, portanto, a razão, acerca daquilo que é indeterminado, poderá ser determinada, mas a intuição daquilo que é indeterminado será indeterminada. E se algo é contido pela razão e pelo pensamento (...), então ela, que quer ser um pensamento, não será um pensamento, mas uma espécie de não-pensamento”. Em I 8 [51], 1, 12 ss., Plotino parece, entretanto, defender a ideia de que os opostos são objeto de um saber único, de modo que o conhecimento do Bem implica então indiretamente aquele de seu contrário, o Mal.

Os tópicos 25 e 26 explicam exatamente minha contrariedade com alguns conceitos aristotélicos, como a definição do que seja o "bem" em Aristóteles:

[25] É a teoria de Aristóteles: “Uma outra característica das substâncias é não terem nenhum contrário. Com efeito, se considerarmos a substância primeira, qual poderia ser seu contrário, por exemplo, para o homem individual ou para o animal individual? Não há, com efeito, nenhum contrário” (Categorias, I, 5, 3b 25-28).

[26] A reserva que Plotino faz aqui provém do fato que os contrários são normalmente as coisas mais distantes no mesmo gênero. Mas como chamar as coisas que não possuem em comum nem mesmo o gênero? São ainda contrários? Seriam mais contraditórios, caso se tome a terminologia de Met., 1055 b 1-2, em que Aristóteles esclarece que “a contradição não admite nenhum intermediário, enquanto que para os contrários isso pode existir”. Mas Plotino talvez tenha em mente a passagem de Met., V 10, 1018 a 25 ss., em que Aristóteles inclui nos contrários as coisas que diferem não somente no mesmo gênero, nem no mesmo sujeito ou na mesma potência, mas aquelas “cuja diferença é máxima... absolutamente”.

Mesmo minha comparação matemática entre os números negativos e o zero (em uma análise mais metafísica dos números, por acreditar que as leis da matemática são análogas às leis do pensamento correto) também está presente em Plotino:

[35] “Plotinus on Matter and Evil”, Phronesis, 6, 1971 , p. 160 : “A metafísica de Plotino pode ser relacionada a uma série descendente de números que vão da infinidade a zero. O Uno é a infinidade e a matéria é o zero. Ainda que zero não seja nada, não é ‘absolutamente não-existente’ e pode, paradoxalmente, ter efeitos positivos”.

O tópico 40, inclusive, me parece passível de encaixe dentro da interpretação da tradição cristã de que o mal começa com a rebelião de um ser celeste:

[40] Cf. I 8 [51], 12: “– O que seria ele, se alguém dissesse que o vício e o mal que estão na alma não são uma privação completa de bem, mas apenas uma certa privação de bem? – Se é assim, e que a alma tem uma parte de bem e é privada de uma outra parte, ela terá uma disposição e não haverá mal sem mistura, e não teremos ainda descoberto o mal primeiro e sem mistura; a alma terá o bem em sua própria substância, e o mal como uma espécie de acidente”.

Já o tópico 41 me parece bastante similar às palavras de Cristo ao dizer que "aquilo que entra no organismo não contamina o homem mas sim o que sai do seu coração" (Mateus 15: 11-20 ):

[41] Plotino critica de modo severo essa tese em sua oposição aos gnósticos: “Por que seria necessário que a alma esclareça [a obscuridade], se isso não fosse necessário de modo universal? Pois, necessariamente, estaria ou em conformidade ou em oposição à natureza. Se estivesse em conformidade com a natureza, será sempre do mesmo modo. Mas se estivesse em oposição à natureza, haverá também espaço para aquilo que é contrário à natureza nos seres de lá, e os males existiriam antes do mundo daqui, não sendo o mundo a causa dos males, mas os seres de lá que o serão para o que é daqui, de modo que os males não virão daqui para a alma, mas da alma para cá” (II 9 [33], 12, 32-38).

Termino por deixar a própria definição de Plotino do que seria o mal:

[50] Tecnicamente, o mal é uma paripóstase (παρυπόστασις), “isto é, uma contra-existência, uma réplica invertida do bem, uma sombra do real, um relativo segundo”, logo, algo que não possui existência por si mas que é “a presença, nas criaturas, de tudo aquilo que é falta” (D. Isaac, “Notice” à Trois études sur lá Providence, op. cit., p. 13 e 15). Como escreve Proclo, o mal é um subcontrário do bem, “porque ele é, em si, privação, mas não privação total, e porque é tomando do bem ao mesmo tempo seu estado, sua potência e sua atividade que ele assume seu destino de contrário; e ele não é nem privação total nem contrário, mas subcontrário ao bem, o que significa, para aqueles que estão habituados a não ouvir de modo vazio essa palavra, uma espécie de paripóstase da realidade” (De mal. subs., 54, 24-31 ; Budé, op. cit., p. 101).

Fonte: NARBONNE, Jean Marc. A Metafísica de Plotino [Tradução Mauricio Pagotto marsola] . São Paulo: Paulus, 2014.

Aparentemente, Plotino e eu concordamos que o mal tem a forma exata daquilo que é a falta do bem, e isso é algo existente, mas sua essência é negativa. Como o buraco da fechadura que indica o formato exato da chave que ali deveria entrar. O mal, portanto, existe da mesma maneira que existe um discurso falso. Claro que "o ser é e o não ser não é", mas existe uma escala negativa entre aquilo que é e a forma que ali deveria estar mas não está.


Este é meu parecer: que o mal tem forma e essência, mas negativas, tendo o exato formato daquilo que ali falta: onde falta amor existem perversidades, não é simplesmente a ausência do amor, é a forma exata e negativa do que não está lá: uma contraparte. O mal é um subcontrário do bem. E ele não é nem privação total, nem contrário. Privação mas sem ser zero. É um número negativo. E porque carrega do bem seu estado, sua potência e sua atividade, o mal assume destino contrário ao bem.

Gosto de fazer essas reflexões metafísicas análogas à matemática para entender assuntos mais complexos porque os modelos que usamos para pensar estão dentro da matemática: Zero é nada. É inexistência. Já o mal tem existência, forma e substância negativas. ...Me lembra uma música da banda cristã "Oh, Sleeper" em que é narrado um diálogo entre Deus e o diabo. Enquanto o diabo faz seus desafios, Deus lhe responde (em 0h Sleeper - "Son of The Morning"):

"Se você visse as coisas como Eu vejo, você perceberia que é a Minha Graça que você respira".

...Como se Deus ecoasse Plotino ao dizer que a forma do mal pega emprestado do bem seu estado, sua potência e sua atividade e assume seu destino contrário.

