Filosofia
February 5, 2022

Imperativo Categórico & O Nascimento da Moral: Uma epistemologia do "eu" para os animais

Conheça a história da grande guerra dos chimpanzés

Animais sentem inveja, se matam, fazem guerra. Só não se escravizam...
Animais são amorais porque são apenas sencientes. Mas qual a diferença entre "consciência" e "senciência"?

Para Kant, o ponto de partida do conhecimento é o próprio sujeito.
A questão de Kant é mais deontológica, nem tanto epistemológica ou ontológica.
Gosto bastante do imperativo categórico mas não consigo engolir que se deva usar apenas a razão como único critério de apreensão da realidade. Me parece muita pretensão...

Minha discordância é justamente porque não creio que o ponto de partida da razão seja o sujeito e sim a relação do sujeito com o objeto. Por exemplo, tente contar uma história sem passagem de tempo, lugar e personagens para ver o que acontece...

O que eu não entendo em Kant é justamente que se "a razão está no sujeito" como ela pode se aplicar ao mundo? O mundo precisaria corresponder à nossa razão em algum nível mínimo para essa razão estar em nós "a priori" e servir pra alguma coisa. Até porque, os animais não são dotados de razão e estão aí há muito mais tempo que nós... e muito bem, obrigado. Eu, por exemplo, considero a razão como algo "a posteriori": existe mas não é essencial, nem mesmo corresponde à totalidade das coisas; portanto, só pode ser aplicada parcialmente à realidade.

Pensando no imperativo categórico: "Aja de tal maneira como se tuas ações pudessem ser tomadas como lei universal", a versão kantiana da "regra de ouro", para Kant, era algo "a priori", independente da experiência (educação, cultura, etc), todavia, não me parece que seja a melhor descrição possível.

Como Kant entende que o sujeito é o ponto de partida da razão (que estaria NO sujeito) me parece natural que o ser humano racional seja basicamente moral. O que o Kant esqueceu de mencionar é que a maioria das pessoas é mais senciente que racional, seja por má formação intelectual ou alienação mesmo. Eu nem acredito que o ser humano seja racional, pra dizer a verdade. Só porque uma condição é inata não quer dizer que ela vá se manifestar: ela pode ter seu desenvolvimento podado.

Então, o imperativo categórico só pode ser "a priori" de fato enquanto potência, não enquanto ato. É como a semente que contém em seu ser as características da árvore que ela pode e deve se tornar, mas não necessariamente vai se tornar.
Mas o problema mesmo é: de onde vem a lei moral? Quem começou com esse negócio?

Toda resposta dada a esta questão será meramente especulativa, a menos que demonstre que a moral tem uma existência ontológica por si.

Nem faz sentido cobrar correspondência entre objetos e razão subjetiva porque a razão não é subjetiva: ela de fato corresponde parcialmente, em algum grau elevado, com a realidade, do contrário o conhecimento seria impossível (da mesma forma que não existe comunicação sem que se estabeleça a relação entre significado, significante e objeto). Lidar com a realidade não é o campo da consciência, é o campo da inteligência, tá aí o motivo de mesmo animais e inteligências artificiais conseguirem lidar com dados: há algum tipo de inteligência objetiva neles.

Uma inteligência artificial pode sonhar? Animais podem sonhar? A resposta, para mim, é clara...

Existe um questionamento, do ponto de vista de alguns pensadores irracionalistas, se os problemas psíquicos não seriam uma reação de tentativa de retorno do organismo ao seu "estado natural" diante de todos os condicionamentos e artificialidades da vida em sociedade.

Já eu não acho que exista um "eu natural". O "eu" não é natural, é transcendente: temos uma noção de continuidade interna constante, embora tanto corpo como mente, ações, reações e contexto mudem o tempo todo. Então, como assim a gente tem uma noção de "eu"? O "eu" já estava em nós antes mesmo de termos consciência, quanto mais nos conhecemos e conhecemos as coisas mais ele se manifesta. Isso não pode ser natural!

Eu entendo o "eu" como algo transcendente enquanto a filosofia irracionalista ou as correntes sociais, que pretendem moldar a sociedade através de engenharia social, vêem o "eu" como uma construção artificial. Daí, a pergunta mortal que todos deveríamos fazer é: animais tem um "eu"?

Se a resposta for "não" então por que eles respondem quando você os chama pelo nome?

Mesmo sabendo que existem várias Psicologias, os estudantes de humanas (filosofia, sociologia, antropologia, etc. e até psicanálise, por exemplo) confundem "personalidade" e "ego". Para usar um exemplo de como resolver essa confusão, para Jung, por exemplo, a "personalidade" não é o "self" (o "self" é o "eu" de que estamos falando).

O verdadeiro "eu" não se explica, se é! O "eu" que pode ser explicado não é o verdadeiro "eu". A constante noção de continuidade de si mesmo é o "eu".