Fonte: https://archive.ph/2uvwG

C) Pecado

TESE: O "pecado original" teria originado uma "contradição real" entre o desejo e seu referente (aquilo que é capaz de satisfazê-lo), então, da mesmas forma que C.S. Lewis estabeleceu que "se eu encontrar em mim mesmo desejos que nada neste mundo pode satisfazer, eu só posso concluir que não fui feito para este lugar", argumento este que encontra seu lugar na Teologia para explica a repulsa pela finitude e o desejo pela eternidade no coração do homem. Mas, pensando o argumento de forma negativa, seria também possível dizer que posso encontrar em mim desejo(s) tão vicioso(s) que pode(m) pedir satisfação sem nunca a encontrar, o que seria uma "contradição" no sentido de que "não é possível satisfazer aquilo que busca satisfação numa impossibilidade". Sendo a impossibilidade justamente a "satisfação no não-ser" isso não deveria ser possível de ser desejado... e, no entanto, é possível através do pecado. Aqui chamo "satisfação no não-ser" o desejo de "fechar-se a si mesmo sem mais nada" ou cessando de existir ou cessando de ter acesso aos meios para se satisfazer um desejo que nega os meios para se satisfazer o desejo ("pecado" enquanto separação de Deus entendendo Deus = Ser). Em Atos 17:27-28:

"(...) para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração."

Pelo menos para o cristão, não é possível ser feliz sem Deus, sem se submeter à Sua vontade, à Sua Teleologia. O desejo deve se alinhar à causa final e não o contrário.

Portanto, como já bem disse Santo Agostinho:

"Tu nos criaste para Ti mesmo e nossa alma está sem sossego até que encontre repouso em Ti".

ANTÍTESE: O que está havendo aqui é uma derivação do problema da imaginação. Uma imaginação viciosa sobrepõem coisas possíveis extraídas da realidade sensível para devanear com uma satisfação que a realidade não oferece causando uma sensação psicológica constante de insatisfação e "desejo(s) sem fim" que não nega necessariamente o princípio da não-contradição já que, mesmo na sobreposição, cada desejo buscado só pode ser experimentado sequencialmente, um de cada vez. A esse vício da insaciedade temos muitas propostas de auto-controle que visam remediá-lo nas mais variadas tradições filosóficas e religiosas: a meditação, a psicoterapia, a oração, o auto-flagelo, o estoicismo, a negação do desejo, etc.

TRÉPLICA: No entanto, ainda assim as pessoas desejam coisas contraditórias entre si, como "ser feliz prejudicando o próximo", "buscar a paz através da guerra", "aceitação das diferenças calando e perseguindo os diferentes", "fazer a diferença individualmente e esperando que o Estado resolva tudo por nós", "desejam o fim do sofrimento e se matam (pois não há vantagem na inexistência), etc.

§EXCEÇÕES ONTOLÓGICAS?

A) A natureza do tempo

Em "O Conceito de Angústia", Kierkegaard, ao contrapor o temporal e o eterno diz:

"E, não havendo terceiro, não há a rigor nenhuma síntese, pois uma síntese, que é uma contradição, não se pode completar como síntese sem um terceiro; pois, o fato de a síntese ser uma contradição, enuncia afinal justamente que não há síntese".

Colocando em outros termos: de onde veio a impressão de que duas formas contraditórias formariam uma síntese entre si se, a rigor, duas formas contraditórias não podem ser e não-ser ao mesmo tempo num mesmo sentido? A dialética, portanto OU seria, na realidade, uma síntese entre "contrários" e nunca entre contraditórios ou seria sempre FALSA (já que uma contradição equivale à oposição entre ser e não-ser, entre "o que há" e "o que não há", e não deveria ser acessível à intelecção assim como o conceito de "nada" já que não temos acesso ao que não há e sim ao que "poderia ser", ou seja, aquilo que É na imaginação). A Lógica sozinha não explica o movimento, a passagem da potência ao ato, porque não engloba realmente o movimento; então, a um só tempo, a lógica pressupõe o movimento mas não o comporta. Momento/instante, movimento, tempo e eternidade são categorias simultâneas que não podem ser essencialmente distinguidas pelo aspecto quantitativo, mas apenas pelo salto qualitativo.

B) Atomismo Empírico de David Hume x Paradoxos de Zenão x Segunda Via de São Tomás de Aquino

TESE: O Atomismo é contrário à experiência. Outra objeção séria ao empirismo cético de Hume é que ele é baseado no atomismo empírico injustificado. Hume acreditava que todas as sensações eram atomicamente separadas. "Um evento segue o outro, mas nunca se pode observar a ligação entre eles. Parecem conjuntos, mas nunca conectados" (ibid., 7.2.85). Mas não é assim que os experimentamos. Nós os encontramos como um fluxo contínuo. Não recebemos uma série destacada de fotos instantâneas, antes vemos um filme contínuo do mundo externo. Somente quando a pessoa supõe incorretamente que tudo é atomicamente desconectado e separado é que surge o problema de conectá-los.
https://t.me/FilosofiaEAfins/28471
HUME, David. In: GEISLER, Norman L. Enciclopédia de apologética: respostas aos críticos da fé cristã. Tradução: Lailah de Noronha. São Paulo: Editora Vida, 2002. p. 861-867.

ANTÍTESE: No entanto, percebemos uma difusa transição entre coisas incompatíveis na realidade. Usemos "luz e trevas" como exemplo: "elas não podem ser num mesmo lugar, ao mesmo tempo e no mesmo sentido"; porém, entre uma e outra, há gradações visíveis todos os dias entre amanhecer e anoitecer (e amanhecer de novo) num processo constante em que "não se vê o momento em que luz se torna em trevas ou trevas em luz" (nem se poderia). Entretanto, nossa experiência acessa a gradação que leva de um estado ao outro. O tempo é como caracterizamos os movimentos de gradação captados pela experiência.

TRÉPLICA: Então, o MOVIMENTO da potência ao ato na transição/síntese entre momentos de propriedades contraditórias é acessível pela experiência. Logo, teríamos de admitir OU que AQUI existe uma "contradição real" OU que "contradições são ilusórias".

§EXCEÇÕES LÓGICAS?

A) O Problema do Discurso Falso

Versão curta do argumento a verdade e a falsidade se misturou no discurso para formar opinião, logo existe um "GAP" entre o "Ser" e o "pensar". Vide novamente em § Metafísicas: "O Problema do Mal (e do pecado) Enquanto Forma Negativa".

B) O NADA é um "paradoxo" ou uma "contradição"?

O NADA não existe. Mas conseguimos pensar no nada... sem realmente conseguir pensar nele. E até demos um nome pra ele: Nada! Ao contrário de "tudo", que só não pode ser medido, o "nada" é uma abstração, uma palavra sem referente, uma ideia que sequer deveria poder existir... Mas existe enquanto ideia! Portanto, o NADA, enquanto ideia, não é nada, mas algo. Portanto, o NADA existe... e existe justamente por "não existir", já que "não existir" é seu referente!

C) O vazio é um "paradoxo" ou uma "contradição"?

Para existir movimento é necessário espaço, mas parece que o espaço é vazio: se tudo estivesse ocupado não haveria movimento. Marcelo Gleisler (que é físico) chegou a pontuar que na Física Quântica, não temos exatamente um "vazio", mas um "vácuo" onde oscilações de de energia ("feita de quê?", eu pergunto) compõem matéria subatômica misteriosamente sempre em movimento ("se movendo em quê?", eu pergunto) de modo a permitir que as ondas de luz viagem por um meio material que não é exatamente "material" e cujas partículas subatômicas que "aparecem" também desaparecem a partir desse "vácuo" em micro-frações de segundo... o tempo todo! Traduzindo: coisas saindo do "vazio"! Se o vácuo no espaço existe, e ele não é o NADA (porque O nada não existe), então o vazio É algo! (uma "forma negativa")
https://t.me/FilosofiaEAfins/39102

Vide a referência a seguir:

GLEISLER, Marcelo. O NADA EXISTE? Uma Breve História do Vazio. YouTube, 22 de junho de 2018. Disponível em: <https://youtu.be/CCGT4NzClWo>. Acesso em: 23 abr. 2023.

D) Paradoxo

TESE: Um paradoxo é uma afirmação aparentemente contraditória ou absurda que, no entanto, pode ser verdadeira ou levantar questões lógicas válidas. Paradoxos muitas vezes desafiam nossas suposições intuitivas ou revelam limitações na linguagem ou no pensamento.

Características

(1) Os paradoxos geralmente apresentam afirmações que parecem se contradizer.
(2) Apesar de sua aparente contradição, os paradoxos podem conter uma verdade ou levantar questões lógicas importantes.
(3) Os paradoxos podem nos forçar a repensar nossas suposições e explorar novas perspectivas.

Tipos Comuns

Paradoxo da Mentira: "Esta afirmação é falsa." Se a afirmação for verdadeira, ela deve ser falsa. Se for falsa, ela deve ser verdadeira.
Paradoxo da Predestinação: Se o destino é fixo, temos livre arbítrio para tomar nossas próprias decisões?
Paradoxo do Navio de Teseu: Se todas as partes de um navio são gradualmente substituídas, em que ponto ele deixa de ser o mesmo navio?
Paradoxo do Barbeiro: Um barbeiro faz a barba para todos que não fazem a barba sozinhos. Ele deve fazer a barba para si mesmo?
Paradoxo de Zenão: Aquiles, o corredor mais rápido, nunca pode alcançar uma tartaruga mais lenta, porque sempre que Aquiles chega onde a tartaruga estava, ela já se moveu um pouco mais.
Paradoxo de Russell: O conjunto de todos os conjuntos que não se contêm a si mesmos se contém?

->Paradoxos de linguagem (frases autorreferentes, "paradoxo do mentiroso")

Os paradoxos podem ser ferramentas valiosas para:

  • Descobrir falácias lógicas ou limitações na linguagem.
  • Questionar suposições e estimular o pensamento crítico.
  • Explorar conceitos filosóficos complexos, como identidade, causalidade e conhecimento.
ANTÍTESE: Mas esse tipo de paradoxo só se dá por autorreferência ("x deve conter x", "x deve causar a x", "x deve fazer sobre x") que só faz sentido com quantidades (igual aos paradoxos de Zenão), mas não se pode atestar nem na ontologia nem na fenomenologia do real (Aquiles nunca iria perder pra uma tartaruga, um barbeiro que faz a barba de todos os barbeiros pode SIM se barbear a si mesmo, as partes do meu corpo são ao mesmo tempo tanto "partes" quanto "eu").
https://t.me/FilosofiaEAfins/49025

§EXCEÇÕES MATEMÁTICAS?

A) Divisão por zero

Existem propostas diferentes para lidar com o problema da divisão por zero. Vou citar apenas duas antes de expôr um argumento que, na verdade, nem é meu, mas de meu pai enquanto professor de matemática:

1) Divisão por zero é impossível: A razão dada para tal é que a própria ideia essencial de dividir é a de "distribuir de igual modo". Distribuir algo pelo nada nesta interpretação é = aniquilar. No conjunto dos números reais, portanto, esta proposta de operação não tem significado sendo uma operação inválida.

2) Divisão por zero tende ao infinito: Esta interpretação é explicada pela mesma lógica do paradoxo de Aquiles x Tartaruga: quanto maior a quantidade de casas decimais de uma divisão por um divisor menor que 1 mais próximos ficamos de uma escala infinita que TENDE para zero.

3) A "aposta" matemática do meu pai para o problema da "divisão por zero" é uma conjectura em 3 partes que se seguem:

- Matematicamente, a divisão por zero é válida se, E SOMENTE SE, tanto numerador quanto denominador (divisor e dividendo) forem zero; neste caso, aliás, ao fazer a operação oposta para verificar o resultado, qualquer número é válido como resultado já que qualquer número multiplicado por zero é igual a zero.
- Mas, quando dividimos um número por outro estamos procurando quantas vezes o DIVISOR cabe no DIVIDENDO! Portanto, É VERDADE dizer que, sendo o zero DIVISOR "CABERÁ" em QUALQUER dividendo, mesmo sem determinar quantas vezes (pelo menos entre os números inteiros positivos), PORÉM, se o zero for o DIVIDENDO ou o resultado da operação é a "aniquilação" ou o "infinito", dando duas respostas igualmente válidas e potencialmente contraditórias enquanto resposta ao mesmo problema!
- Logo, o problema filosófico do zero "caber" em qualquer número inteiro positivo é que: se o ZERO = "CONJUNTO VAZIO" (não parece ilógico dizer que), então "qualquer coisa que comporta 'algo' também, potencialmente, NÃO COMPORTAR coisa nenhuma" ao mesmo tempo e no mesmo sentido!

B) Múltiplos caminhos possíveis levando ao mesmo resultado num cálculo

...Eu sei que tem, mas vou deixar esse exemplo pra o leitor achar seus próprios exemplos e avaliar se esta é uma exceção real válida ou não.

§EXCEÇÕES FÍSICAS?