O que o niilista chama de "eu" é a personalidade enquanto o "eu" real é o "self". Esta é uma confusão e tanto para resolver. Por exemplo, quando nos perguntam no cotidiano "quem é você?" na verdade respondemos com nosso nome, o que nós fazemos, onde moramos, etc., e nada disso é o "eu". O "eu" (self) é "o que você é" e isso não tem nada a ver com subjetividade: toda experiência é objetiva! As coisas precisam existir para que alguém as experimente. Pense, por exemplo, no cérebro: tudo aquilo que foi moldado na sua personalidade, seus gostos, habilidades, memórias, tudo aquilo que te torna quem você é pelas suas experiências pessoais, veio de fora de você e existe fora de você (parte, inclusive, provavelmente, vai continuar existindo depois que você morrer e não mais habitar o seu cérebro).

Se a consciência humana só tem acesso a representações ilusórias ou aproximadas da realidade, que impressões os animais experienciam do mundo externo? Ou, nas palavras de Darwin:

"Comigo a dúvida horrível sempre surge se as convicções da mente do homem, as quais têm sido desenvolvidas da mente de animais inferiores, são de qualquer valor ou dignas de confiança. Poderia qualquer um confiar nas convicções da mente de um macaco, se houvesse qualquer convicção em tal mente?"
📜Carta a William Graham (Down, 3 de Julho, 1881), em The Life and Letters of Charles Darwin, ed. Francis Darwin (London: John Murray, 1887), Volume 1, pp. 315-16.

Fonte:
🔗https://dcgolgota.blogspot.com/2014/12/alvin-plantinga-evolucao-versus.html?m=1

Nessa visão, Descartes estava errado ao afirmar que "animais não possuem alma" (e sim, existe todo um problema ético sobre o uso de animais como cobaias).

Estas questões se estendem tanto porque no seu cerne está a pergunta de "quais tipos de conhecimento de fato são válidos?"

Na minha visão, imaginação, às vezes, é mais importante que conhecimento. Na verdade, ela própria é uma forma de conhecimento, assim como intuição, revelação, paralogismos, lógica, empirismo, etc. A realidade é maior que a soma de suas partes. Tudo que carrega informação verdadeira é fonte de conhecimento. Cabe a nós apenas testar a veracidade e entender em que grau ela se encontra. Einstein baseou boa parte de seu trabalho em experiências imaginárias e diversas coisas que nós usamos cotidianamente, como GPS, foram resultado disso.

Mas alguém poderia retrucar que "revelação é algo espiritual, e não sou obrigado a crer que seja verdade". No entanto, a realidade é indiferente e independente do que cremos. Eu posso, como um esquizofrênico em surto, deixar de acreditar que existe chão abaixo dos meus pés e isso nada diria a respeito da realidade do chão.

Não confunda intuição com probabilidade! Um chute na prova é probabilidade. Intuição é saber algo verdadeiro antes ou mesmo sem entender de onde este conhecimento veio.

Já a "revelação" pode ser enxergada de duas formas:

1-"Revelação" como tendo a ver com o conceito grego de "aletheia" que é a "verdade e a realidade, aquilo que é não-oculto, desvelado", mas, ainda assim, para se alcançar é preciso buscar através da razão.

2-"Revelação" é um tipo de intuição. Intuição é quando existe um processo mental rodando e chegando a uma conclusão antes de você perceber todos os passos que levaram a essa conclusão. Como no computador com uma janela minimizada ou num processo oculto. Tem quem chame isso de "inconsciente".

Sendo assim, devo dizer que uma intuição, no sentido que expresso, não pode estar errada pois seria o mesmo que dizer que "uma verdade pode ser falsa".

"Mas a intuição não é racional! Podemos adquirir conhecimento sem ser pela razão?"

Sim! Pergunte a qualquer animal como eles aprendem! Normalmente, a justificativa para as pessoas dizerem que "animais não pensam" é que animais não são racionais, mas eles têm sistema nervoso, emoções, tem um "eu" respondem a estímulos do meio, sentem dor e aprendem. A justificativa para animais não pensarem é muito fraca, assim como a justificativa para máquinas com inteligência artificial não pensarem é muito fraca.

Tenho para mim que a "consciência" nasce quando o self (o eu profundo) encontra-se com a tensão existencial entre "como se é/está e o que se deveria ser", surgindo daí um "imperativo moral" baseado em autorresponsabilidade que implica na decisão individual de qual "potência" deverá se tornar "ato".

Se aceitarmos esta definição em consonância com minhas demais colocações no texto, teremos de admitir uma inteligência que seja a capacidade de interagir de modo a processar dados externos, integrar-se ao meio e sobreviver (uma forma mais prática de inteligência em que o ser humano e o animal variam apenas em grau, por maior que seja a distância) e uma outra resultado direto da consciência a partir de um imperativo moral de auto-responsabilidade por suas escolhas.

A parte curiosa do argumento é que nenhuma dessas duas inteligências precisa necessariamente ser lógica ou racional, mas pode sê-lo. Ainda assim, tanto a "inteligência prática" (animal ou não) quanto a inteligência derivada da consciência dependem de um referente real externo que só pode ser explicado na forma de design no primeiro caso e de propósito no segundo (porque não existe nada sem forma e se há forma, há essência, e se há essência há propósito!).

Chegamos no problema da existência de Deus enquanto causa da inteligência! ...Mas esse é tema pra outra matéria.

Por hora, entenda melhor a diferença entre "consciência" e "senciência" com uma leve ajudinha de Graforréia Xilarmônica... 😉

Graforréia Xilarmônica - Beethoven