A) Cores

TESE: Quando se trata da manifestação das cores dependendo unicamente da luz, a SOMA de todas as CORES é o BRANCO e as 3 cores primárias são VERDE, vermelho e azul, mas quando se trata de pigmentações, a soma de todas as cores é o PRETO (assim como o engrossamento/pigmentação de um pigmento químico) e as cores primárias passam a ser AMARELO, vermelho e azul. Então, em ALGUMA SITUAÇÃO BRANCO = PRETO e AMARELHO = VERDE.

ANTÍTESE: O que está acontecendo aqui mais parece uma confusão de categorias. O que se aplica fisicamente ao espectro da luz e o que ocorre quimicamente com o meio em que a luz percorre de modo que as cores primárias na luz pura se divida de uma forma e as cores primárias de pigmentos se comportem de forma distinta seria melhor entendido analogamente ao problema de um meio "distorcer" a luz "como quando a luz faz um objeto semisubmerso parecer "quebrado" já que o comprimento de onda de luz varia conforme o meio onde se dispersa ou até mesmo avaliando o fenômeno da visão já que seres humanos não enxergam amarelo, mas sim verde, vermelho e azul por conta dos bastonetes presentes em nossos olhos serem dedicados a captar luz e a forma de estimulação desses bastonetes é que nos dá a impressão das demais cores. Ainda há a possibilidade da própria impressão sobre a mistura química de pigmentos ser relativa à quantidade de luz a que o material é exposto já que não raras vezes o que parece "preto" à primeira vista na verdade acaba sendo um tom muito escuro de azul, marrom ou vermelho sob luz suficiente para se enxergar melhor.

TRÉPLICA: Cores existem sem que ninguém as veja? Seria a divisão dos tons de cores arbitrária em si mesma?

B) Luz

TESE: Se como vimos no capítulo 2 deste artigo, na lógica aristotélica, existe ainda uma diferença de compatibilidade entre proposições relacionadas na forma de "contrários", "subcontrários" e "contraditórios", então:

* Luz e escuridão são contraditórias (uma não pode estar onde a outra está);
* Luz e sombra são contrárias (existe um gradiente entre ambas, mas estas se opõem);
* Sombra e penumbra são subcontrárias (posso ter as duas ao mesmo tempo, além de que elas "se parecem" sem ser da mesma espécie, respectivamente "não-luz" e "luz fraca").

ANTÍTESE: Argumentar que o comportamento geral da luz seria um análogo no mundo físico ao princípio da não-contradição é apenas isso: uma analogia. Não demonstra uma contradição real.

TRÉPLICA: Não exatamente. O princípio da não-contradição também pode ser entendido como necessário e, ainda assim, a posteriori. Se entendermos que Deus é UNO mas que a partir da criação a "divisão" é inaugurada, então o "princípio da não-contradição" passa a ser inaugurado pelo ato da criação. Derivar a "não-contradição" do "princípio da identidade" PODE não ser uma dedução necessária, mas acidental experienciada a posteriori (apesar de ser mesmo universal). Então, coisas na experiência concreta talvez não sejam meros análogos, mas "peças" de realidade que juntamos numa "rede neural" para inteligir o que chamamos de "formas" ou "essências". Os princípio lógicos então estariam presentes "in res" e as "estruturas lógicas" estariam TANTO "na mente" quanto "nas coisas".

Confira "tabela" dos 12 Primeiros Princípios (no início do artigo).

C) DECAIMENTO QUÂNTICO

No mundo quântico, os sistemas são descritos por funções de onda. Quando uma função de onda representa um sistema em um estado excitado (com energia mais alta), ela pode decair espontaneamente para uma função de onda de menor energia. Esse processo de decaimento é mediado por interações com o campo eletromagnético, que leva à emissão de fótons ou outras partículas. A questão do decaimento é que não parece ser possível determinar ao mesmo tempo velocidade e posição de uma partícula ao mesmo tempo a ponto de "SE tivermos um, ENTÃO não teremos o outro" (já que, o ato de medição parece "artificializar" o resultado em que o ato de medir já altera o estado inicial do sistema a ser observado do mesmo modo que um "raciocínio cíclico" começa pressupondo o que pretende provar).
Assim sendo, no problema do decaimento quântico temos um sistema com estados superpostos e a observação faz com que o sistema se "decomponha" em um estado definitivo. Enquanto isso, as lógicas paraconsistentes são sistemas lógicos que permitem contradições sem levar a inconsistências. Elas são diferentes da lógica clássica, que proíbe contradições (por exemplo, a afirmação "P" e "não P" ao mesmo tempo). Trocando em miúdos: a lógica tradicional não lida com estados sobrepostos (aparentemente), enquanto que as lógicas paraconsistentes permitem que os cálculos do sistema quântico permaneçam em estados superpostos.
Mas o problema maior, creio eu, é que: se, por um lado, as lógicas paraconsistentes fornecem uma estrutura formal para expressar e raciocinar sobre sistemas quânticos - que parecem descrever fenômenos na realidade com a superposição de estados contraditórios, assim como na imaginação - então, onde estaria de fato a contradição: no fenômeno real ou na interpretação do fenômeno?

D) O Problema dos 3 Corpos

TESE: O problema ou "dilema" dos 3 corpos é um problema clássico na física que envolve a previsão do movimento de três corpos celestes em interação gravitacional. É um problema complexo que não possui uma solução analítica geral. É chamado de "dilema" porque não há uma solução analítica geral para o problema, o que significa que não é possível prever com precisão os movimentos dos corpos no longo prazo. A complexidade do "dilema dos três corpos" surge da natureza caótica do sistema: Pequenas perturbações nas condições iniciais podem levar a mudanças significativas nos resultados a longo prazo decorrentes das interações gravitacionais entre três corpos, o que significa que mudanças infinitesimais nas posições e velocidades dos corpos podem ser amplificadas ao longo do tempo sem possibilidade aparente de previsão confiável (ou seja, é o contrário da "psicohistória", conceito presente na obra "Fundação", de Isaac Asimov, mas isso é uma dica literária Sci-Fi gratuita de minha parte).
A relação entre o problema dos 3 corpos e as lógicas paraconsistentes surge do fato de que o sistema gravitacional de 3 corpos pode exibir comportamentos aparentemente contraditórios. Por exemplo: as órbitas dos corpos podem ser caóticas e imprevisíveis, o que pode levar a situações onde duas previsões diferentes sobre o movimento dos corpos podem ser "verdades prováveis" ao mesmo tempo. Lógicas paraconsistentes podem ser usadas para modelar esses comportamentos contraditórios e fornecer uma estrutura lógica para raciocinar sobre eles. Isso permite que os físicos explorem as complexidades do problema dos 3 corpos e desenvolvam soluções aproximadas mais precisas.

ANTÍTESE: Mas a questão de não haver (ainda) solução analítica para o "dilema dos 3 corpos" não pode ser usada pra advogar a existência de "contradições reais", trata-se apenas de uma situação cuja previsibilidade depende de dados que (ainda) não dispomos ou, ao menos, de uma tentativa de contornar logicamente um problema derivado de dados incompletos (Obs.: Este argumento também pode ser usado na questão do porque se preferir lógicas paraconsistentes para avaliar problemas de mecânica quântica).

TRÉPLICA: Mas é justamente essa a questão! Se estamos usando um sistema de pensamento que suprime (ainda que parcialmente) o princípio da não-contradição para lidar com um problema para o qual temos dados incompletos... bom, a vida é um dado incompleto! Variações de lógicas paraconsistentes seriam usadas o tempo todo (involuntariamente) ao se compôr sistemas de pensamento para se adequar à falta de informações que temos sobre a realidade (ou seria a realidade que é parcial, substancialmente incompleta, como afirma Slavoj Zizek*?), mas sem uma formulação explícita (nem todos podemos ser Newton da Costa).

ZIZEK, Slavoj. Video Games & Quantum Physics. YouTube (Canal: The Radical Revolution), 18 set. 2023. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Xv3qRcYII3U>. Acesso em: 15 jan. 2024.

Obs.: Zizek tem um trecho viral na internet (acima) em que usa videogames como exemplo de que a realidade pode comportar "contradições reais" se a criação estiver "incompleta", como nos videogames, já que há partes não programadas, incompletas ou mesmo que não permitem interação (cenários pra onde não se pode ir, cutscenes, NPCs, etc).

§EXCEÇÕES MORAIS?

A) Hipocrisia

* É a prática de defender ou afirmar crenças ou valores que se contradizem com as próprias ações ou comportamentos.
* Envolve uma falta de integridade ou autenticidade.
* Está geralmente associada a julgamentos negativos ou desaprovação social.

B) Contradição Performativa/Performática

* Ocorre quando uma ação ou declaração nega ou subverte seu próprio significado ou intenção declarada.
* É uma forma de ironia ou expressão paradoxal.
* Pode ser usada para fins humorísticos, críticos ou analíticos.

Diferenças Principais:

* Intencionalidade: A hipocrisia geralmente envolve uma intenção consciente de enganar ou iludir os outros. A contradição performativa, por outro lado, pode ser intencional ou não.
* Motivação: A hipocrisia é frequentemente motivada pelo desejo de parecer virtuoso ou superior a outras pessoas. A contradição performativa pode ser motivada por uma variedade de fatores, incluindo humor, crítica ou reflexão filosófica.
* Julgamento Social: A hipocrisia é geralmente vista negativamente, enquanto a contradição performativa pode ser vista de forma mais ambígua ou até mesmo apreciada.

Exemplos:

* Hipocrisia: Um político que faz campanha contra a corrupção, mas se envolve em práticas corruptas.
* Contradição Performativa: Um comediante que faz uma piada sobre "como odeia comédia".

"Contradição performática/performativa" é um termo usado para descrever situações em que as ações e o comportamento de uma pessoa contradizem diretamente as afirmações ou opiniões que ela expressa. É como se alguém dissesse acreditar em uma coisa, mas se comportasse de maneira oposta na prática. Um exemplo clássico disso é um professor que professa "a importância da tolerância e da inclusão", mas age de maneira discriminatória ou preconceituosa. Nesse caso, a contradição é evidente entre as palavras e as ações da pessoa, resultando em uma hipocrisia vista como contraditória. Outro exemplo interessante é o filósofo que afirma que "a linguagem é inútil para transmitir o verdadeiro conhecimento", mas que utiliza a linguagem para expressar essa opinião. A contradição performática não apenas mina a credibilidade e a sinceridade das convicções expressas, mas também desafia a noção de que as palavras e as ações de uma pessoa devem estar alinhadas em um sentido coerente e lógico.

§EXCEÇÕES PSICOLÓGICAS?

Obs.: Os argumentos presentes nos tópicos de "A" até "G" são variações do problema da "imaginação" conforme descrito anteriormente nas (possíveis) "§EXCEÇÕES METAFÍSICAS"(?) ao princípio da não-contradição.

A) IMAGINAÇÃO:

Vide tópico anterior sobre "Imaginação" na parte das possíveis "§EXCEÇÕES METAFÍSICAS" do princípio da não-contradição.

O que é imaginação?

Imaginação é a capacidade da mente de criar imagens, ideias e conceitos mentais. Envolve a capacidade de formar novas ideias, recordações e experiências a partir de informações armazenadas na memória. A imaginação é essencial para o pensamento criativo, resolução de problemas, planejamento e antecipação. É também a base de muitas formas de arte, como escrita, pintura e música.

1-A matéria pode existir sem a mente (Realismo).
2-A mente, ao que parece, precisa da matéria para existir (Aristotelismo).
3-As leis da Física se aplicam a corpos formados por muitas partes/substâncias compostas.
4-O Materialismo alega que a "matéria criou a mente".
5-A mente consegue imaginar coisas impossíveis para a matéria fazer (pois a matéria não é "substância simples").*
6-Um ser formado de "substância simples" não se subdivide em partes, logo também não estaria sujeito às leis da Física (Tomismo).
Conclusão: A matéria não pode ter criado a mente.
Ex.: Os poderes mitológicos dos deuses ou dos super-heróis das revistas em quadrinhos só poderia ser explicado se estes fossem formados de algo análogo ao conceito de "substância simples", do tomismo.
https://t.me/FilosofiaEAfins/33862

Fonte: Super-Heróis e a Física. Disponível em: <https://archive.ph/QRtWE>.

B) SONHOS

O que são sonhos?

Sonhos são experiências mentais vívidas que ocorrem durante o sono. Eles são tipicamente caracterizados por imagens, pensamentos e emoções que não estão presentes na realidade desperta. Os sonhos podem variar muito em conteúdo, de agradáveis ​​a assustadores, e podem ser influenciados por pensamentos, experiências e emoções da vigília. A função exata dos sonhos ainda é desconhecida, mas acredita-se que desempenhem um papel no processamento emocional, consolidação de memória e criatividade.
No entanto, pessoas frequentemente (e ao longo da História) têm experienciado o que chamamos de "sonhos premonitórios", em que um evento futuro se manifesta ao sonhador antes de sua ocorrência com intervalo de dias, meses, anos e até possivelmente eras se considerarmos fenômenos conhecidos como "epifanias" e "profecias". Além disso, sonhos parecem não seguir as leis da Física da mesma forma que a imaginação (com a única diferença que a imaginação é predominantemente voluntária enquanto o sonho é predominantemente involuntário) trazendo o mesmo tipo de problema de superposições enquanto potenciais "suspensões" ao princípio da não-contradição.

C) DESEJOS

O que são "desejos"?

Os desejos são anseios ou aspirações fortes por algo ou alguém. São impulsos motivacionais que nos levam a buscar a satisfação de necessidades ou vontades. Os desejos podem ser conscientes ("sei de onde vêm") ou inconscientes ("não sei de onde vêm") e podem variar em intensidade e duração. Eles podem ser influenciados por fatores biológicos, psicológicos e sociais e podem desempenhar um papel significativo em moldar nosso comportamento e tomada de decisão. O mesmo argumento apresentado no tópico da TRÉPLICA sobre o PECADO enquanto possibilidade de suspensão real ao princípio da não-contradição também pode ser usado para defender que "desejos podem incorporar contradições entre si" (desejar ao mesmo tempo e num mesmo sentido coisas incompatíveis e inconsistentes entre si). Os exemplos para este caso estão na TRÉPLICA do item "Pecado", no tópico "§EXCEÇÕES METAFÍSICAS".

D) ALUCINAÇÕES

O que são "alucinações"?

Alucinações são percepções sensoriais que ocorrem na ausência de qualquer estímulo externo real. Elas podem envolver qualquer um dos cinco sentidos e são tipicamente vívidas e detalhadas. As alucinações podem ser causadas por uma variedade de fatores, incluindo distúrbios mentais, uso de drogas, privação sensorial e certas condições médicas. Em alguns casos, as alucinações podem ser um sintoma de um problema subjacente que requer atenção médica. Vide tópico anterior sobre "Imaginação" na parte das possíveis exceções "METAFÍSICAS" do princípio da não-contradição.

E) DELÍRIOS

Imaginação: Envolve a criação criativa de imagens ou ideias mentais, não necessariamente baseadas na realidade.
Sonho: Experiências mentais vívidas que ocorrem durante o sono, influenciadas por pensamentos e emoções da vigília.
Delírio: Crenças firmes e irracionais que não são baseadas na realidade, muitas vezes acompanhadas de alucinações.
Alucinação: Percepções sensoriais que ocorrem sem um estímulo externo real, podendo ser causadas por vários fatores, incluindo distúrbios mentais ou uso de drogas.
Vide tópico anterior sobre "Imaginação" na parte das possíveis exceções "METAFÍSICAS" do princípio da não-contradição.

F) DISFORIA DE GÊNERO

O que é "disforia de gênero"?

Disforia de gênero é um sentimento intenso de desconforto ou angústia que pode ocorrer quando o sexo BIOLÓGICO de uma pessoa não corresponde à sua "identidade de gênero". Indivíduos com "disforia de gênero" podem sentir uma forte necessidade de viver como o gênero que corresponde à sua VONTADE interna, mesmo que isso não esteja de acordo com seu sexo biológico.
Vide tópico anterior sobre "Imaginação" na parte das possíveis exceções "METAFÍSICAS" do princípio da não-contradição.

G) (des)CONTINUIDADE DO EGO

Este tópico na verdade permeia não só a Psicologia como as religiões orientais já que lida com o ancestral problema do "uno x múltiplo". Por exemplo: Para os Orientais, (hindus e budistas) Maya não é "ilusão", mas sim o manifestado - são sinônimos. O "manifestado", cada vez que se manifesta já não existe mais, pois na realidade não existe continuismo entre "pontos" e sim fluidez. Assim, o ser que é o manifestado, não tem continuidade ou, como diria Tim Maia, inspirado por Heráclito e Buda: "tudo muda o tempo todo no mundo" (Tim Maia em "Como uma Onda"). O "manifestado", por assim dizer, deixa de existir cada vez que se manifesta. Os ocidentais, chamam isso de "não ser", enquanto os orientais chamam de "Ser" (https://t.me/FilosofiaEAfins/44613). Isso porque, para os orientais "tudo é um", "contradições são ilusórias" e "o ego é vazio". O "manifestado" não se vê como parte do todo, "não se distingue dele. Sendo a identidade (que exige continuidade) também uma ilusão, o objetivo da vida é se dissolver no todo, isto é: parar de se manifestar. (https://t.me/FilosofiaEAfins/44614)
Em suma, O "princípio da não-contradição" só é notado a partir da diferenciação entre o "eu" e o "outro" portanto estando, psicologicamente, "a posteriori", já que a visão Oriental de "Consciência" permeou o desenvolvimento da Psicologia Moderna.
É um ponto passivo na Psicologia a crença que a criança se entende como "parte da mãe" e a vai se individualizando num processo "a posteriori" e experiências místicas envolvendo "tanques de privação sensorial" podem eventualmente produzir, pela ausência de estímulos sensoriais, uma sensação de "unidade com um TODO maior".
Entre os principais efeitos psicológicos descritos após experiências com "tanques de privação sensorial" temos, por exemplo:

☑ Alucinações visuais e auditivas: Pessoas podem experimentar visões e sons não existentes, que podem ser agradáveis ou perturbadores.
☑ Pensamentos e sentimentos alterados: O isolamento e a falta de estímulos podem levar a pensamentos confusos, distorcidos ou até mesmo psicóticos. Os indivíduos podem sentir ansiedade, medo, euforia ou depressão.
☑ Despersonalização e desrealização: As pessoas podem se sentir desconectadas de seus próprios corpos ou do mundo ao seu redor.
☑ Aumento da sugestionabilidade: Os indivíduos podem se tornar mais propensos a sugestões e influências externas.
☑ Relaxamento e redução do estresse: Para algumas pessoas, o tanque de privação sensorial pode fornecer uma sensação profunda de relaxamento e redução do estresse.
☑ Clareza mental e insights: Alguns indivíduos relataram experimentar maior clareza mental e insights após a experiência.

Sobre a incidência de relatos de sensação de "unidade" com "todas as coisas":

A incidência de relatos de sensação de "unidade" com "todas as coisas" em experiências com tanques de privação sensorial é difícil de quantificar, pois as pesquisas sobre o assunto são limitadas. No entanto, alguns estudos sugerem que este efeito é relativamente comum.
Por exemplo, um estudo de 1968 realizado por John C. Lilly (publicado em "Scientific American") descobriu que 63% dos participantes relataram experimentar uma sensação de "dissolução do ego" ou "fusão com o universo" durante experiências em tanques de privação sensorial.

§DIREITO?

TESE: Não me parece absurdo afirmar que, no Direito, dadas as brechas de coerência entre leis e leis e também dadas as decisões a ser tomadas quase sempre envolverem dados insuficientes, o uso de "lógica difusa" aparenta ser o padrão. Ex.: em alguns casos de disputas judiciais em que não haja prova material mas apenas testemunhal, por vezes, pessoas implicadas são mantidas de fora dos relatos a ser julgados seja para preservá-los seja porque os mesmos negam conhecimento ou participação no caso.
Este caso não é plenamente uma "violação" ao princípio da não-contradição, sendo uma espécie de "suspensão parcial" da certeza do mesmo para formular uma decisão enquanto "aposta provável", como na estatística. Por ser uma "aposta", a lógica difusa "contorna" o problema das contradições ao lidar apenas com o gradiente entre os contrários.

ANTÍTESE: Na verdade, o Direito Romano é baseado em retórica, sujeito a sofismas. Ainda se usa de "lógica tradicional" mas um dos lados, quando não os dois em questão, podem estar mentindo.

TRÉPLICA: Mas a admissão de ouvir dois lados potencialmente contraditórios dando o mesmo direito e valor de verdade a ambos os lados do argumento não em si já o uso de uma lógica paralela que não lida com Verdades Formais?

4. LÓGICA TRADICIONAL X LÓGICAS PARACONSISTENTES

Nesta categoria, não lidaremos necessariamente com candidatas a "exceções lógicas" ao princípio da não-contradição mas, tão somente, com exemplos de abordagens em "lógica moderna" em que o princípio da não-contradição, de fato, não é empregado de forma dualista e inflexível. Ou seja, em termos "técnicos", nessas lógicas alternativas o princípio da não-contradição "não trivializa". É possível que alguns dos exemplos do capítulo: "3. EXISTEM EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA NÃO-CONTRADIÇÃO?" façam mais sentido ao serem relidos APÓS a leitura do capítulo atual, todavia a disposição dos capítulos tal qual se vê se deu porque eu pretendi preservar a maneira como os assuntos me vieram à mente.

A) Paradoxos e Lógicas Paraconsistentes

Os paradoxos expõem as limitações do princípio da não-contradição, que é um dos pilares da lógica clássica. Lógicas paraconsistentes são sistemas lógicos que relaxam ou rejeitam o princípio da não-contradição para lidar com paradoxos de forma mais satisfatória.

Princípio da Não-Contradição

O princípio da não-contradição afirma que duas proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo. Em outras palavras, uma proposição não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente.

Lógicas Paraconsistentes

As lógicas paraconsistentes permitem que proposições contraditórias sejam verdadeiras simultaneamente em certos contextos. Isso é conseguido relaxando ou rejeitando o princípio da não-contradição.

Exemplos de Lógicas Paraconsistentes:

  • Lógica de Valoração Verdadeira: Permite que proposições contraditórias sejam verdadeiras, mas atribui valores de verdade diferentes a elas.
  • Lógica Relevante: Rejeita o princípio da não-contradição, permitindo que proposições contraditórias sejam ambas verdadeiras se não estiverem relacionadas.
  • Lógica Dialética: Permite que proposições contraditórias sejam verdadeiras em diferentes estágios de um diálogo ou debate.

Importância das Lógicas Paraconsistentes

As lógicas paraconsistentes são valiosas para:

  • Modelar fenômenos do mundo real que exibem contradições, como a mecânica quântica.
  • Resolver paradoxos e evitar antinomias na filosofia e na ciência.
  • Explorar e desenvolver novas abordagens para o raciocínio e a argumentação.

É importante notar que as lógicas paraconsistentes não invalidam o princípio da não-contradição para todos os contextos. Elas simplesmente oferecem sistemas lógicos alternativos que lidam com contradições de forma diferente.

B) Lógica Difusa

A lógica difusa é um sistema lógico que lida com conceitos vagos e imprecisos, ao contrário da lógica clássica, que é baseada em valores binários (verdadeiro/falso).

Princípios:

  1. Graus de Verdade: Em vez de valores booleanos (verdadeiro/falso), a lógica difusa atribui graus de verdade aos valores lógicos, variando de 0 (completamente falso) a 1 (completamente verdadeiro).
  2. Funções de Pertinência: Funções matemáticas são usadas para representar a pertinência (compatibilidade) de um elemento a um conjunto difuso.
  3. Operadores Difusos: Operadores lógicos (como AND, OR, NOT) são modificados para trabalhar com graus de verdade, permitindo o raciocínio com informações imprecisas.

Aplicações:

A lógica difusa é amplamente utilizada em áreas como:

  • Controle de sistemas (por exemplo, sistemas de controle de temperatura, robótica);
  • Tomada de decisão (por exemplo, sistemas de suporte à decisão, análise de risco);
  • Processamento de linguagem natural (por exemplo, tradução de idiomas, reconhecimento de fala);
  • Sistemas de Especialização (por exemplo, sistemas de diagnósticos médicos, sistemas de recomendação)

Exemplo:

Considere o conceito de "alta temperatura". Na lógica clássica, uma temperatura é alta ou não alta. No entanto, na lógica difusa, podemos definir uma função de pertinência para representar o grau em que uma temperatura é considerada alta, levando em consideração fatores como faixa de conforto desejada e tolerância individual.

Benefícios:

  • Permite lidar com incertezas e imprecisões inerentes ao mundo real.
  • Fornece uma forma mais realista de raciocinar sobre sistemas complexos.
  • Melhora a tomada de decisão em situações com informações incompletas ou vagas.

C) Uma proposta ontológica

Acredito que aqui deve ficar claro porque as proposições (2) a (6) apresentadas no início do artigo, no primeiro capítulo, parte B, sobre Lógica, me parecem razoáveis se admitirmos que Lógica e Metafísica são sinônimos já que a Lógica estaria convertendo no pensamento aquilo que é adquirido a partir da experiência hilemórfica da realidade ontológica via "conhecimento por presença". O que, "trocando em miúdos" quer dizer que a Lógica opera "através da linguagem" mas não a "partir da linguagem". Se Aristóteles tinha ou não isso em mente quando escreveu o "Órganon" e a "Metafísica" não nos é mais possível saber, mas não me parece uma opção indefensável entendermos que a lógica aristotélica se limitava a dizer "o que existe" (verdade) e o que "não existe" (falsidade); portanto, uma "contradição real" seria a "ausência de um ente não presente" ("não ser"), enquanto que as lógicas proposicionais tem mais valores além de "verdadeiro" e "falso" para dar conta do que é "indeterminado" ou "condicional" lidando assim, no primeiro aspecto com o que não sabemos sobre aquilo que existe, e, No segundo aspecto com as sutilezas de linguagem e o "GAP" entre o que "pode ser dito" e o que "É".

D) Estudo(s) de caso (extras)

Este tópico extra foi colocado por último no artigo, após eu ter chegado à vívida impressão de que a maior parte dos erros de raciocínio derivam exatamente de não usarmos o princípio da não-contradição o tempo inteiro! A seguir, proponho uma série de situações de julgamento com suspensão parcial do princípio da não-contradição:

  • Quando não pensamos claramente não estamos usando o princípio da não-contradição;
  • Quando não pensamos as coisas em suas devidas categorias não estamos usando o princípio da não-contradição;
  • Quando confundimos uma coisa com outra não estamos usando o princípio da não-contradição.
  • Quando não conseguimos discernir a(s) diferença(s) entre 2 ou mais entes não estamos usando o princípio da não-contradição.
  • Quando enxergamos um conjunto enquanto "uno" (guardem essa palavra!) e não como "a soma de muitas partes" não estamos usando o princípio da não-contradição (?).

Conversando no trabalho com um amigo a respeito de como o gosto musical das pessoas parece ter piorado ao longo do tempo e como, mesmo assim, boa parte das canções imorais e/ou de gosto duvidoso acaba descrevendo o comportamento que as pessoas assumem na realidade, nós dois, meu colega e eu, partindo da mesma pergunta chegamos a duas conclusões diferentes na seguinte forma:

1) Meu amigo interpretava que "as pessoas ouvem esse estilos popularescos de música de conteúdo duvidoso porque é disso que elas gostam realmente";

2) Eu, por outro lado, argumentei que "o gosto das massas é moldado pela constante repetição desses estilos musicais populares através da mídia".

3) Contudo, me parece mais acertado dizer que a verdade sobre esta questão é uma mistura dessas duas afirmações, aparentemente não-conciliáveis, já que nem meu amigo nem eu temos a totalidade das informações a esse respeito.

Conclusão: Assim como as partes com "programação não finalizada" num videogame deixam fases incompletas e cenários com os quais não dá pra interagir podem existir (e, de fato, existem em muitos games) "contradições reais" parecem não ser impossíveis num universo incompleto (assim como o princípio da não-contradição parece enfraquecer num universo proposicional de informações incompletas, pois este cenário acaba exigindo valores intermediários entre "verdadeiro" e "falso").

5. É O SEMELHANTE OU O DIFERENTE O "FUNDO" DA REALIDADE?

No diálogo "Parmênides", Platão estabelece uma conversa entre Zenão de Eléia, discípulo de Parmênides, o próprio Parmênides velho e uma versão jovem de Sócrates, avaliando se o contexto metafísico deduzido partir dos números e da geometria desenhava um perfil filosófico mais pendente para o "uno" ou para o "múltiplo" enquanto "sub-instância" da realidade. No final das contas, para qualquer pessoa que tenha lido a obra, ficará claro que "o problema do uno x múltiplo" é o "GAP" entre o "princípio da identidade" e o "princípio da não-contradição", e a escolha da resposta para esse dilema filosófico divide as cosmovisões Ocidentais e Orientais em duas grandes vertentes.

De toda forma, é estranho discriminar situações em que o princípio da não-contradição "enfraquece" sabendo que é ATRAVÉS do princípio da não-contradição que isso se verifica! Logo, eu não posso negar que de fato existe apenas UMA Lógica: afinal "as coisas OU existem OU não existem"; e isso não é apenas uma proposição já que as "coisas materialmente verdadeiras" são existentes e as "coisas materialmente falsas" (contraditórias às primeiras) são aquelas que não existem materialmente, por isso afirmo que Lógica e Metafísica são a mesma coisa: os princípios lógicos são materialmente verificáveis.

Por outro lado, a representação da realidade pela linguagem admite diferentes "linguagens lógicas", o que leva o problema das contradições para o campo gnosiológico já que "contradições reais" dependem de "coisas materialmente não existentes existirem", o que faz sentido potencial, mas não materialmente como ato... Se "coisas materialmente não existentes" podem "existir potencialmente" ou ser imaginadas, o que se pode dizer sobre o problema fica restrito aos "entes de razão". O que me leva a crer que a existência de "contradições reais" é uma "tautologia", pois nem pode ser provada nem refutada: não se pode conhecer o conjunto de todas as coisas a ponto de afirmar se o universo está (ou não) completo.

Entretanto, impossibilitada a prova, mas assumindo que coisas idealizadas, tidas como impossíveis, podem ser manifestas/criadas implica que "o inexistente vir à existência em ato" é uma conjectura razoável o bastante para eu afirmar que "as regras pelas quais as coisas passam de potência ao ato são essencialmente paradoxais. E aqui estou diferenciando "paradoxo" de "contradição" porque "na contradição o contraditório é o não-existente" enquanto que no paradoxo, a contrariedade e seu antagonista são afirmados ao mesmo tempo e de modo interdependente (uma "unidade-dualidade", um "uno-múltiplo", um "absurdo real"). Brincando de pensar nos limites do universo, batemos de cara numa "parede gnosiológica de Schrödinger", "real e abstrata ao mesmo tempo", por não podermos discernir "a divisão da alma e do espírito". O que é pode (ao mesmo tempo e no mesmo sentido) não-ser (ao menos) enquanto "potência" ou, como dito no decorrer do filme Mr. Nobody: "tudo permanece em aberto enquanto não se decidir nada".

Apesar de estar presente desde os antigos gregos e também na construção das escolas de pensamento orientais (Budismo, Zen, Taoísmo, etc), o "problema do uno e do múltiplo" parece ter sua resposta mais "exótica" dentro do Cristianismo através da revelação e sistematização da noção de "trindade": Deus é UNO e é MÚLTIPLO AO MESMO TEMPO. Ao mesmo tempo que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, cosubstanciais (UNO) mas PESSOAS DIFERENTES (o Pai não é o Filho, o Filho não é o Espírito, o Espírito não é o Filho nem o Pai). O trecho bíblico abaixo já foi usado em outro momento do artigo mas me parece necessário relembrar e expandir:

"O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração. Sendo, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e imaginação do homem. Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos."
(Atos dos Apóstolos 17:24-31)

Me parece que, o mesmo Cristianismo que "homologou" o princípio da não-contradição como algo de uso comum se alicerçou sobre um tipo de "lógica paraconsistente" através, pelo menos, do conceito da trindade. E se o "fundo" da realidade for, afinal, um paradoxo? Não sei vocês mas, particularmente, eu estou em paz com isso (https://t.me/FilosofiaEAfins/39909).

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